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3 livros para entender o carnaval catártico de Bolsonaro

Foi um carnaval absolutamente catártico para o presidente da República. Atingiu um recorde de ousadia ao ser o primeiro mandatário mundial a democratizar o pornô gay de escatologia para todos os maiores de 13 anos com acesso ao Twitter. E continuou acelerando na quarta-feira de cinzas ao perguntar “o que é Golden Shower” na mesma conta oficial que usa para avisos do porte da nomeação e demissão de ministros.

Difícil entender a estratégia do nosso presidente. A não ser que esteja tentando sabotar o próprio governo, a sequência de performances que ele e seus mais chegados protagonizaram nas redes sociais só pode ser explicada pelo absoluto descontrole. A entrada do carnaval já foi com desgaste, quando o núcleo Júnior do governo conseguiu desautorizar Sergio Moro no caso da nomeação de Ilana Szabó. Era uma oportunidade de ouro para botar a bola no chão e começar a agir mais que lacrar.

O presidente tem inúmeras reformas pela frente e poderia capitalizar com uma verdadeira revolução que o ministro da Saúde está planejando na área de medicamentos de alto custo – aliás, esse seria meu texto de hoje, que ficou sem sal diante das estripulias presidenciais. A opção foi por uma reação infantil ao mais natural de um carnaval: xingar o presidente.

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Não há ato de governo no que foi realizado, há discurso apenas. A obrigação é o ato, discurso é atribuição do Legislativo. Mas, uma vez que temos muito mais discursos do que atos e, é necessário observar, discursos na maioria das vezes apartados das prioridades da República, analiso o que temos: discurso.

A irritação dos governos comunistas com a expressão carnavalesca do povo é um tema presente na China porque foi o combustível da derrubada das ditaduras do Leste Europeu.

O falecido ativista chinês pela liberdade e pelos Direitos Humanos, Liu Xiaobo, descreveu bem o fenômeno em seu livro “Não Tenho Inimigos, Não Conheço o Ódio”. Faço questão de transcrever:

“O famoso pensador e crítico literário Mikhail Baktin investigou a “cultura carnavalesca”, desde a Antiguidade até aos nossos dias, e analisou o tradicional carnaval das massas, revelando o valor social da cultura do riso. Refere Bakhtin: o carnaval das massas é caracterizado, por um lado, pela falsidade da máscara, a despreocupação e a vulgaridade; por outro, acaba por ser uma exposição da situação real, pela criação do espírito e pela qualidade renovadora. Sobretudo numa sociedade submetida a um regime ditatorial, em que o domínio do poder político assenta, em grande medida, na psicologia de terror das massas, as autoridades criam conscientemente um ambiente austero a fim da intimidar a população, o que conduz, contudo, à divinização, legitimação e estabilização do poder político do primeiro mundo. No entanto, a “expressão carnavalesca” das massas leva a que estas, vivendo num clima de constante repressão, se tornem intrépidas, aderindo a uma espontânea lógica de reversão ou inversão, isto é, aquele que inverte a posição entre o poderoso e o fraco, o que está em cima e o que está em baixo; pelo recurso a várias formas de manipulação humorística, como a paródia, a partida, a depreciação, a blasfêmia ou a palhaçada, exprimem um sentimento popular que não é do mero destronamento.”

“Na minha opinião, considerando o valor social da paródia à política, os aspectos positivos da subversão ao estilo das “Diabruras” superam, em larga escala, os seus aspectos negativos. A experiência do antigo Bloco do Leste, antes da queda do Muro, poderá, talvez, servir-nos de referência”, escreveu Liu Xiaobo em 2006.

