O aposentado Waldemar Clemente Noldin, 78 anos, de Curitiba, dirige há 54 anos. Ele se orgulha ao dizer que nunca teve a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) suspensa e que já ficou 5 anos sem contabilizar um ponto sequer no prontuário.
Para quem trafega com frequência nos grandes centros, é um currículo admirável. E assim ele pretende manter por muitos anos ainda.
Porém, nos últimos meses ele tem deixado o carro na garagem com maior frequência. Primeiro por praticar a caminhada para manter a saúde em dia, além de usar mais o transporte coletivo com meio de locomoção, mas também porque um problema de catarata tem incomodado a sua visão.
“Às vezes, sem óculos, quando assisto tevê tenho visto duas imagens em vez de uma. Mas ao volante uso sempre o óculos, principalmente em rodovia ”, conta.
Prestes a renovar a CNH, Waldemar decidiu, orientado pelo seu médico, a fazer a cirurgia corretiva nos olhos. “É um procedimento bem simples, e o primeiro que faço na vida. Não quis providenciar antes a renovação da carteira, pois havia o risco de ser reprovado e eu ter de ficar sem usar o carro (um Hyundai HB20)”, conta.
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O problema do seu Waldemar é apenas uma das restrições a que estão sujeitos os motoristas que vão envelhecendo. “O exame de aptidão física e mental do condutor é renovável a cada cinco anos, mas quando se passa dos 65 anos a lei prevê um prazo de no máximo três anos”, salienta Marco Traad, diretor-geral do Detran Paraná.
Mais lento e cuidadoso
É nesta fase da vida que os cuidados ao volante devem ser redobrados. Isso não significa que a pessoa mais velha tende a ser mais ‘perigosa’ no trânsito do que a mais jovem. Proporcionalmente, um idoso se envolve menos em acidente do que um adulto jovem.
“Se o idoso percebe que o reflexo está ficando mais demorado, ele acaba dirigindo mais devagar, por isso é mais lento e cuidadoso no trânsito”, pondera Dirceu Júnior, chefe do Setor Médico do Detran-PR.
O senso comum é implicar com os condutores de idade avançada, chamando-os de barbeiros e de atrapalharem o fluxo dos veículos. “Eles não têm tanto compromisso, não tem pressa. O ritmo de vida é outro. Esse contraste é que dá a percepção de que o idoso dificulta o trânsito”, complementa o médico do tráfego.
O especialista é favorável que condutores com idades superiores a 70, 80 e até 90 anos continuem a dirigir, porém é fundamental que peçam a opinião de alguém da família, de uma pessoa que confie sobre como está o comportando ao volante. “Servirá de parâmetro para que percebam a hora certa de parar”, aconselha.
Segundo Dirceu, há habilitados com 70 anos que estão ótimos na condução e outros com 60 anos ou menos que não apresentam aptidões para tal. “Já atendi motoristas com 90 anos que estão muito bem para guiar”, ressalta.
Habilidades em dia
Para dirigir, são exigidas três funções básicas: percepção, cognição e sensibilidade. “A percepção é responsável pelos estímulos visuais e auditivos, que farão o motorista enxergar as placas de trânsito e os sons em volta. A cognição processa esses estímulos, exigindo o raciocínio rápido e concentração para realizar uma ação com eficácia. E é necessário sensibilidade para executar os comandos como pisar no freio ou acelerar", esclarece Dirceu Júnior.
E justamente esses preceitos que começam a ser afetados à medida que a idade avança. O médico explica que após processar a informação, o condutor tem de estar com a parte motora em dia para entregar força suficiente ao pisar no freio e também não se atrapalhar com os pedais, além ter a agilidade para virar o volante para desviar de um obstáculo, por exemplo. “Isso é vital no trânsito.”
