Antes de tudo, preciso contar que sou filha e neta de bancários. Passei a maioria das minhas férias de infância em colônias de férias de bancários. Quase todos os casais amigos que frequentavam nossa casa eram bancários. Quem conhece o meio dos bancários sabe que eles não têm preguiça de brigar por cargo, promoção e cumprimento de direitos. Se os do setor privado ainda fazem longas greves para cobrar direitos, imagina o espírito de corpo dos bancários do setor público.
É por isso que, desde o primeiro momento, estranhei as informações de que todas as promoções no Banco do Brasil fossem movidas por critérios políticos. Os mais de 97 mil funcionários aceitam indicações políticas para os cargos estatutários – Conselho, Vice-Presidências e Diretoria -, mas duvido que calariam se esse fosse o critério para as promoções dos cargos de carreira, exclusivos dos concursados.
Resolvi ir atrás da Política de Indicação e Sucessão do Banco do Brasil, que tem capital aberto e está no Novo Mercado, o das empresas com melhor índice de governança da Bovespa. Descobri o óbvio: é mentira que o filho do General não foi promovido por critérios políticos.
Além de ter sido promovido 8 vezes durante os governos petistas, o filho do General Mourão teve oportunidade de se candidatar a uma promoção no governo Temer, mas não o fez. Aliás, nunca fez desde que chegou onde está. Seu cargo, “Assessor Empresarial”, é 3 degraus abaixo do necessário para ocupar o posto de “Assessor Especial da Presidência”.
Vamos por partes, que a carreira dentro do BB é mais complicada que conseguir empréstimo com juro baixo. Há 5 anos, depois de muita negociação com o sindicato, conseguiu-se implementar em definitivo um formato de promoção construído conjuntamente pelo sindicato e pelo banco, à semelhança do que é feito nos bancos norte-americanos. Isso virou lei em 2016: Lei 13.303/2016, Decreto 8.945/2016 e Resolução CMN 4.538/2016.
São 21 páginas de diretrizes objetivas sobre quem vai para qual posição. Dentro desse processo, há 2 ou 3 anos, Antonio Hamilton Rossell Mourão conseguiu chegar a um cargo interessante: assessor empresarial da Diretoria de Agronegócio, em que trabalhava já há outros tantos anos. Há várias formas de se progredir na carreira do Banco do Brasil mas, entrando como Escriturário, são necessárias no mínimo 5 promoções para chegar ao posto.
Oito promoções do filho do vice foram durante os governos petistas e ele conseguiu o cargo em Brasília, transferido do Rio Grande do Sul, logo no primeiro mês do governo Lula. Em 2 meses, passou do trabalho em agência para o trabalho na estrutura do BB. Após chegar a Assessor Empresarial de Diretoria, jamais se candidatou a outra promoção, critério que, até a nova nomeação dele era necessário para ascender na carreira do Banco do Brasil.
Esse é o quadro completo das posições ocupadas por Antonio Rossell Mourão desde que começou a trabalhar no Banco do Brasil como Caixa Executivo, em 9 de janeiro de 2001. Praticamente todas as suas promoções foram durante os governos petistas, iniciados em 1º de janeiro de 2003 e encerrados em 31 de agosto de 2016:
1. 21 de janeiro de 2003: de Gerente de Expediente em Campo Novo, RS, para Gerente de Contas II na Asa Sul, DF
2. 5 de março de 2003: Operador Financeiro Jr., já fora de agência e na estrutura do banco
3. 9 de agosto de 2004: Analista Pleno na Diretoria de Agronegócio
4. 14 de maio de 2007: Gerente Negocial na Superintendência de Varejo do BB em MS
5. 18 de junho de 2007: Analista na mesma Superintendência no MS
6. 21 de julho de 2008: Analista Sênior, de volta ao DF
7. 10 de dezembro de 2012: Analista Sênior na Gerência de Negócios
8. 28 de maio de 2013: Analista Empresarial na Gerência de Negócios
Seu último cargo, na Diretoria de Agronegócio, havia sido conquistado em 19 de dezembro de 2016, meses após o impeachment de Dilma Rousseff. Durante o governo Temer, ainda teve mais uma promoção, em 6 de fevereiro de 2017. Nesse período, houve a oportunidade de se candidatar ao “Bolsa Executivo”, passo necessário para ser Gerente de Divisão ou Gerente Executivo, cargos que podem levar à Assessoria Especial da Presidência, de livre nomeação. Mas ele não se candidatou.
Nenhum bancário estranha que ele não tenha ido além, há muitos que lutam para chegar a Assessor Empresarial de Diretoria e jamais se candidatam a outro cargo. Motivo? Ganha-se R$ 14 mil para uma jornada de 6 horas – os cargos acima são todos sem cartão de ponto.
Para chegar a Assessor Especial da Presidência, até agora, exigia-se que a pessoa tivesse galgado outros cargos. O caminho normal é: Assessor Empresarial de Diretoria (Assessoria Técnica, onde ele estava), Gerente de Divisão (ponto livre), Gerente Executivo (ponto livre), candidatar-se ao “Bolsa Executivo”, passar na seleção e então ficar na listagem de espera dos que podem ser promovidos a Assessor Especial da Presidência. Agora, o meio do caminho foi cortado.
Não surpreendem os boatos de que o presidente da República, Jair Bolsonaro, ficou irritadíssimo com a história.
As promoções via “Bolsa Executivo” são distribuídas por seleção que envolve entrevista, dinâmicas de grupo, análises psicológicas e provas técnicas. A isso se soma uma pontuação que combina experiências profissionais anteriores e preparo acadêmico, como pós-graduações e MBAs. Todos os funcionários podem se candidatar à “Bolsa Executivo”, que consiste na possibilidade de não ter de dar expediente durante aproximadamente um mês para tentar passar nessa seleção.