O relato entra pela Tchecoslováquia de Kruschev simplesmente proibindo a publicação de “A Brincadeira”, de Milan Kundera e pondera:

“Há quem diga que a Cortina de Ferro foi deitada abaixo pela política humorística criada pelo povo. Essa asserção exagera certamente o poder político do humor, mas é irrefutável que, quanto ao seu contributo para o colapso das ditaduras pós-totalitárias, a anedota e o discurso verdadeiro tiveram um efeito complementar, ambas são componentes inseparáveis da “política de oposição à política”. A procura da verdade é levada a cabo por uma minoria de individualidades mais conscientes, que abertamente desafia a repressão brutal, e a prática humorística é o modo pelo qual a maioria silenciosa, na sua privacidade, mina as fundações do sistema”.

No caso brasileiro não temos uma ditadura, obviamente. Temos um presidente eleito por mais de 57 milhões de eleitores. O desvio é a implementação de uma política de seleção ideológica, mais rígida até do que a imposta nos governos petistas porque implica na execração pública de qualquer um que não tenha total aderência à área mais barulhenta e menos experiente e efetiva do governo. Por enquanto são poucos casos e até o vice-presidente, general Mourão, já externou sua contrariedade.

Mas o fato é que há uma tática nesse processo de exposição pública dos considerados “inimigos” e que, na realidade, são aqueles que potencialmente farão qualquer crítica ou têm algum tipo de discordância não foi inventada pelo twitter do presidente da República Federativa do Brasil. Há um método de difamação descrito de uma forma muito simples pelo professor de Ciências Cognitivas e Linguísticas da Universidade de Berkeley, George Lakoff.

Ele tem um artigo famoso cujo título contém uma expressão que, por aqui, já caiu no lugar comum e gera reações de ranço de preguiça: “O que é discurso de ódio?”. Na verdade, isso acabou ganhando uma conotação um tanto que ideológica devido a ações recentes dos grandes conglomerados digitais, mas o artigo não é sobre essa temática, é sobre a metodologia da difamação dos inimigos do momento. Geralmente, esse tipo de discurso tem 4 aspectos, segundo George Lakoff, em tradução livre:

– Exemplos emblemáticos: usar um exemplo muito raro e muito esdrúxulo que tenha sido compartilhado de forma sensacionalista e aplicá-los a toda uma classe de cidadãos.

– Monopólio da virtude: expor as “falsas virtudes” dos oponentes, sugerindo que aquele grupo difamado não tem aquelas virtudes.

– Fazer metáforas sobre dados falsos. Parece complicado, mas não é. Um racista que diz “os brancos são mais evoluídos”, por exemplo, parte de um erro grosseiro na teoria da evolução para justificar seus pontos de vista preconceituosos.

– O último ponto é considerado por George Lakoff o pior: quando o Presidente da República é condescendente com violência descriminatório ou dá apoio à opressão (não repressão) por meio das forças estatais.

Ah, mas jamais alguém daria apoio a qualquer tipo de manifestação, sobretudo de uma autoridade, que congregasse esses 4 fatores não apenas de autoritarismo, mas de fabricação de fatos. Daria, se fizer parte de uma massa.

Aqui entramos no terceiro livro: “A Psicologia das Massas e Análise do Eu”, publicado por Sigmund Freud em 1921. Citando a definição de Le Bon sobre o ente independente e com características próprias que é a massa, dentro da qual os indivíduos acabam abrindo mão de seus valores e limites pessoais, ele parece explicar as redes sociais do século XXI.

(P. 16) “Uma terceira causa, de longe a mais importante, determina nos indivíduos da massa características especiais, às vezes bastante contrárias às do indivíduo isolado. Refiro-me à sugestionabilidade, de que o contágio mencionado acima é apenas um efeito. “Para compreender esse fenômeno, é preciso ter em mente algumas descobertas recentes da fisiologia. Sabemos hoje que um indivíduo pode ser posto* num estado tal que, tendo perdido sua personalidade consciente, ele obedece a todas as sugestões do operador que a fez perdê-la, e comete os atos mais contrários a seu caráter e a seu costume. Ora, observações atentas parecem provar que o indivíduo, mergulhado há algum tempo no seio de uma massa ativa, logo cai — em consequência de eflúvios que dela emanam, ou por outra causa ainda ignorada — num estado particular, aproximando-se muito do estado de fascinação do hipnotizado nas mãos do hipnotizador […]. A personalidade consciente se foi, a vontade e o discernimento sumiram. Sentimentos e pensamentos são então orientados no sentido determinado pelo hipnotizador.

