O presidente da União das Câmaras Árabes e ex-ministro do Abastecimento e Comércio do Egito, Khaled Hanafi, disse que, se a embaixada brasileira em Israel for transferida para Jerusalém, haverá boicotes a todos os produtos do País por consumidores árabes e os empregos brasileiros sofrerão. O recado foi dado na terça, 29, em reuniões com o presidente em exercício, Hamilton Mourão, e a ministra da Agricultura, Teresa Cristina.
Representante das indústrias e de empresários da Liga Árabe, Hanafi veio ao Brasil depois de, na semana passada, a Arábia Saudita ter vetado a importação de frango de cinco frigoríficos brasileiros. “As pessoas nos países árabes não se sentirão confortáveis com a mudança na embaixada, especialmente os consumidores, e isso pode prejudicar os negócios na região. Uma vez que eles recebam essas informações, ninguém poderá controlar a reação”, disse.
Se em um primeiro momento o governo brasileiro tentou desvincular o veto aos frigoríficos brasileiros da questão diplomática, o discurso do presidente da entidade árabe demonstra o contrário. Ele disse que “até agora” o embargo aos produtos brasileiros é feito por questões técnicas e que não há problemas generalizados. “Temo que essas ações técnicas possam mudar a percepção e a atitude dos consumidores. Não estamos falando apenas de frango, mas de todos os produtos brasileiros”.
A ideia da transferência da Embaixada do Brasil de Tel-Aviv para Jerusalém, levantada pelo presidente Jair Bolsonaro durante a campanha presidencial, causou muita polêmica e preocupação, especialmente entre os exportadores de carnes brasileiros, que têm no mundo árabe um importante mercado. A mudança implica reconhecimento pelo Brasil de Jerusalém como capital de Israel. Porém, os palestinos já reivindicam Jerusalém Oriental como capital de um futuro Estado palestino.
Para Hanafi, o simples anúncio de que a embaixada será transferida, mesmo que não concretizado, pode desencadear um boicote que, uma vez iniciado, dificilmente será contido. “Tivemos experiências com assuntos semelhantes e hoje, com as mídias sociais, isso pode levar as pessoas a reagirem. Alguns produtos foram retirados do mercado por causa de coisas como essa, mesmo produtos muito conhecidos”, disse, evitando citar países e produtos. Já houve boicotes de países árabes a marcas como Coca-Cola e McDonald’s no passado.
Mourão tem atuado como um contraponto a Bolsonaro nas relações do Brasil com as nações árabes. Nesta segunda-feira, por exemplo, o presidente interino disse que, pelo momento, o Brasil não avalia transferir a sua missão diplomática de Tel Aviv para Jerusalém.
Nas reuniões com as autoridades brasileiras, os árabes acenaram com o aumento de investimento e do comércio bilateral. Hanafi levou ao governo brasileiro proposta de construir centros de estocagem e distribuição das exportações brasileiras em portos estratégicos em países árabes. A ideia é criar uma espécie de hub para a distribuição de produtos do Brasil entre esses países. Também há o intuito de manufaturar os produtos na região, como soja e cana-de-açúcar. “Temos de manter e aumentar os negócios entre o Brasil e os países árabes.”
Hanafi disse que há um potencial grande de aumento do comércio entre os países árabes e o Brasil, assim como de investimentos e parcerias estratégicas. “A ideia de transferir a embaixada não afeta só os negócios existentes, mas também os em potencial. Estamos falando de bilhões de dólares e milhares de empregos no Brasil.”
Confira a entrevista concedida por Hanafy pouco depois de se reunir com a ministra da Agricultura.
Qual a mensagem que o senhor transmitiu ao presidente interino Mourão e à ministra Tereza Cristina?
Khaled Hanafy - Eu não estou transmitindo uma mensagem política. A União de Câmaras Árabes não é uma entidade política. O que fizemos, quando chegamos à questão da transferência da embaixada, foi transmitir o ponto de vista do consumidor da região árabe.
Nós apenas traduzimos o nosso entendimento sobre o comportamento dos consumidores na região árabe. Esse tipo de anúncio [a transferência da embaixada em Israel] será entendido pelos consumidores na região árabe de forma negativa. E esses consumidores podem se comportar de uma forma agressiva contra os produtos brasileiros, o que terá um impacto severo nos produtores do Brasil, principalmente nas pequenas empresas. E, claro, terá um grande efeito sobre os empregos aqui.
