![Marcas precisam de carros rentáveis para não fechar fábrica ou ameaçar ir embora |](https://media.gazetadopovo.com.br/2019/02/54682afc422e7d1bc7ddcbf5eb022755-gpLarge.jpg)
Ao mesmo tempo que o mercado automotivo no Brasil dá amplo sinais de recuperação nas vendas, com uma projeção de 12% no crescimento em 2019 em relação ao ano passado, a indústria vai na contramão com duas notícias que abalaram o setor nos últimos dias: a polêmica ameaça da General Motors em sair do Brasil e o encerramento das atividades da fábrica da Ford em São Bernardo do Campo (SP).
Como explicar esses dois cenários antagônicos, afinal a volta do consumidor às lojas não deveria oxigenar as finanças das montadoras, que alegaram prejuízos financeiros nos últimos anos? Não, necessariamente.
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Vender mais veículos não significa pender a balança financeira para o lado positivo, pelo menos a curto e médio prazo. Há uma equação mais complicada por trás disso.
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A Chevrolet, controlada pelo GM, é líder de emplacamentos no mercado brasileiro, com 17,58% do mercado em 2018. De quebra, tem no seu hatch compacto Onix o campeão geral no ranking de vendas há quatros anos, caminhando a passos largos para o título pelo quinto ano consecutivo.
Então o que justifica o presidente da GM Mercosul, Carlos Zarlenga, cogitar que a marca poderia ir embora do país?
Na verdade o executivo ecoou uma declaração da presidente mundial da fabricante, Mary Barra, de que a companhia estaria revendo suas operações na América do Sul, uma vez que não pretendia “investir para perder dinheiro”.
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Os prejuízos registrados no Brasil nos últimos três anos “não podem se repetir”, escreveu Zarlenga no comunicado interno distribuído a seus funcionários.
É sim possível que a Chevrolet esteja no vermelho mesmo com o Onix e Prisma figurando entre os modelos mais vendidos.
E aí é que está o problema. O foco da GM é quase todo voltado para essa família de modelos compactos, com tíquete médio baixo, o que reflete numa menor margem de lucro.
Sem contar que uma parcela dessas negociações acontecem por meio da venda direta (para frotistas, taxistas, pessoas com deficiência etc), reduzindo ainda mais a rentabilidade - 41% dos compradores do Onix e 44% do Prisma usaram no ano passado a modalidade que oferece descontos médios de 30% sobre o valor de tabela.
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Concorrência força mudança de estratégia
Mas não é só isso. A chegada de novos concorrentes a partir dos anos 2000 também diversificou a oferta para os consumidores, antes habituados a terem no cardápio apenas produtos da Chevrolet, Volkswagen, Fiat e Ford.
Na opinião de Antonio Jorge Martins, coordenador de cursos automotivos da FGV (Fundação Getúlio Vargas), ouvido pelo site Quatro Rodas, a competitividade hoje em dia está bem mais elevada, por isso as fabricantes tradicionais precisam se adaptar à nova realidade e repensar sua visão estratégica diante de um consumidor que aprendeu a ser mais exigente na sua escolha.
A Volkswagen, por exemplo, abandonou a imagem de marca popular, conquistada à época de Fusca, Kombi e Gol, para direcionar seus investimentos em produtos de maior valor agregado.
É o caso de Polo e Virtus, sucessos em seus segmentos, além de apostar numa linha de cinco SUVs até 2020 - novo Tiguan (já lançado), T-Cross (que estreia em abril), além de Tarek, T-Trak (SUV do up!) e Atlas.
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Os utilitários, meninas dos olhos do mercado brasileiro, certamente são mais lucrativos que carros de entrada. Há ainda a picape intermediária Tarok, que pretende surfar no sucesso da Fiat Toro como um produto inovador e moderno.
“Vamos investir em segmentos que sejam rentáveis, cujos carros são desejados pelas pessoas”, destacou Pablo Di Si, presidente da Volkswagen no Brasil.
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Não por acaso, as vendas da VW cresceram 35% em 2018 comparado ao ano anterior, mais que o dobro dos 14,6% registrados pelo mercado. A marca alemã também atingiu 15,90% de participação, tirando a Fiat da vice-liderança.
