Ao longo das extensas áreas de pastagens no estado de Mato Grosso, pecuaristas acompanham em primeira mão o que acontece quando o maior comprador de boi-vivo está atolado em problemas. A JBS, gigante do processamento de carnes, costumava comprar quase metade do gado destinado aos frigoríficos do estado. Mas desde que os donos da empresa admitiram a participação em um vasto esquema de corrupção, as finanças da JBS minguaram e as compras caíram vertiginosamente. Pior ainda, a JBS já não paga à vista pelos animais abatidos, mas pede prazo de 30 dias ou mais.
Os produtores dizem estar com medo de não receber pelo gado entregue à JBS, particularmente porque os bancos têm pedido garantias adicionais para empréstimos lastreados em vendas à companhia.
Por enquanto, segundo os pecuaristas, não há notícia de atraso nos pagamentos. A JBS vem buscando refinanciar parte de suas dívidas no Brasil em um ambiente de crédito nada favorável. “Se os bancos não estão dando crédito à JBS, por que é que nós devemos dar?”, pergunta Alexandre Caiado, 30, da segunda geração de uma família de pecuaristas do município mato-grossense de Juína. “Muitos produtores estão fazendo apenas vendas pontuais, o que mal dá para pagar as contas”.
A desaceleração da demanda derrubou os preços do boi gordo meados de maio, quando as notícias abalaram a credibilidade dos acionistas majoritários da JBS, os irmãos Joesley e Wesley Batista. Eles admitiram ter pago propinas para ajudar a financiar uma série de aquisições que beiram o equivalente a US$ 20 bilhões. Tudo na última década. As ações e os títulos da companhia afundaram e, agora, a empresa se prepara para alienar cerca de RS 6 bilhões (US$ 1,8 bilhão) em ativos, o que inclui um fornecedor de produtos lácteos e um produtor de frango britânico, para mitigar a preocupação dos investidores.
Uma consequência direta foi o mercado futuro de gado, que caiu 17% em valor na Bolsa de Mercadorias & Futuros, em São Paulo.
Apesar disso, estima-se que a JBS disponha de gado suficiente apenas para três dias para levar ao abate. Os concorrentes diretos possuem ‘estoque’ para nove dias, estima Lygia Pimentel, diretora da consultoria agrícola Agrifatto. Antes da crise da JBS, a empresa dos irmãos Batista operava com um inventário similar, diz a especialista.
Capacidade reduzida
A JBS está utilizando cerca de 80% da sua capacidade para o abate, e os volumes estão melhorando, segundo a matriz da empresa em São Paulo, que respondeu à reportagem por e-mail. A companhia informou que estabeleceu uma política de pagamento para 30 dias, seguindo normas estabelecidas legalmente, citando os contratos do mercado de futuros da BM&FBovespa como exemplo. Ela afirma que todos os pagamentos vêm sendo realizados, sem prejuízos aos produtores rurais brasileiros.
“O valor atual do gado está diretamente relacionamento ao ciclo do mercado, em que há uma oferta maior adicionada à queda no consumo doméstico”, destaca a JBS. “Essa tendência de queda foi prevista por analistas ainda no ano passado”.
Para piorar a pressão sobre a indústria de proteína animal brasileira, os Estados Unidos impuseram uma restrição à carne bovina do Brasil, ressucitando as preocupações em relação à segurança alimentar que levaram a queda das exportações em março e que derrubaram os preços no início desse ano.
Os negócios estão tão fracos que alguns pecuaristas preferem manter o gado no pasto a vender aos frigoríficos ou colocar os bois em confinamento, onde os animais passam cerca de três meses comendo grãos ao invés de capim para aumentar o peso para o abate. “Com esses preços, os produtores simplesmente não conseguem tirar lucro com uma operação de confinamento”, diz Alberto Pessina, pecuarista e presidente do conselho executivo da Assocon - Associação Nacional da Pecuária Intensiva.
Com a chegada do inverno no hemisfério sul, manter os animais na pastagem pode não ser uma boa ideia. O clima frio e seco pode forçar os produtores a vender os animais a preços baixos porque simplesmente não há capim para eles comerem.
Alguns, incluindo Caiado, migraram de frigorifico, vendendo a concorrentes da JBS, como a Marfrig e Minerva. O problema é que nenhuma é grande o suficiente para absorver o excesso de gado. “Alguns pecuaristas continuam vendendo à JBS simplesmente porque não têm outra opção”, afirma Caiado.
Ataque da concorrência
Atualmente, a JBS tem uma fatia de 25% da capacidade de abate no Brasil, o que inclui 48% da capacidade do estado do Mato Grosso. Alguns produtores rurais reclamam que a indústria de processamento de carne se tornou concentrada demais na última década, devido a uma série de aquisições.
A Associação dos Criados do Mato Grosso (Acrimat) se queixa a tempos que o monopólio da JBS era uma ameaça aos produtores locais. Em 2012, após a JBS realizar uma série de aquisições na região, a Acrimat enviou uma reclamação formal aos órgãos oficiais, mas não obteve êxito.
Um período prolongado de compras de bois reduzidas por parte da JBS pode prejudicar as exportações brasileiras, afirma José Vicente Ferraz, da consultoria Informa Economics Group-FNP. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos estima, conforme relatório de abril, crescimento de 6% no volume de exportações do Brasil, o maior exportador mundial de proteína animal.
“Com o lucro caindo para os produtores de gado, provavelmente os investimentos na produção bovina vão atrasar ou reduzir”, afirma Ferraz. “Isso vai levar a uma menor produtividade, e o país pode perder competitividade no mercado global no longo prazo”.
A JBS se tornou o maior produtor de carne bovina e de aves do mundo, engolindo produtores nos Estados Unidos e Austrália, mas viu o custo de seus empréstimos crescer nas últimas semanas. A dívida estimada em US$ 1 bilhão para 2020 teve aumento nos títulos de 6,38% para 12,64% em 12 de junho, fechando em 9,96% nesta segunda-feira (26).
Os problemas da JBS abriram as portas para concorrentes como Minerva e Marfrig, que passam a ganhar mercado, segundo Hyberville Neto, analista da consultoria Scot, de São Paulo. Os rivais, inclusive, vêm agindo. A Minerva confirmou que vai reabrir uma planta no Mato Grosso em julho enquanto a Marfrig está estudando oportunidades de aquisição no Brasil.
Neste meio tempo, os produtores rurais devem continuar segurando o gado até que os preços voltem a um bom patamar ou pelo menos que a JBS volte a pagar à vista – ou até que as pastagens sequem. “Ninguém quer vender para eles. A JBS perdeu credibilidade”, finaliza Caiado.