As cabras são adoradas na internet, mas recebem pouca atenção das revistas científicas especializadas em cognição animal. Os queridinhos de tais pesquisas tendem a ser primatas, baleias, golfinhos, cães e cavalos. As cabras, por outro lado, “não são consideradas os bichos mais inteligentes”, afirma Christian Nawroth, um cientista agrícola do Instituto Leibniz de Biologia Animal da Alemanha.
Mas Nawroth sabe que não é bem assim. Ele usa palavras como “criativas” e “atenciosas” para descrever as cabras. E com base em um estudo mais recente, ele diz que esses animais também são “complexos”.
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As pesquisas com cabras que Nawroth e seus colegas fizeram na Universidade Queen Mary de Londres já tinham mostrado que esses animais são muito bons em ler sutilezas da linguagem corporal humana. Agora, os cientistas descobriram que eles são capazes de distinguir rostos de pessoas felizes e tristes - e eles preferem as felizes.
Os resultados do novo estudo, que envolveu cientistas observando como reagiram 20 cabras a pares de imagens em preto e branco de pessoas desconhecidas que exibem as duas expressões faciais, mostrou que as cabras “são ainda mais complexas do que pensávamos”, diz a coautora do estudo Natália Albuquerque, aluna de doutorado da Universidade de São Paulo (USP).
As cabras gastaram 50% mais tempo se aproximando e cutucando as fotos de rostos felizes, e em pouco mais da metade dos testes, interagiram com o rosto feliz primeiro, segundo Nawroth, principal autor do estudo. Elas se viraram para o rosto zangado primeiro em 30% das situações; no restante, ignoraram os dois rostos.
Habilidades complexas
“Nós, seres humanos, somos uma espécie muito diferente e nos expressamos de uma maneira muito particular - até nossas pupilas são diferentes”, observa Natália. “Se as cabras são sensíveis às nossas expressões faciais, isso significa que possuem habilidades psicológicas bem complexas ”, acrescenta.
Isso coloca as cabras na companhia de outros animais, como as ovelhas, que também mostraram que podem reconhecer rostos humanos. Mas apenas cães e cavalos demonstraram anteriormente uma capacidade de diferenciar as expressões. Se a nova descoberta significa que os caprinos entendem que tipo de emoção uma expressão humana transmite, isso é desconhecido - apenas cães provaram ser capazes disso - mas significa que as cabras, pelo menos, deram o primeiro passo nesse processo, de acordo com Natália.
A descoberta é significativa por causa do tipo de domesticação à qual as cabras foram submetidas, segundo os autores. Ao contrário dos cães e cavalos, que viveram em contato mais próximo com os seres humanos como companheiros e trabalhadores por milhares de anos, as cabras foram domesticadas para produzir carne, leite e couro. Pode ser que, conforme os seres humanos selecionavam as cabras individualmente para domesticá-las, a capacidade de distinguir as expressões humanas veio junto, de acordo com o estudo, publicado na revista Royal Society Open Science.
Ou pode ser que as cabras que participaram do estudo, todas residentes do simpático Buttercups Sanctuary, no sudeste da Inglaterra, tenham aprimorado essa habilidade. Enquanto alguns podem ter sido abusados ââpor humanos no início de suas vidas, todos os animais da pesquisa residiram no santuário por pelo menos um ano, informou Nawroth.
“Eles estão em um ambiente muito legal e divertido”, afirma Natália. “As pessoas estão sempre trazendo massa seca de macarrão. Essa é a comida favorita das cabras.”(Por essa razão, massas secas foram usadas nos testes do estudo.)
Mas a pesquisadora diz que a experiência das cabras de Buttercups com expressões felizes não torna sua performance no estudo menos interessante do ponto de vista científico. E essa performance, argumenta a cientista, deveria fazer as pessoas pensarem. Se as cabras enxergam nuances em nós, não devemos também ver nuances nelas?
“Elas provavelmente sentem, e provavelmente querem certas coisas. Mas talvez isso também seja verdade para todas as espécies de gado ”, pondera Natália. “Se nós estamos mostrando que as cabras são mais complexas do que pensávamos, talvez todos os animais não humanos sejam mais complexos do que pensávamos”, conclui.