“Pergunte-me como vão as coisas para um produtor de soja nos Estados Unidos?” – provoca o agricultor John Robinson, ao saber que dividia a mesa do almoço com dois jornalistas brasileiros. “Vendi metade de minha produção no mercado futuro a quase 10 dólares o bushel, estou ganhando 1 dólar extra por plantar sementes e recebi do governo 1,62 dólar por bushel para compensar as tarifas da China. No total, estou faturando quase 13 dólares por bushel”, assegura. Em contraste, a cotação do bushel de soja no mercado futuro da Bolsa de Chicago, nesta segunda-feira (25), para março, estava em 9,18 dólares. (Obs: um bushel de soja equivale a 27,216 kg).
A conversa com Robinson foi durante o 95º Agricultural Outlook Forum do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o evento anual mais aguardado e importante para o setor agrícola mundial, quando são divulgadas estatísticas, tendências e projeções de produção e consumo.
Enquanto o fórum acontecia em Arlington, na Virginia, a poucos quilômetros dali, na capital Washington, atravessando o Rio Potomac, uma delegação chinesa de alto nível sentava-se à mesa com representantes do governo americano para tentar uma moratória na guerra comercial. Até então, o prazo para solução das querelas, estipulado pelo presidente Trump, era 1º de março (nesta semana ele disse que estenderá a data, diante do progresso nas negociações). Se não houver acordo, o mandatário americano ameaça elevar de 10% para 25% as tarifas sobre produtos chineses no valor de US$ 200 bilhões.
Dinheiro na conta
O pacote de ajuda financeira para compensar os efeitos das tarifas chinesas sobre os produtos agrícolas americanos é de US$ 12 bilhões e, desses, US$ 7,7 bilhões já foram depositados ou estão a caminho da conta corrente dos agricultores. O consultor Robert Thompson, do Centro Internacional de Estudos Estratégicos, aponta que nem todos os produtores estão com as finanças tão confortáveis como John Robinson, de Illinois. Mas ele admite que a ajuda em dinheiro do presidente Donald Trump “compra a paciência” dos sojicultores enquanto se desenrola a queda de braço com os chineses.
Thompson lembra, contudo, que os estoques de soja nos EUA já chegam a 23% da produção, enquanto a média histórica é de 10%. “A gente sabe que estoque elevado tem efeito depressivo nas cotações. O que tiver de acontecer, terá de ser ainda neste ano. No ano que vem tem eleição presidencial, e em época de campanha eleitoral é impossível negociar um tratado comercial”.
O analista de commodities da Bloomberg Intelligence, Christopher Ciolino, concorda que o calendário tem um papel decisivo. “Se não houver acordo com a China até o final do ano, a reeleição de Trump estará comprometida. Quanto aos produtores, eles têm apresentado uma incrível paciência com o governo até aqui, mas há um ponto em que essa paciência vai se esgotar. Com os pagamentos diretos, a frustração dos agricultores deu uma diminuída nos últimos meses”.
Os aliados de Trump confiam que uma solução para a guerra comercial está próxima. Até por isso, o vice-ministro da Agricultura, Steve Censky, repete que não haverá outro programa de pagamentos diretos aos agricultores no ano que vem. “Este pacote surgiu porque os agricultores foram atingidos pelas retaliações da China depois de já terem plantado suas lavouras. As tarifas pegaram a soja em seu ciclo de crescimento. Agora é diferente. Os produtores terão de tomar suas decisões sobre produção e venda conforme as percepções que tiverem do mercado naquele momento”. E se não houver acordo com a China? “Daí temos outros programas, como os de renda mínima e de redes de segurança, que poderão ajudar os produtores, mas, claro, isso não é um substituto para o comércio e mercado abertos”.
O subsecretário para o Comércio e Assuntos Agrícolas Internacionais, Ted McKinney, garante que a ajuda bilionária em dinheiro aos produtores está dentro das regras do jogo estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC). “Não me surpreenderia se houver questionamentos sobre isso. Mas estamos seguindo rigorosamente as regras da OMC. É um plano de mitigação”, pontua McKinney. Para ele, trata-se da defesa de um comércio internacional “mais livre, justo e recíproco”. “Não vou dar nomes, mas estive em países em que mesmo após ganharmos uma disputa na OMC, as barreiras continuaram a existir. E dali a 5 minutos estavam me pedindo para liberar o acesso de algum produto do país deles para o nosso!”.
“Claro que esperamos que os chineses comprem nossos produtos. Mas primeiro eles devem abandonar práticas injustas de comércio, como o roubo descarado de propriedade intelectual e a coação de empresas para transferências tecnológicas. Algumas de nossas biotecnologias estão há sete anos na fila esperando serem analisadas na China. É brincadeira isso? Nosso foco não é apenas trazer de volta as compras chinesas. Queremos uma reforma estrutural, depois as compras virão naturalmente”, assegura McKinney.
Com as primeiras semeaduras acontecendo apenas em abril, os agricultores americanos ainda estão na fase de planejamento da próxima safra. “Esperamos um final rápido nessa história. Se conseguíssemos resolver isso antes da tomada de decisão sobre o plantio, seria fantástico. O presidente disse que espera ter isso resolvido nas próximas semanas. Mesmo que não haja um acordo finalizado, é importante pelo menos saber para onde estamos indo”, diz John Stokes, pequeno agricultor do Arkansas que trabalha também como assessor do senador republicano Tom Cotton.
Na tática de bater e assoprar, o governo Trump estaria atualmente mais próximo da segunda fase. McKinney diz que a administração tem pressa para construir um acordo bilateral de comércio com o Japão, em substituição ao Tratado Transpacífico, abandonado por Trump. Os asiáticos, contudo, insistem que a parceria seja costurada dentro do bloco comercial. Em relação à União Europeia, o recado dos americanos é de que não haverá avanço nas negociações de um novo acordo se o tema agricultura não for incluído.
A urgência, por ora, está nas negociações com a China. Talvez a melhor metáfora para retratar a pressão para um acordo tenha sido feita pelo próprio McKinney, durante o fórum do USDA. “É como um avião na pista do aeroporto. Ele acelera e tem o tempo certo para decolar. Ou decola ou algo pior pode acontecer. As pessoas precisam se mexer tendo consciência disso”. A fala do subsecretário se referia ao prazo de 1º de março dado por Trump aos chineses. Com a extensão indefinida do deadline, o avião não decolou nem se espatifou. Deu-se um jeito de aumentar o comprimento da pista.
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