O protecionismo do Brasil no comércio exterior está impedindo o avanço das exportações do agronegócio. Além de termos uma das mais altas tarifas médias de importação do mundo, somos destaque na manutenção de barreiras não tarifárias. Os acordos que existem são muito pequenos em termos de oportunidades comerciais. E a maior e a mais importante negociação – entre o Mercosul e a União Europeia – não avança por conta da proteção que o Brasil quer manter para alguns setores, dentre os quais a indústria de vinho.
No último fim de semana, estive no Paraná, participando, como palestrante, do Ciclo de Palestras “Espaço da Pecuária”, organizado pela Cooperativa CooperAliança, durante a 43ª Feira Agropecuária Expogua. Falamos sobre o grande potencial da pecuária brasileira e sobre a renovação de estratégias neste momento de dificuldades que as cooperativas agropecuárias estão vivendo.
O crescimento da economia brasileira abaixo do esperado este ano, com a redução do poder aquisitivo das famílias brasileiras e, consequentemente, com a demanda mais reprimida por carnes, os escândalos de corrupção e a greve dos caminheiros, foram as principais causas das recentes dificuldades da pecuária de corte.
Ao mesmo tempo, a agropecuária vem se destacando no cenário econômico brasileiro. Responsável pela maior fatia do crescimento do PIB do Brasil no ano passado, o setor representa grande potencial de expansão tanto no mercado interno quanto nas exportações.
No caso da indústria de carnes, a exportação faz parte inerente da estratégia de mercado, já que uma importante parcela da produção é exportada. No ano passado, por exemplo, o Brasil vendeu no exterior 32% de tudo que produziu em carne de frango, 23% do total de carne suína e 19% do total de carne bovina. Assim, mais de 3 de cada 10 consumidores de frango brasileiro moram no exterior e, no caso de outras carnes, 2 de cada 10 consumidores são estrangeiros.
E como aumentar as vendas no exterior, quando se trata de um setor no qual a nossa participação nas exportações mundiais já é muito alta? Em 2017, fomos responsáveis por cerca de 35% do total de carne de frango, 20% da bovina e 8% da suína comercializada internacionalmente. A estratégia deveria focar na retomada da confiança com a reabertura de mercados hoje fechados, no acesso a novos mercados e na diversificação da produção.
Há, também, uma questão muito importante que é o desequilíbrio da nossa balança comercial do agronegócio. Em 2017, as exportações de produtos agropecuários e agroindustriais somaram US$ 96 bilhões, enquanto as importações totalizaram somente US$ 14,2 bilhões, resultando em um grande saldo positivo para o Brasil, de US$ 81,8 bilhões.
Esse desequilíbrio é a principal razão da estagnação das nossas exportações. O melhor resultado atingido pelo nosso comércio exterior de produtos do agronegócio foi em 2013, quando as vendas externas totalizaram US$ 100 bilhões. Nos anos posteriores, os números foram mais tímidos. Este ano também devemos ter um resultado menor, da ordem de US$ 97 bilhões.
Para exportar mais, precisamos aumentar as importações
Há poucos dias, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil – MAPA anunciou a meta de aumentar as exportações do agronegócio em 35% durante a próxima década, chegando ao valor de R$ 130 bilhões.
Os Estados Unidos – que hoje são o maior exportador mundial de alimentos – venderam no mercado internacional US$ 140,5 bilhões em produtos agropecuários no ano passado e têm como meta aumentar as exportações em 28% até 2027, chegando ao valor de R$ 179,8 bilhões, conforme estimativas do United States Department of Agriculture – USDA (Ministério da Agricultura dos EUA).
Só que há uma grande diferença nas estratégias. Enquanto nós estamos felizes com o enorme superávit na balança comercial do agronegócio brasileiro, os norte-americanos estão prevendo como meta a redução do saldo positivo dos US$ 21,4 bilhões em 2017 para 16,3 bilhões em 2027.
O que isso significa? O USDA calcula que para conseguir a receita de US$ 179,8 bilhões proveniente das exportações, os Estados Unidos vão precisar importar produtos agropecuários no valor de US$ 163,5 bilhões. Ou seja, usando a mesma proporção (91%), para o Brasil exportar US$ 130 bilhões daqui a dez anos, seria preciso importar US$ 118,2 bilhões em produtos agropecuários.