Se esse movimento dos consumidores ocorrer na região será muito difícil pará-lo ou revertê-lo. Hoje as redes sociais são muito ativas e isso provoca todo mundo a reagir.
O senhor está dizendo que os consumidores árabes podem reagir ao alinhamento do Brasil a Israel no tema do conflito com a Palestina?
É um tema muito sensível e ninguém pode controlar a reação. Por que é uma reação dos consumidores.
Nós tivemos alguns exemplos no passado, em relação a produtos muito famosos, que os consumidores árabes decidiram boicotar por motivos parecidos. Ninguém conseguiu resgatá-los e eles saíram do mercado.
Até agora, os produtos brasileiros são muito bem recebidos na região árabe. Os árabes veem os brasileiros e os produtos brasileiros de uma forma muito positiva. Nós tememos que essa percepção seja danificada.
Em novembro o Egito se negou a receber uma delegação brasileira chefiada pelo então chanceler Aloysio Nunes. Mais recentemente, a Arábia Saudita removeu alguns exportadores brasileiros da lista de empresas autorizadas a vender carne de frango para o país. O senhor considera que esses dois eventos foram retaliações à promessa de Bolsonaro de transferir a embaixada em Israel?
Eu não posso comentar porque não tenho o contexto desses dois incidentes. Mas o que eu posso dizer é que, até o momento, o mercado árabe e os consumidores árabes não estão muito cientes do anúncio da mudança da embaixada do Brasil em Israel. Quando esse anúncio ficar mais conhecido, ninguém poderá controlar as ações.
Qual o impacto financeiro para as empresas brasileiras que isso pode representar?
Uma das empresas me mencionou hoje que mais de 30 mil empregados podem ser afetados aqui no Brasil. Isso é apenas uma empresa. Se fizer as contas em relação ao volume atual de negócio, você pode imaginar que há centenas de milhares de empregos que serão afetados. Mas se você também considerar o potencial das relações do Brasil com os países árabes, isso será com certeza muito maior. Porque não estamos falando apenas sobre o estado atual dos negócios. Estamos falando sobre ter no futuro mais e melhores negócios em dimensões diferentes. Então isso pode ser afetado de uma forma negativa e dramática.
Qual o potencial da relação comercial do Brasil com os países árabes?
Aumentar as exportações é só uma coisa, que é manter o padrão atual dos negócios. O que estamos propondo e discutindo aqui é ter um padrão diferente de fazer negócios. Em vez de exportações, importações e comércio, estamos falando sobre aliados estratégicos. Neste caso estamos falando sobre criar hubs logísticos na região árabe para armazenar e distribuir os produtos brasileiros para os países árabes e outras nações. Também estamos falando em agregar valor aos produtos brutos exportados do Brasil, de forma que o retorno seja maior para os produtores e para os consumidores na região árabe.
Também estamos falando sobre um sistema marítimo de transporte que reduzirá o custo do transporte e aumentará a competitividade dos produtos brasileiros.
Essa reação dos consumidores que o senhor mencionou é algo que pode ocorrer em todo o mundo árabe ou pode ficar restrito a apenas alguns países?
Eu acho que isso afetará quase todos os países árabes. E será negativo para os produtos brasileiros. De novo, eu não estou falando sobre um boicote oficial ou sobre ações políticas. Eu estou falando sobre mercado, sobre consumidores e sobre o comportamento dos pequenos empresários nos países árabes.
Seria algo muito forte, porque nós temos alguns exemplos que aconteceram, na última década, quando os consumidores reagiram de forma negativa em relação a determinados produtos.
Há competidores que podem se beneficiar caso o Brasil passe a exportar menos para os países árabes?
Há uma competição severa que vem da União Europeia. E a maior parte dos países árabes tem acordo de livre comércio com a UE, então os produtos europeus têm acesso livre aos países árabes. Além do mais, há diferentes países que fornecem alguns produtos. Estou falando dos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Rússia, Ucrânia. E essa ação [a mudança da embaixada] por si só estimularia os produtores locais. Então eu acredito que há alternativas [aos produtos brasileiros].
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