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JBS pode receber ajuda financeira de Trump por guerra comercial com a China

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(Foto: SAUL LOEB/AFP)

As duas maiores empresas processadoras de carne suína nos Estados Unidos, a brasileira JBS e a Smithfield Foods (que ironicamente pertence ao grupo chinês WH), são elegíveis para receber auxílio financeiro federal do programa de US$ 12 bilhões criado pelo presidente Donald Trump para ajudar os produtores americanos atingidos pela guerra comercial contra a China.

A confirmação de que os subsídios federais poderão beneficiar indústrias gigantes do setor, cujos principais acionistas são estrangeiros, foi dada pelo porta-voz do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), Carl E. Purvis.

O USDA anunciou em agosto que fará aquisições da agroindústria no valor de US$ 1,2 bilhão para distribuir para Bancos de Alimentos em todo o país. Na conta estão incluídos US$ 560 milhões destinados à carne suína. O pacote foi anunciado como medida de proteção aos agricultores contra as tarifas retaliatórias da China.

A possibilidade de o dinheiro parar nas mãos de empresas estrangeiras, no entanto, mostra o grau de dificuldade para implementar programas de governo que beneficiem apenas empresas nacionais. A envergadura “multinacional” de muitas companhias torna dura a tarefa de assegurar que os dólares federais permaneçam em mãos americanas, independentemente das intenções do governo.

O programa de auxílio federal desagrada pequenos suinocultores, que se dizem frustrados em ver que o dinheiro poderá parar no cofre de grandes empresas que hoje dominam o mercado de suínos dos EUA.

“Só vai ajudar gente graúda, como a JBS e a Smithfield”, diz Chris Petersen, 63, dono de uma granja de poucas centenas de suínos na região norte de Iowa. “Fico muito chateado por causa do poder político e do poder do dinheiro e das grandes corporações. Quem paga impostos deveria se rebelar com essa história”.

Em nota, a Smithfield Foods não confirmou ter se candidatado para participar do programa de compras do governo. A vice-presidente de Assuntos Corporativos da empresa, Keira Lombardo, disse por e-mail que a companhia atende aos critérios exigidos pelo USDA para participação e que “qualquer empresa pré-aprovada pode se candidatar ao programa, desde que tenha capacidade de entregar o produto solicitado”.

Lombardo observou que a Smithfield é uma empresa com sede nos Estados Unidos e que emprega milhares de americanos, produzindo alimentos cárneos em quase 50 unidades espalhadas pelo país. O balanço financeiro de 2017 aponta que 60% de todas as receitas do grupo WH vêm do mercado americano, assim como metade de seu lucro.

Ligações governamentais

Alguns advogados tentam provar que o grupo WH mantém laços estreitos com o governo chinês. Em 2013, a empresa ainda se chamava Shuanghui quando recebeu empréstimo de US$ 4 bilhões de um banco estatal chinês para comprar a Smithfield, numa estratégia alinhada com os objetivos de Pequim – segundo um documento do Centro de Jornalismo Investigativo. O grupo WH não respondeu aos pedidos para comentar as supostas relações com o governo da China.

A JBS também não respondeu a contatos para comentar o assunto. O Serviço de Marketing do USDA, que é responsável pelo programa de compras governamentais, informou que os produtos que serão adquiridos serão “100% produzidos em solo americano”.

Em um comunicado separado, a assessoria de comunicação do USDA afirmou que o departamento não pode controlar se dinheiro federal destinado a subsidiárias americanas acabará aumentando o lucro de seus donos chineses. “O USDA não tem atribuição policial para investigar se o dinheiro, ao fim e ao cabo, terminará em mãos chinesas”, disse um porta-voz, por e-mail.

O Departamento de Agricultura “em breve” vai anunciar uma lista de fornecedores para os bancos de alimentos, e as compras devem se estender por um ano, segundo o porta-voz Carl Purvis. O auxílio foi autorizado com base em um programa governamental da época da Grande Depressão e não precisou receber aprovação do Congresso.

Desde que a administração Trump anunciou sobretaxas em centenas de produtos chineses, Pequim respondeu aplicando igualmente tarifas adicionais em produtos americanos. As contramedidas chinesas incluem 62% de tarifa adicional em derivados de suíno, segundo a Associação dos Exportadores de Carnes dos Estados Unidos.

O governo americano anunciou as medidas de auxílio financeiro em julho, em meio à pressão de deputados de estados de economia rural que alertavam para as consequências da guerra comercial para os agricultores. O pacote de ajuda foi classificado como algo temporário para apoiar os fazendeiros enquanto o governo negocia um acordo melhor.