“Tal é, aproximadamente, o estado de um indivíduo que participa de uma massa. Ele não é mais consciente de seus atos. Nele, como no hipnotizado, enquanto certas faculdades são destruídas, outras podem ser levadas a um estado de exaltação extrema. A influência de uma sugestão o levará, com irresistível impetuosidade,* à realização de certos atos. Impetuosidade ainda mais irresistível nas massas que no sujeito hipnotizado, pois a sugestão, sendo a mesma para todos os indivíduos, exacerba-se pela reciprocidade” [pp. 13-4]. (P. 17.) “Portanto, evanescimento da personalidade consciente, predominância da personalidade inconsciente, orientação por via de sugestão e de contágio dos sentimentos e das ideias num mesmo sentido, tendência a transformar imediatamente em atos as ideias sugeridas, tais são as principais características do indivíduo na massa. Ele não é mais ele mesmo, mas um autômato cuja vontade se tornou impotente para guiá-lo.”, estipulou Le Bon

Após expor as ideias que já existiam há quase 1 século sobre a então incipiente Psicologia das Massas que, mais tarde se tornaria algo como Psicologia Social, Freud traça sua própria conclusão sobre o que é a característica da massa. Sabe aquela pessoa legal que você conhece e vira uma metralhadora de impropriedades no Twitter? Então, o fenômeno é bem esse:

“A massa é impulsiva, volúvel e excitável. É guiada quase exclusivamente pelo inconsciente.Os impulsos a que obedece podem ser, conforme as circunstâncias, nobres ou cruéis, heroicos ou covardes, mas, de todo modo, são tão imperiosos que nenhum interesse pessoal, nem mesmo o da autopreservação, se faz valer. Nada nela é premeditado. Embora deseje as coisas apaixonadamente, nunca o faz por muito tempo, é incapaz de uma vontade persistente. Não tolera qualquer demora entre o seu desejo e a realização dele. Tem o sentimento da onipotência; a noção do impossível desaparece para o indivíduo na massa. A massa é extraordinariamente influenciável e crédula, é acrítica, o improvável não existe para ela. Pensa em imagens que evocam umas às outras associativamente, como no indivíduo em estado de livre devaneio, e que não têm sua coincidência com a realidade medida por uma instância razoável.”, descreveu Freud há quase 100 anos

“Os sentimentos da massa são sempre muito simples e muito exaltados. Ela não conhece dúvida nem incerteza. Ela vai prontamente a extremos; a suspeita exteriorizada se transforma de imediato em certeza indiscutível, um germe de antipatia se torna um ódio selvagem.”, escreve Freud em “Psicologia das Massas e Análise do Eu”.

“Inclinada a todos os extremos, a massa também é excitada apenas por estímulos desmedidos. Quem quiser influir sobre ela, não necessita medir logicamente os argumentos; deve pintar com as imagens mais fortes, exagerar e sempre repetir a mesma coisa.” – receitava Freud em 1921 sobre o controle de massa por meio do discurso. Isso, o presidente e sua equipe mais próxima já aprenderam muito bem. Estão de parabéns.

Só que isso não ajuda o Brasil. Não é para isso que Jair Bolsonaro foi eleito após a lambança do PT no poder, foi eleito para governar. E isso não será feito com manipulação de massa, discursos toscos, equipe caricata e idolatria à inexperiência. Está sendo feito por gente experiente e discreta, que topou fazer parte do governo mas pode acabar sufocada por quem é leal a tudo, menos ao povo e ao Brasil.

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