“Se eu fico vendendo carros populares e perdendo dinheiro, é claro que o acionista que investe na montadora não vai ter retorno”, salientou Di Si.
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Para Antônio Jardim, produtos fortes em todos os segmentos é garantia de solidez da montadora e rápido retorno nos investimentos. Ainda mais que os intervalos de atualização dos veículos estão cada vez menores, exigindo aportes financeiros mais frequentes.
A GM também abriu os olhos para essa nova estratégia e apostará em modelos derivados da plataforma GEM (Global Emerging Market), desenvolvida para mercados emergentes, entre eles o Brasil.
A moderna arquitetura elevará o nível construção e segurança dos veículos, como fez a VW com a multiplataforma MQB.
Da GEM sairão as gerações atualizadas de Onix e Prisma (ainda neste ano), dois novos SUVs e uma picape intermediária, posicionada entre a Montana e a S10 - esses últimos entre 2021 e 2022.
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Será esse time o responsável por tornar as vendas da empresa norte-americana consistentes e rentáveis nas diferentes categorias do mercado.
Com um nova linha de produtos já anunciada, a ameaça de saída da GM do Brasil não passou de uma estratégia para obter diminuição nos custos em toda a cadeia do negócio - do fornecedor ao concessionário.
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Os funcionários abriram mão de benefícios e direitos e aceitou reduzir o salário na fábrica de São José dos Campos (SP); os lojistas passaram a trabalhar com margens e comissões menores; e os governos estaduais negociam incentivos e reduções tributárias.
FORD TEM FUTURO INDEFINIDO
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Já a situação da Ford é um pouco mais complicada. A fábrica fechada no ABC paulista produzia caminhões e também o hatch premium Fiesta.
O modelo era canibalizado pela Ka, carro mais vendido da marca, que estreou em 2018 o novo motor 1.5, de três cilindros e 136 cv, mais eficiente que o 1.6, de 128 cv do Fiesta.
E o Ka ainda incorporou o câmbio automático de seis velocidades e conversor de torque, bem mais confiável que o polêmico Powershift, automatizado de dupla embreagem que teve a imagem arranhada por apresentar problemas num passado recente.
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Com os prejuízos seguidos na América do Sul, que somam US$ 4,9 bilhões entre 2012 e 2018, a Ford se viu obrigada a estancar a sangria de perdas. Além do Fiesta, a marca já havia confirmado o fim da produção do Focus na Argentina, decretando a saída de cena dele no Brasil (hatch e sedã).
Ainda existe a incerteza em relação ao Fusion, que deixará de ser feito no México devido à decisão da Ford em acabar com os seus carros de passeio nos EUA.
Por lá, apostará somente em picapes, SUVs e veículos comerciais, além de Mustang e Focus Active (versão aventureira).
A fabricação do sedã deve passar para a China, o que pode encarecer o sedã médio por aqui e torná-lo inviável.
E assim como a GM, a Ford também concentra seus esforços em veículos de entrada. O Ka e sua variante sedã responderam por 63% (142,3 mil) de toda a gama da marca vendida no país no ano passado (226,4 mil).
Para piorar, o cliente do compacto são locadoras, segundo afirmou Lyle Watters, presidente da marca para a América do Sul. Isso significa uma lucratividade ainda mais baixa.
Só que diferentemente da GM e Volks, a Ford não anunciou uma reformulação em seu portfólio, capaz de fazê-la sonhar na briga pela liderança em alguns segmentos, oferecendo o tal “produto rentável”.
O EcoSport deve ser renovado de alguma forma, mas sem grandes pretensões. Outrora uma mina de dinheiro para fabricante, o SUV não consegue recuperar o terreno perdido há tempos para a concorrência, que não para de crescer - findou 2018 na sexta posição de vendas entre os SUVs.
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A picape Ranger também está longe das líderes em sua categoria. A próxima geração do modelo dará origem à nova Amarok, como um novo produto da recém-aliança global com a Volkswagen.
Restam ainda o esportivo Mustang, que parece ser o único da gama Ford a arrancar o sorriso dos executivos brasileiros, e o quase ‘invisível’ crossover Edge.
