O presidente Jair Bolsonaro voltou a fulminar as lombadas eletrônicas, dizendo em sua conta no Twitter que cancelou a instalação de 8 mil novos radares em rodovias federais administradas pelo governo. O argumento é que os equipamentos integram uma indústria de multas.
Ele tem razão, em parte. Lombadas em trechos retas de estradas, sem cruzamentos, marginais ou curvas apertadas, existem exclusivamente para enfiar a mão no bolso do motorista.
Mas algumas são estratégicas e o obrigam a respeitar a velocidade máxima indicada e reduzir riscos de acidentes em locais perigosos.
Foi o que, aliás, ponderou Tarcísio Freitas, seu ministro de Infraestrutura (e presidente do Contran - Conselho Nacional de Trânsito) quando o Bolsonaro falou do assunto numa live no Facebook no dia 7 de março: serão analisadas e só se renovarão os contratos das colocadas em pontos necessários.
Uma lombada leva à outra, que deveria merecer também a atenção do presidente: as fincadas no asfalto, ainda piores.
Para começo de conversa, a legislação de trânsito proíbe a instalação das 'ondulações transversais' ou 'quebra-molas', só admitidas em casos especiais, com autorização expressa da autoridade de trânsito e depois do estudo de outras alternativas.
Além disso, elas devem ser monitoradas e, um ano após sua implantação, avaliado se houve redução dos acidentes no local. Não soa até jocoso? Quero ver, de qualquer lombada:
- o rigor do estudo de “outras alternativas”;
- a avaliação de sua eficiência depois de 12 meses!
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Na verdade, o 'quebra-molas' é uma excrescência só admissível num país que não respeita a lei nem os direitos do cidadão. A rigor, deveriam ser banidos de ruas e rodovias, pois:
- Não respeitam as dimensões estabelecidas pelo Contran. Mais altos que a altura máxima e mais estreitos que a largura mínima, danificam até carros em baixa velocidade;
- Não observam as exigências feitas pela lei em relação ao fluxo máximo de veículos, movimentação de pedestres e distância mínima da esquina;
- Raramente são precedidas pela obrigatória sinalização vertical para alertar o motorista de sua existência;
- Cada vez que o motorista reduz a marcha antes da lombada e volta a acelerar, há um aumento de consumo e emissões;
- Inúmeras lombadas são próximas a favelas e a redução de velocidade facilita o bandido de apontar a arma para o motorista;
- Muitas têm objetivos meramente eleitoreiros, para beneficiar moradores próximos;
- Às vezes são construídas por populares e fica tudo por isto mesmo…
A legislação específica (Contran – 600/16) é muito clara também ao proibir tachos e tachões (conhecidos também como “tijolinhos”) colocados transversalmente para limitar a velocidade.
Além disso, tanto as lombadas eletrônicas como as ondulações provocam congestionamentos e acidentes. A legislação permite também sua instalação em trechos de rodovias que serão reformadas, para alertar os motoristas de desvios à frente. Entretanto, é comum as autoridades de trânsito ou empreiteiras deixarem os obstáculos depois do fim das obras.
Já correram (e ainda correm) na Justiça inúmeras ações contra órgãos de trânsito (Detran, DNIT) exigindo indenizações de danos materiais e morais provocados por lombadas colocadas irregularmente.
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Existem algumas praticamente 'invisíveis' e sequer pintadas de preto e amarelo como exige a lei. Dezenas de motos, carros e ônibus já se acidentaram devido aos quebra-molas sem sinalização que resultaram em feridos e mortos.
Motociclistas são os mais prejudicados pois, se não reduzem a velocidade, levantam voo com a moto. Ou são atingidos na traseira porque, ao reduzi-la, o motorista que vinha atrás não tinha percebido o quebra-molas.
Donos de carros que tiveram danificados componentes inferiores (molas, amortecedores, cárter do motor, caixa de marchas, travessas) sequer se animam a processar os órgãos de trânsito responsáveis pelas ondulações irregulares. Desanimam diante da morosidade da Justiça brasileira.
Uma objetiva e irrefutável comprovação da inobservância da legislação pelos próprios órgãos do governo está gravada na parte superior da maioria dos quebra-molas: marcas indeléveis deixadas pelos automóveis atestam estarem fora das dimensões estabelecidas pelo próprio Contran.
Revisão nos equipamentos
A especialista em direito de trânsito Márcia Pontes se posicionou contrária à decisão de Bolsonaro.
Em entrevista ao site Portal do Trânsito, ela disse que os redutores de velocidades são fundamentais para inibir os motoristas que abusam da velocidade, principalmente em trechos críticos de rodovias e próximos às cidades.
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“Quanto maior a velocidade, maior a gravidade das lesões, maior a ocorrência de óbitos”, destacou Márcia, que trabalha com condutas preventivas no trânsito.
A especialista aconselha o governo verificar se os equipamentos possuem um estudo técnico reconhecido por um engenheiro de tráfego, e até fazer uma revisão se necessário, antes de pensar em acabar com eles.
Marcia compara a velocidade nas vias a uma doença. “Você quer acabar com a doença, matando o doente? Matando aquele que acelera? Matando as vítimas dele?”, questiona.
O correto é curar a doença com o remédio adequado e não "matar o paciente”, por que não resolverá o problema, pondera.
Segurança é obrigação do estado
Uma pesquisa do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) aponta que a fiscalização eletrônica é responsável pela redução de 60% de óbitos e 30% de acidentes no trânsito.
No entendimento de Celso Alves Mariano, especialista em trânsito e diretor do Portal, o estado é obrigado a garantir um ambiente seguro no trânsito ao cidadão. E não fará isso desligando o sistema de fiscalização.
“É preciso rever o que está mal feito, otimizar os recursos disponíveis e eliminar distorções”, argumenta.
O Brasil é um dos países onde mais se morre no trânsito. Segundo especialistas, todas as mortes poderiam ser evitadas, a depender da melhoria da qualidade das estradas, da conscientização dos usuários da via e da melhor fiscalização.
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