E tem mais um componente essencial nessa estratégia: Em 2017, 43% das exportações agropecuárias estadunidenses foram destinadas a países com os quais os Estados Unidos têm acordos de livre comércio. O Brasil até hoje só acessa cerca de 5% do comércio mundial através de acordos de livre comércio.
O que ajudou o Brasil a aumentar consideravelmente as suas exportações agropecuárias e agroindustriais desde 2001, foi a entrada da China na Organização Mundial do Comércio – OMC. No período de 16 anos, as vendas externas do agronegócio brasileiro quadruplicaram, em grande parte, por conta do aumento das exportações para a China.
E isso só foi possível porque a China reduziu consideravelmente suas tarifas para produtos agropecuários importados, como resultado dos compromissos assumidos perante a OMC. A alíquota média de importação de produtos agropecuários caiu de 23,1% em 2001 para 15,3% em 2005. A alíquota máxima de imposto de importação foi fixada em 65%. A China também substituiu suas cotas de importação por cotas tarifárias (que concedem desconto no imposto de importação até o limite, em peso ou em valor, de mercadorias). Essas cotas foram mantidas só para alguns produtos: trigo, milho, arroz, alguns óleos, algodão e lã.
Hoje, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, sendo, no primeiro semestre deste ano, destino de 36,1% do total das nossas exportações do agronegócio. No caso do complexo soja, a China foi responsável por 65% e, nas carnes, por 17%.
O acordo de adesão da China à OMC deu impulso às nossas exportações agropecuárias nos últimos anos. O que atrapalhou foi o fato de o Brasil não ter assinado nenhum acordo de livre comércio desde 2010. Os acordos que existem são muito pequenos em termos de oportunidades comerciais.
Proteção para produtos agropecuários prejudica a abertura de mercados
A maior e a mais importante negociação – entre o Mercosul e a União Europeia – está travada. E o que a trava é justamente o protecionismo do Brasil. Um dos produtos cujo mercado o Brasil não quer abrir é o vinho. O MAPA quer manter a proteção para essa indústria, que considera nascente. E isso, ao custo de não conseguirmos acesso a 512 milhões de consumidores europeus com alto poder aquisitivo.
Além disso, obrigamos o consumidor brasileiro a continuar pagando mais pelo vinho italiano, português, espanhol, francês, bem como por outros produtos alimentícios europeus. Sem falar que com a abertura, os próprios vinhos brasileiros vão ter chance de serem mais competitivos no exterior, e atrair investimentos das empresas europeias para aumentar e melhorar a produção.
Além de termos uma das mais altas tarifas médias de importação (de 13,5%), somos destaque na questão de barreiras não tarifárias. Lucas Ferraz, coordenador do Centro do Centro de Estudos do Comércio Global – CCGI da Fundação Getúlio Vargas, relata que o Brasil está entre os países mais ativos do mundo na imposição das barreiras ao comércio. “Para as importações brasileiras de produtos agrícolas, em particular, somos o segundo país do mundo na imposição de medidas não-tarifárias, à frente da própria União Europeia. Ou seja, mesmo em um setor onde temos claras vantagens comparativas, a tentação protecionista insiste em nos guiar.”
É uma estratégia que provou ser errada por décadas. Albert Einstein falava que “nós não podemos resolver problemas usando o mesmo pensamento que usamos quando criamos esses problemas”.
Os países estão preocupados com os elevados déficits comerciais. Basta observar o desenrolar da guerra comercial dos Estados Unidos. Os argumentos usados estão errados. A redução dos empregos no setor industrial foi causada em grande parte pela automação e pela robotização, e não pela abertura comercial. Impor barreiras, questionar acordos comerciais existentes e se retirar de novas grandes negociações de livre comércio não vão ajudar a economia estadunidense. Pelo contrário, vão prejudicar o seu crescimento.
O confronto comercial entre os Estados Unidos e a China, a União Europeia, o México, o Canadá e outros países abre espaço para repensarmos a nossa estratégia. O desempenho das nossas exportações agropecuárias e, em geral, o crescimento do setor e da nossa economia, vão depender da revisão da estratégia.