| Foto: Divulgação/CNA
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O ator Marcio Garcia, ativista da causa vegana, virou pivô de uma polêmica nesta semana ao se associar à ONG Mercy for Animals e lançar nas redes sociais uma campanha contra pecuaristas e contra o consumo de leite pelos brasileiros. Um hábito que, segundo ele, contribui para causar dor e sofrimento às vacas e seus bezerros.

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O vídeo divulgado por Garcia e pela ONG tem os ingredientes típicos de uma campanha difamatória: a partir de desvios e irregularidades de uma única propriedade, procura desacreditar toda a cadeia produtiva, tentando convencer o leitor/espectador de que esse é o padrão da “indústria do leite” brasileira.

Será que as vacas leiteiras realmente são maltratadas país afora apenas para dar lucros cada vez maiores aos criadores, entregando à população um alimento ilegitimamente tomado dos bezerros?

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“Eu digo que é capaz de o produtor ficar sem uma refeição para correr atrás da vaca que tem algum problema. Essa atividade é um sacerdócio, a gente gosta de vaca. Estamos sempre pensando no conforto animal, na água, na sombra. Antigamente, talvez existisse o tirador de leite, o gigolô de vaca. Hoje não é assim. Essas campanhas demonstram enorme ignorância, nos classificam como bandidos, como criminosos, e os produtores de leite não são nada disso”, assegura Marcos Tang, presidente da Associação dos Criadores de Gado Holandês do Rio Grande do Sul (Gadolando).

Ataques cíclicos e estrelados por celebridades

Ataques contra as cadeias produtivas de carne e leite são cíclicas, e, para chamar atenção, geralmente envolvem a participação de celebridades. Na avaliação do zootecnista e professor de bem-estar animal da Universidade Estadual Paulista (UNESP-Jaboticabal) Mateus Paranhos, as ONGs que encabeçam essas campanhas não buscam o debate, já que têm a intenção clara de pôr fim à produção animal e conduzir as pessoas ao veganismo.

“Eles generalizam, como se todo mundo fizesse de forma errada. Na verdade, nenhum produtor quer maltratar os animais. Quando isso acontece, 90% é pelo desconhecimento das boas práticas. Por outro lado, a resposta da cadeia produtiva não é boa. Em vez de ter uma atitude reativa, criticando as críticas, deveriam aproveitar e mostrar o que é bem feito. E, se em alguns casos for necessário, apontar os erros e corrigir”, sublinha.

O que Marcio Garcia e os ativistas talvez não saibam, ou finjam não saber, é que a bovinocultura de leite é um dos setores mais antenados com a implementação de práticas de bem-estar animal. E não é somente porque os pecuaristas sejam apegados afetivamente às suas “mimosas”, como acontece em muitas pequenas propriedades, mas porque uma vaca bem tratada é questão de proteção do patrimônio e garantia de renda e sobrevivência para muitas famílias.

“Mais de 70% do volume de leite no Brasil vêm de produtores comerciais, que produzem leite para viver. Então, não faz nenhum sentido estes produtores tratarem mal das vacas. Porque se você trata mal, cai a produção, a vaca não reproduz direito, tem problema de mastite (inflamação da mama). Pode eventualmente acontecer algum desvio em alguma propriedade, mas isso é exceção”, destaca André Novo, chefe de transferência de tecnologia da Embrapa Sudeste, em São Carlos (SP).

Bem-estar animal é um dos pilares da cadeia do leite

Desde o início dos anos 2.000, o bem-estar animal se transformou num dos pilares da cadeia do leite. Isso envolve a preocupação com o alimento na quantidade e qualidade certas, com acompanhamento de nutricionistas, aplicação de vacinas e realização de exames médicos periódicos. No manejo, prevalece o entendimento de que ganhos de produção estão estritamente ligados ao respeito aos hábitos do animal de ruminar, de se deitar e caminhar, além da necessidade de sombra e água fresca.

Não é incomum nas principais bacias leiteiras do país as vacas terem consulta com nutricionista todo mês, visita semanal do médico veterinário para exames físicos e de ultrassom, descanso obrigatório de 12 a 14 horas por dia em colchão de palha e planilha individual de desempenho, como já demonstrou reportagem da Gazeta do Povo.

