A retomada definitiva da indústria automotiva no Brasil após a grave crise que derrubou o setor passa, principalmente, pela simplificação da carga tributária. Se isso ocorrer, daqui a três anos será possível vislumbrar um mercado mais robusto.
Foi com esse discurso que a nova diretoria da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) tomou posse nesta terça-feira (23) para o próximo triênio 2019-2022.
Encabeçada pelo economista Luiz Carlos Moraes, que substitui Antonio Megale, a gestão empunha a bandeira da diminuição gradativa do famoso custo Brasil - termo que engloba uma série de tributos que tarifam a produção, tornando-a menos competitiva frente ao produto importado e, ao mesmo tempo, desvantajoso para o exportador no mercado internacional.
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O passo inicial rumo a esse objetivo já está sendo dado com a reaproximação da associação de montadoras com o primeiro escalão de Brasília.
Antes prestigiada, a entidade perdeu poder de negociação durante as gestões Dilma e Temer, justamente no momento em que a indústria automotiva passava por rápidas mudanças globais e o mercado nacional descia a ladeira tanto em produção como em vendas.
A favor de Moraes está a sua longa experiência em negociações governamentais, fruto da função que exerce de diretor de comunicação e relações institucionais da Mercedes-Benz no Brasil.
Segundo ele, as conversas já estão ocorrendo e a receptividade tem sido muito boa. "Somos bem recebidos em diversos ministérios, em especial de Infraestrutura e de Economia", diz o dirigente, que esteve com a sua equipe na capital federal nesta quarta-feira (24) tratando de diversos temas que afetam o setor.
Moraes ressalta que o governo sinaliza na redução do custo Brasil e também em atacar os gargalos não só da área automotiva, mas de todo os setores industriais e de serviços.
"Não será fácil, mas estamos dispostos a enfrentar, com chances de reduzir substancialmente esse custo. Talvez não tudo esse ano, mas em etapas, já que o governo tem o problema de déficit fiscal. Mas vamos começar pela simplificação e no futuro a redução da carga tributária para toda a sociedade."
Luís Carlos Moraes, presidente da Anfavea.
Com essa postura, a Anfavea tenta mostrar que tem mais a dizer do que apenas negociar os incentivos pontuais do passado, diante de um governo que se mostra mais resistente a pedidos de setores específicos da indústria.
"Baseado na nossa experiência sobre as dificuldades enfrentadas, a função da entidade é oferecer e apontar caminhos que o governo pode encontrar para acelerar o processo de desenvolvimento do país."
Idem.
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O novo presidente lembra o peso do setor automotivo na composição do PIB brasileiro (Produto Interno Bruto), que responde por 1/3 do PIB industrial e 1/4 do PIB brasileiro.
Entre 2015 e 2016, auge da crise no segmento automotivo, o PIB caiu quase 7%. Nos anos seguintes o índice ainda ficou bem abaixo do necessário, apenas 1%. E houve uma moderada recuperação nas vendas de veículos - 14% de alta no ano passado.
Para Moraes, essa evolução poderia ser maior e mais rápida com uma reforma tributária. O atual sistema compromete a produtividade e impede o pleno crescimento, na visão dele.
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O executivo cita o exemplo de um estudo feito pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) no qual revela que 1,2% do faturamento da indústria é gasto para preparar nota fiscal, calcular e pagar o imposto, entre outros.
"Nós gostaríamos de ter esse dinheiro aplicado em pesquisas de desenvolvimento em parcerias com universidades. Nenhum país moderno destina tanto recurso para a burocracia."
Apoio às reformas e livre comércio
Outra bandeira levantada pela nova gestão da Anfavea é o total apoio à reforma da Previdência e a pontos principais da agenda do chefe da Economia, Paulo Guedes.
“O primeiro passo é aprovar a reforma, não queremos mais ter um voo de galinha”, disse Moraes. “A Anfavea pode e vai contribuir com as reformas necessárias. Se nós fizermos a lição de casa, em três anos poderemos voltar a ter um mercado mais forte.”
O discurso de posse incluiu até a abertura de mercado, motivo de discórdia entre Anfavea e governo após o estabelecimento do livre comércio de veículos entre Brasil e México.
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A postura mais liberal da gestão Guedes foi um ponto elogiado por Moraes, embora com ressalvas, voltando a citar o custo Brasil.
“A Anfavea defende acordos comerciais e apoia o livre comércio, mas eles não são compatíveis com as altas e inúmeras taxas vigentes para importação e exportação, que inibem a competitividade do país."
Idem.
O presidente lembra que enquanto o México negocia livremente com 46 países, o Brasil só tem acordo com 13. "Isso é mais um indicativo da nossa falta de competitividade", frisa.
Mudança mais impactante da história
Moraes afirmou também que o setor industrial passa pela maior e mais impactante mudança da história, lembrando das metas de emissões e das mudanças tecnológicas que mexem com a percepção dos consumidores sobre veículos e mobilidade.
Tais mudanças implicam custos elevados, que têm tornado um setor altamente rentável no passado em algo de retorno mais lento e, por vezes, incerto.
“Esse novo mundo depende de um grande aporte de capital que não será possível às empresas fazerem sozinhas, o que leva à redução de custos e a parcerias. O Brasil tem o desafio de conciliar as mudanças mundiais com sua complexa realidade local. Nosso setor perdeu muito”, afirma.
O novo presidente disse que as montadoras instaladas no Brasil só conseguiram manter as operações nos últimos anos porque as matrizes concederam empréstimos ou injetaram capital.
Moraes aproveitou para dar um recado aos governos estaduais. “É quase impossível convencer as matrizes [a conceder mais recursos] quando ainda temos créditos gerados nas exportações retidos, principalmente pelos estados. Temos bilhões a receber.”
Atento aos caminhoneiros
Outra preocupação imediata da entidade é a questão do setor de transporte rodoviário, com ameaças de greve.
“Caminhoneiros têm sofrido muito nos últimos tempos. O governo está atento a algumas questões básicas, eles carregam o PIB do país. A questão diesel é relevante, representa 40% dos gastos. Uma greve não é algo bom para o país e deve ser evitada sempre”, disse Moraes.
*O jornalista viajou a convite da Anfavea
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