Reestruturação para os novos tempos
No entanto só a atualização da gama não é capaz de aliviar as perdas verificadas no período mais forte da crise no Brasil, entre 2014 e 2017, além da recessão que assola a economia argentina, o segundo mercado mais importante na América do Sul.
Nesta conta também é preciso inserir a reestruturação que as grandes fabricantes estão promovendo em todo mundo e que também respinga no Brasil.
Para Paulo Cardamone, diretor de estratégia da consultoria Bright, as marcas buscam recuperar a saúde financeira para atender a maior revolução tecnológica pela qual o automóvel já passou.
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O especialista fez referência ao forte investimento na chamada “mobilidade inteligente”. Nunca se destinou tantos recursos como agora para o desenvolvimento de veículos elétricos e autônomos e em soluções de compartilhamento e conectividade.
A GM aplicou recentemente mais de US$ 1 bilhão na compra da Cruise e da Strobe, empresas do ramo de veículos autônomos.
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A Ford, por sua vez, adquiriu no ano passado a Spin (scooters elétricos), a Autonomic (automação) e a TransLoc (apps de mobilidade).
E retorno disso, por ora, é quase zero, uma vez que a demanda de carros elétricos está engatinhando na maioria dos mercados mundiais e o autônomo ainda vai demorar para chegar às lojas.
Fábricas ociosas
A saída para fomentar essa nova mobilidade e recuperar a saúde financeira com as crises recentes é enxugar parte das atividades, especialmente as mais antigas, e fechar unidades ociosas pelo planeta.
A GM anunciou o fim de pelo menos uma dezena de fábricas nos EUA, Canadá, Coreia do Sul e Austrália. A de São José dos Campos (SP) corria o risco de ter o mesmo fim caso os funcionários não fizessem concessões em seus direitos e benefícios.
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No interior paulista são feitas apenas a picape S10 e o SUV Trailblazer e é uma das plantas brasileiras que contribuem para o porcentual de 41% de capacidade ociosa na fabricação de automóveis leves no país. No segmento veículos pesados, esse índice sobe para 68%.
A unidade da Ford em São Bernardo era outra que engrossava essa lista. Trabalhava em turno único, alternando ociosidade e produção. Tinha dias que fazia o Fiesta, em outros os caminhões da linha Cargo e da Série F (leve e semileves).
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Aliás, era um dos poucos mercados que ainda produzia caminhões da marca norte-americana. “Seria necessário investir uma quantia expressiva para modernizar a fábrica e atender às demandas do público brasileiros, disse Lyle Watters.
Só por deixar o segmento de caminhões na América do Sul (a fábrica paulista abastecia outros mercados), a Ford prevê um impacto perto de US$ 460 milhões em despesas recorrentes que deixarão sair dos cofres da empresa.
Esse cenário de ociosidade já começa a mudar, mas só por volta de 2025 ele voltará ao patamar de 2010, quando Brasil chegou a ser o quarto maior mercado do mundo.
A unidade da Volkswagen no Paraná era outra com operações pouco lucrativas para a matriz. No ano passado, produziu durante 147 dias e o restante ficou parado. Com a produção do SUV compacto T-Cross desde janeiro, o salto em 2019 será para 252 dias de atividades, com a retomada do segundo turno a partir de abril.
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A VW espera voltar a lucrar com a operação brasileira. Só nos dois últimos anos, a empresa fez um investimento de R$ 7 bilhões no país. E já projeta um novo ciclo de investimentos a partir de 2020.
A GM teria admitido realizar um aporte de R$ 10 bilhões a partir de 2020, sendo R$ 5 bilhões para a modernização e produção da nova geração da S10 em São José dos Campos.
O ciclo atual de investimentos da ordem de R$ 13 bilhões foi aplicado na fábrica de Gravataí (RS), que fará a próxima geração de Onix e Prisma, na de motores, em Joinville (SC) , na de São Caetano do Sul (SP), que é a sede para as operações na América Latina, além da unidade na Argentina.
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A Ford continuará sua fase de enxugamento de gastos na região sul-americana, mas manterá a planta de Camaçari (BA) para carros, a de Taubaté (SP) para motores e a de Pacheco (Argentina) para picapes.
Ou seja, essas fábricas terão vida longa, recebendo aportes na modernização para produzirem novos produtos.
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