De acordo com ele há indivíduos que por algum problema de saúde, e não só a questão da idade, acabam perdendo essas habilidades e daí têm de parar de dirigir. No caso de motoristas da terceira idade, há um pedido do Detran aos profissionais examinadores que avaliem com um pouco mais de cautela. “Não no sentido de preconceito à idade, mas de perceber e orientar o momento certo para abandonar a direção.”
“Quando possível, convidamos um familiar para nos passar informações sobre o comportamento do idoso no dia a dia e, em alguns casos, também pedimos o parecer do médico que o acompanha, principalmente sobre o uso de medicações", revela.
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Dirceu destaca que a perícia na renovação é muita rápida, em média de 10 minutos. “Pode ter alguns sinais mais tênues que o médico não consegue notar, só a família percebe no dia a dia. Há quem esconda uma situação adversa no momento do exame, que não deixa transparecer o problema”, afirma.
Para o médico, o idoso precisa fazer um auto julgamento e ter bom senso. Às vezes, ele considera o ato de dirigir uma independência, mas existe o risco. “Um acidente, mesmo o mais leve, pode trazer consequências graves, que acaba lhe tirando essa independência”.
Exames práticos na 3.ª idade
Para o chefe do Setor Médico, o ideal seria a realização de um novo teste prático que complementasse o exame clínico na renovação com as pessoas de mais idade. Isso porque as condições motoras e de saúde mudam em intervalos menores acima dos 70 anos.
“Renovar a carteira com mais frequência seria importante a partir de 75 anos. Um ou dois anos em um motorista de idade avançada pode representar uma enorme diferença do que num condutor de 50 ou 60 anos, em que um ano não representa tanto”, diz Dirceu Júnior. A legislação, porém, ainda não prevê tal medida.
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A avaliação acima dos 65 anos acontece a cada três anos, mas algumas publicações médicas defendem a reavaliação a cada dois anos a partir de 75 anos e anualmente a partir dos 80 anos. Mas, cabe ao perito médico definir o intervalo de tempo.
Taxas e processos não mudam
Apenas o prazo do exame clínico da CNH muda quando se completa 65 anos. O processo e as taxas continuam as mesmas para a primeira habilitação ou renovação.
Se for a primeira habilitação - sim, ela acontece na 3.ª idade como poderá conferir abaixo - é obrigatório frequentar uma autoescola e realizar as provas teórica e prática no Detran(estas ao custo de R$ 465), além da avaliação psicológica.
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Se passar no exame, o novo motorista receberá uma carteira provisória, válida por um ano, que será substituída pela definitiva em seguida mediante pagamento de uma nova taxa (R$ 80,12). “Neste período inicial de 12 meses, o condutor não poderá cometer mais que duas infrações médias ou uma grave ou uma gravíssima. Caso tenha, terá de fazer os testes novamente”, alerta Marcos Traad, diretor do Detran-PR.
Já na renovação é realizado apenas o exame de aptidão física e mental numa clínica credenciada ao órgão de trânsito, mediante taxa de R$ 141,59.
Caso tenha a carteira suspensa por infrações cometidas durante um ano, é necessário o curso de reciclagem com 30 horas/aula presencial (custo inicial R$ 123,45), para qualquer idade.
Primeira habilitação aos 91 anos
Um exemplo de que é possível dirigir mesmo numa idade que muitos nem acreditam estar ainda vivo foi dado pela dona Vanda Davanso Gnann, de Ibiporã, Norte do Paraná (a 400 km de Curitiba).
No ano passado, aos 91 anos, ela conquistou sua primeira habilitação para dirigir e assim realizou um sonho que alimentava desde os 30 anos. Pelos registros de Detran, a recente motorista é a única do país a ter obtido a CNH com idade quase centenária.
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“Tentei durante 10 anos e realizei 100 aulas práticas de direção. Queria provar que eu conseguiria e, mesmo com todos os contratempos, não desanimei e segui em frente. O que eu aprendi durante todo o processo, jamais vou esquecer”, diz a aposentada, ainda com a carteira provisória, que trocará pela definitiva em breve.