Os aprovados passam a fazer parte de uma espécie de “Banco de Executivos”, a listagem contendo os nomes daqueles que querem e podem ocupar uma vaga no degrau hierárquico superior. Antes que argumentem que os petistas poderiam impedir a ascensão do filho de Mourão, informo que a última Bolsa-Executivo foi no governo Temer e ele não se candidatou.
Não quer dizer que Antonio Rossell Mourão tenha um cargo baixo ou jamais tenha tido ambição. Conhecido como pessoa correta pelos colegas, subiu bastante na carreira. Nos últimos 5 anos, chegar onde ele chegou inclui participar de outra seleção, o “Bolsa Primeira Investidura” – outro formato de seleção construído entre sindicato e banco – e necessário para se entrar em qualquer cargo de Gerente Geral de Agência para cima. Por exemplo: um Gerente de Conta-Corrente pode querer assumir a agência, então precisa passar pelo processo seletivo e ter seu nome na listagem de profissionais que podem concorrer.
Há uma questão mais delicada ainda: os demais cargos com salário equivalente ao do filho do General Mourão são a de Gerente Executivo (dois degraus depois da posição original dele e sem limitação da jornada de trabalho) e os cargos estatutários de Diretoria ou Vice-Presidência, em que as escolhas precisam ser justificadas para os acionistas e o mercado. Como o Assessor Especial da Presidência é cargo de carreira, não é preciso fazer a notificação.
O mais interessante na promoção do filho de Mourão, além do salário quase quadruplicado, é fazer parte do PAET, Programa de Alternativas para Executivos em Transição. A ele, caso exerça a função de Assessor Especial da Presidência por 2 anos, pode render aproximadamente R$ 2 milhões, 24 salários.
O PAET foi instituído pelo governo Lula e, até outro dia, era chamado de mamata pelos integrantes do novo governo. Houve uma chuva de desligamentos de executivos antes que Jair Bolsonaro assumisse devido ao medo que ele extinguisse o privilégio. Têm direito a ele duas funções concursadas – Gerente Executivo e Assessor Especial da Presidência – e todas as funções estatutárias: Presidente, Vice-Presidentes e Diretores.
Quando os concursados cumprem 2 anos de serviço, os que ocupam esses 5 cargos, os Executivos do Banco do Brasil, passam a ter direito a sacar altas somas como remuneração quando do desligamento. Também ganham o direito de realocação no banco. Quando Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil, sacou seu PAET, foi chamado de “marajá” pela oposição ao PT, que o havia alçado ao posto.
Para quem prometeu um governo sem indicações por política, só por técnica, a própria nomeação do presidente, Rubem Novaes, surpreende. A tradição nos últimos anos era que fossem funcionários de carreira do Banco do Brasil e que já tivessem galgado todos os degraus da função de escriturário até o topo. O atual presidente estudou com Paulo Guedes na Universidade de Chicago, foi presidente do BNDES, teve cargos no Governo Federal, mas cai de paraquedas no Banco do Brasil.
O General Mourão disse no twitter que seu filho é competente e não foi promovido antes por ser filho dele. Pode até ser, mas não ocorre com filhos de outros militares e certamente outro motivo para não ser promovido é não ter se candidatado a nenhum processo seletivo de promoção nos últimos anos.
Rubem Novaes tem direito de indicar o filho do general Mourão para o cargo que indicou, mesmo pulando os 3 degraus hierárquicos e ignorando os que se candidataram e passaram nos processos seletivos internos. Pode, não é ilegal. Mas tem de explicar quais as razões o levaram a fazer isso. Que tem confiança no funcionário, como declarou, é evidente – trata-se de cargo de confiança.
Mas há dois pontos que ainda são sonoras incógnitas:
– Nenhum daqueles aprovados pela Bolsa Executivo feita durante o governo Temer, que já estão na lista de espera, é digno da confiança do novo presidente do Banco do Brasil. Quais os motivos?
– De onde Rubem Novaes conhece Antonio Rossell Mourão para concluir que ele é tão brilhante que foi necessário ignorar os processos seletivos internos e fazê-lo saltar 3 degraus para servir o Brasil?
Pode ser que o novo presidente do Banco do Brasil tenha respostas, pode ser que não. O fato é que não as deu e as deve ao Brasil.
Comecei explicando que sou filha e neta de bancários e termino dizendo o motivo: todas as vezes em que as pessoas se juntam para defender o lobo, necessariamente matam o cordeiro. Estamos falando de dezenas de milhares de pessoas que trabalham honestamente no Banco do Brasil, se dedicam, fazem cursos de atualização e estão cansadas de ser preteridas por escolhas políticas que ignoram o mérito. Não é justo enxovalhar a moral dessas pessoas e pintá-las como incapazes e politiqueiras para proteger o filho de um político importante.
Nessa guerrilha irritante de informações, eu procuro sempre olhar o lado humano. A posição que foi dada ao filho do vice era para funcionários que toparam, durante anos, trabalhar em funções tensas, de alta responsabilidade, sem limite de horário, sem hora-extra e com cargas que podem chegar a 12 horas por dia.
Antonio Rossel Mourão teve uma indicação para cargo de confiança completamente dentro da lei, é conhecido como homem correto e honesto, mas jamais fez parte do grupo dos que se candidataram a funções dessa responsabilidade e carga de trabalho. Chegou a um cargo com ótimo salário, mas jornada de meio período e ali ficou. É justo que seja pintado como mais qualificado e honesto do que os demais bancários que ocuparam o posto? Sou filha e neta de bancários. A eles, minha solidariedade.