Numa corrida em que 8 milhões de equinos participam (população de cavalos, mulas e jegues no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE), R$ 16 bilhões estão em jogo. Este é o PIB anual da equinocultura brasileira. Sabe quanto é destinado à carne de cavalo? Apenas 0,15%.
Ainda assim a marca não é inexpressiva. Ano passado, quase 3 mil toneladas foram vendidas ao exterior e rendeu ao país US$ 7,8 milhões, segundo o Ministério do Comércio Exterior - o equivalente a R$ 25 milhões na cotação atual. O montante é praticamente o mesmo de 2015.
Mas o valor foi maior. “O Brasil já foi o primeiro no ranking de exportação de carne de cavalos”, lembra Roberto Arruda de Souza Lima, especialista em equinocultura e professor do Departamento de Economia da Esalq/USP. Atualmente, o país sequer figura entre os dez maiores exportadores dessa carne, que definitivamente não caiu no gosto dos brasileiros - 99% da produção é exportada.
Em 2005, por exemplo, foram exportadas quase 20 mil toneladas de carne de equídeos - cavalo, jumento e mula. A renda foi de US$ 35 milhões (R$ 111 milhões). Depois, os negócios começaram a despencar. Em 2008, as exportações caíram pela metade. Já em 2010, o montante despencou para 3,3 mil toneladas e ficou abaixo de 2 mil em 2013. Os dados são do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Frigoríficos de cavalos: restam apenas dois no Brasil
O Brasil chegou a ter seis frigoríficos de equinos ativos em 2004. Eles ficavam no Paraná, Rio Grande do Sul e Minas Gerais – dois por estado. O Paraná, inclusive, já foi o maior exportador, com 60% do mercado em 2004, segundo estudo da Esalq/USP. Hoje, a participação paraense é zero - inclusive no número de abates.
Atualmente, restam apenas dois no Brasil. Um fica em Floresta, em São Gabriel (RS), e a gerência se negou a dar entrevista. O outro, de Araguari (MG) - aquele mesmo atingido pela “crise do mormo de 2013”, citada na matéria ao lado. O proprietário não retornou aos chamados da reportagem durante a última semana.
Há uma explicação para a derrocada da produção de carne de cavalo no Brasil. “O primeiro tombo pode ser explicado por conta da falta de rastreabilidade dos animais. A Europa, que é o principal importador de carne de cavalos, passou a exigir o acompanhamento do animal desde pequeno. Como o cavalo tem baixo valor de descarte e apenas cavalos velhos são abatidos, ninguém se preocupou em fazer isso”, explica Roberto Arruda.
Após esse baque, o país “caiu do cavalo” novamente em 2013, quando houve um caso de mormo (doença bacteriana) que acometeu um animal na região de Araguari, onde fica um dos únicos frigoríficos do país que abatem equinos. Uma vez descoberto, o caso impede o trânsito desses animais em um raio de dez quilômetros, o que paralisou os abates. “Assim o frigorífico ficou sem matéria prima de 6 a 8 meses. Isso impactou negativamente nas exportações”, completa Roberto Arruda.
Alguém, então, acabaria aproveitando esse mercado. “Tenho a impressão que isso acontece no Uruguai”, afirma o especialista. Ele explica que o vizinho pode seguir o “exemplo mexicano”: “Carne de cavalo sempre foi um tema polêmico. Nos Estados Unidos, estado por estado foram proibindo os abates e o México cresceu, se tornando um grande exportador”, comenta Arruda.
E existem perspectivas para mudar esse mercado? Para o especialista, apenas se a legislação atual for alterada e exigir novas garantias de sanidade. Enquanto isso, o Brasil segue perdendo a corrida.
Abate de cavalos cumpre função social, diz especialista
Especialista em equinocultura da Esalq/USP, Roberto Arruda observa que praticamente não há criação de cavalos para engorda no mundo. “Apenas em um pedacinho da França”, diz. O professor ensina que somente é feito o abate de cavalos idosos.
“Pense um carroceiro com um cavalo velho e improdutivo. Ou ele mantém o cavalo sem uso e, ao invés de alimentar o filho, alimenta o animal, ou abandona”, comenta. Segundo ele, isso colabora para o aumento de acidentes nas estradas, além do próprio sofrimento do animal.
Neste sentido, o abate pode inclusive gerar renda extra ao dono do equino. O problema é que, atualmente, para ser aceito nos frigoríficos os animais precisam passar por algumas regras.
“Quando cavalo é mal tratado, o frigorífico não aceita. Tem de haver todo um transporte adequado para um abate mais ‘humanitário’. O que se vê na internet são coisas horripilantes, que não acontecem nesses frigoríficos, e o leigo costuma confundir”, explica Arruda.
O especialista completa dizendo ainda que animais que participam de competições esportivas e sociais não são abatidos pois, ao longo da vida, recebem muitos medicamentos, o que inviabiliza o animal para consumo humano.