Nos exames teóricos, dona Vanda gabaritava as questões, mas o nervosismo acabava atrapalhando na hora da prova prática. “Ela passou cada etapa por mérito e é uma excelente motorista”, enfatizou à época do teste o examinador da Ciretran de Ibiporã, Marcelo de Castro Souza.
A motorista circula na cidade de pouco mais de 52 mil habitantes a bordo de Fiat Grand Siena 1.4, ano 2014. “Não é veloz, nem preguiçoso. Também não penso em ser o (Emerson) Fittipaldi”, brinca a nonagenária.
A história da dona Vanda é muito incomum, desconheço algo semelhante no Brasil. Ela foi extremamente persistente, mostrou que idade não é impedimento e passou por todos os testes e procedimentos obrigatórios, como qualquer candidato.
Marcos Traad, diretor-geral do Detran-PR
A motorista no momento deu um tempo para o veículo em função de uma microcirurgia na coluna, mas assim que for liberada pelo médico, previsto para daqui um ano, voltará ao banco do motorista. “Tenho duas netas que revezam na função de chofer. Mas quero voltar logo ao volante. Não vou conhecer o mundo de carro, porém posso ir comprar meu pão, visitar os amigos, passear”, enfatiza.
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Dona Vanda faz parte dos 0,01% de motoristas paranaenses com mais de 90 anos. Dos mais de 5,4 milhões de condutores registrados no estado, menos de 1 mil estão nesta faixa etária e mais de 90% deles são homens.
Sinal verde ou vermelho para o idoso
Não é preciso aposentar também da direção ao completar 65 anos. Precauções simples, como exames médicos periódicos, redução na velocidade e, se possível, possuir um carro com direção hidráulica e/ou elétrica e câmbio automático podem garantir o guiar com segurança por muito anos.
Confira 6 dicas:
- Pesquisas apontam que entre 60 a 80 anos, 65% das pessoas têm a visão considerada ótima, e que acima de 80, o porcentual ainda é alto (35%). Mas para quem sofre de catarata, problema comum no envelhecimento, o ideal é evitar pegar o volante a partir das 18h. A visão opaca pode piorar ainda mais com as luzes do veículos em sentido contrário. Se precisar sair à noite, use táxi.
- A família deve ficar atenta a qualquer sinal de dificuldade de dirigir do idoso. Como bater o carro com frequência, complicação ao estacionar, passar no sinal vermelho (não conseguiu distinguir as cores), entre outras ocorrências.
- O ideal é um parente sair de vez em quando com o motorista para avaliar sua forma de dirigir. Caso note que não está tão apto, veja se alguém pode acompanhá-lo.
- Lembre-se que a família proibi-lo de guiar de uma hora para outra pode deixá-lo deprimido. Veja se é possível contratar um motorista, assim ele manterá sua independência. Deve-se intervir apenas quando a direção coloca em risco a integridade física do idoso ou de terceiros. Se o Detran o tenha considerado inapto, a família deverá desmobilizá-lo.
- Algumas ocorrências imprevistas exigem um período longe da direção. É o caso de infarto, com colocação de marcapasso, ou AVC (derrame), sem sequelas. O mínimo de carência ao volante é de um mês. Já um síncope (perda dos sentidos ou mal-estar) de origem desconhecida requer pelo menos um ano de abstinência. A epilepsia (convulsão) controlada obriga parar de dirigir por um ano após suspensão dos remédios e evitar guiar à noite por três anos.
- A diabetes também é uma doença recorrente entre os idosos. Se estiver controlada com remédios orais e comprovação de ausência de problemas visuais ou de hipoglicemia (pouco açúcar no sangue), a exigência é realizar a renovação da CNH anualmente. Por sua vez, diabetes medicada com insulina requer licença semestral para dirigir. Agora, não há problema algum em dirigir quando a diabetes é controlada apenas com a dieta.
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