Os críticos, no entanto, dizem que a possibilidade de que os pagamentos acabem em mãos chinesas fala por si só contra a medida.

“Apresentar isso como um apoio para os agricultores sempre foi problemático, porque apenas as grandes indústrias, como a Smithfield, têm capacidade operacional para entregar derivados suínos aos bancos de alimentos, às escolas e outros programas governamentais”, diz Patrick Woodall, diretor de pesquisas da Food & Water Watch, uma organização civil que monitora ações do governo em questões rurais. “A Smithfield é a maior subsidiária do grupo WH: todas as unidades da Smithfield são unidades do grupo WH”, aponta Woodwall.

Dinheiro na conta

O programa de compras governamentais integra um pacote maior de medidas de auxílio para os agricultores. A maior parte dos US$ 12 bilhões deve ser direcionada para pagamentos diretos, particularmente para produtores de soja. Os cheques começaram a ser depositados em setembro.

Os pagamentos diretos têm um limite de renda, ou seja, não estão elegíveis produtores que faturem mais de US$ 900 mil por ano. Não há, contudo, este limite para os beneficiários do programa de compras diretas de alimentos, no valor de US$ 1,2 bilhão. A lista das pessoas e empresas que se cadastraram no programa ainda não foi divulgada.

Os US$ 559 milhões destinados aos suinocultores representam uma parte substancial dos recursos disponibilizados pelo governo. Normalmente, o governo americano realiza compras de US$ 30 milhões a US$ 50 milhões em derivados de suínos a cada ano, segundo o Conselho Nacional dos Suinocultores.

As exportações da Smithfiel para a China já caíram 20% desde o início das escaramuças comerciais entre Washington e Pequim, segundo Usha Haley, professor da Universidade Estadual Wichita, que acompanha o mercado de suinocultura há vários anos e testificou perante o Congresso sobre o processo de aquisição da empresa pelo grupo WH.

Alguns produtores querem que ao governo mude as regras de elegibilidade do programa de compras de alimentos, excluindo as empresas ligadas a grupos estrangeiros.

“Sabemos que precisamos equilibrar a oferta e a demanda, mas a ajuda financeira não deveria apoiar justamente aquelas companhias de países que estão nos causando problemas”, afirma Joe Maxwell, dono de uma pequena granja de suínos ao sul do Missouri e diretor-executivo da Organização em Prol de Mercados Competitivos.

Lombardo, a vice-presidente da Smithfield, disse que o negócio não envolve assistência federal, já que o governo está comprando um produto e não simplesmente entregando um cheque às empresas. “Não se trata de um pedido de ajuda federal. É um serviço de fornecimento de produtos feitos localmente para atender uma demanda do USDA”, enfatiza. “Qualquer empresário pode vender, desde que atenda aos requisitos do USDA e que esteja qualificado para entregar os produtos. Sendo uma empresa americana, a Smithfield atende a esses requisitos e já é fornecedor do governo há muitos anos”.

Tanto a Smithfield quanto a JBS recebem regularmente dinheiro do tesouro americano. Em 2017, o USDA fez compras de US$ 11 milhões da Smithfield e de US$ 12 milhões da JBS, segundo Tony Corbo, lobista da Food and Water Watch. Os produtos adquiridos são entregues em escolas, bancos de alimentos e residências familiares, dentro do programa intitulado “Commodity Procurement”, voltado a “apoiar a agricultura americana, encorajando o consumo de alimentos produzidos localmente” – segundo o site do USDA.

Larry Kudlow, conselheiro econômico do presidente Donald Trump, disse em entrevista que ele desconhecia a possibilidade de o dinheiro da ajuda federal acabar depositado na conta de uma empresa chinesa.

Danny Lewis, 69, conduz uma granja suína ao leste de Missouri, na cidade de Curryville, onde cria cerca de 1200 animais. Lewis disse que o programa do governo pode ter alguma utilidade, caso ajude a combater a fome de americanos mais pobres. Contudo, ele também disse não gostar da ideia de que o dinheiro federal beneficie corporações internacionais que não precisam disso.

“Não acredito que comprando grandes volumes de carne suína da JBS ou da Smithfield o governo irá ajudar de alguma forma a melhorar a renda de um pequeno suinocultor”, enfatizou. “De qualquer forma, escreva aí: eu ainda mantenho meu apoio ao presidente Trump”.

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