Maçãs podres, como em toda profissão, são um caso à parte, e devem ser denunciadas, fiscalizadas e retiradas do sistema produtivo. Dentre os que não agem de má-fé, ainda assim pode ocorrer de, por desconhecimento das melhores práticas, algumas propriedades menos profissionalizadas falhem em proporcionar o melhor bem-estar possível aos bovinos. O professor Paranhos, da UNESP, aponta que a maioria dos problemas não exige grandes investimentos em infraestrutura ou equipamentos sofisticados, mas apenas uma compreensão correta da relação do ser humano com o animal, o manejo.

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Brasil alterna entre terceiro e quarto lugar no ranking de maiores produtores de leite do mundo. Foto: Wenderson Araujo/Divulgação/CNA| Foto: Wenderson Araujo/Divulgação CNA

Menos estresse, mais leite

Paranhos cita como exemplo o tratamento que deve ser dispensado à vaca leiteira jovem que pariu pela primeira vez. “Toda alteração na vida de alguém pode causar estresse. Essa fêmea pode estranhar a sala de ordenha. É preciso adotar uma estratégia para adaptá-la a essa condição, é preciso que ela fique bem habituada com a presença de seres humanos e não se assuste. Uma segunda parte envolver tirar a sensibilidade ao toque quando vai fazer a ordenha. Tudo isso é feito de forma gradativa, evita o estresse do animal e gera mais leite, gera mais receita”, aponta.

O que estaria faltando, na avaliação de Paranhos, é investimento na atividade de extensão junto aos criadores. “Já temos conhecimento suficiente, desenvolvido pelos institutos de pesquisa e pelas universidades para implementar essas boas práticas. O próximo passo é levar esse conhecimento. Infelizmente, com algumas exceções, nossa estrutura de assistência técnica no Brasil hoje está desmontada. Quem faz isso são as empresas, que, naturalmente, focam no grande produtor, enquanto o pequeno fica meio esquecido”, afirma.

Uma das acusações feitas pela ONG Mercy for Animals é a de que a atividade leiteira causa extrema angústia e dor aos animais, ao separar os bezerros recém-nascidos de suas mães em poucas horas ou dias. O pesquisador da Embrapa André Novo diz que essa percepção não corresponde à realidade. Nos últimos 150 anos, sublinha, houve uma seleção genética intensa na atividade leiteira por vacas com instintos maternais menos aguçados.

ONGs não querem melhorias, mas aniquilação da atividade leiteira

O contraste hoje seria visível com vacas zebuínas do gado de corte. “Elas são excelentes mães, foram selecionadas para proteger o bezerro em condições extensivas, de pasto aberto, com inimigos naturais como urubus e cães. Já as raças leiteiras têm sido selecionadas pela sua convivência com o ser humano. Elas não entendem o homem como inimigo e são bem menos maternais, do ponto de vista de paixão pelo bezerro. Muitas vacas criam e vão tocar a vida. Essa questão da separação da mãe com a cria é muito subjetiva. E para os animais têm sido muito tranquilo. Não há estresse nem para a mãe nem para a cria”, afirma.

O momento em que ocorre o ataque do ator Marcio Garcia e da ONG ao setor de lácteos é particularmente delicado. Em plena entressafra, os preços pagos ao produtor estão reduzidos devido ao aumento da oferta de leite importado do Uruguai e da Argentina. Tudo o que os produtores não precisavam, agora, é de uma campanha de desinformação.

“O discurso dessas ONGs não envolve debater melhorias, é simplesmente eliminar o leite. Elas têm uma missão que é de acabar com alguma coisa, tanto faz se é o leite ou a carne”, reclama Armando Rabbers, presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Gado da Raça Holandesa (ABCRH).

Escaldados pelos ataques cíclicos, os criadores de leite têm se organizado para levar transparência onde há desinformação. O produtor Rabbers, por exemplo, já recebeu um grupo de 30 blogueiras em sua propriedade em Castro (PR), capital do leite no país: "Elas ficaram encantadas com o tratamento que damos às vacas, com coçadores, camas limpas, e toda a forma como é feito o manejo". Marcos Tang, da Girolando, acrescenta que a ideia é espalhar convites para que os moradores urbanos visitem as propriedades leiteiras e confiram, in loco, como é a prática do dia a dia.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]