“Ao final, eles vão colocar a própria liberdade aos nossos pés dizendo: ‘façam de nós seus escravos, mas nos alimentem’.”
Fiódor Dostoiévski
Não é de hoje que Fernando Henrique Cardoso, por intermédio de seus despachantes na política e na imprensa, faz acenos a Lula e ao PT. A crise atual do governo Temer serve como palco para uma história que poucos estão lendo.
A república com sufrágio universal é um fenômeno relativamente recente em termos históricos no Ocidente e faz parte do desmonte da ordem monárquica que vigorou absoluta até a Revolução Francesa e tomou seu mais duro golpe com a derrota dos impérios centrais na Primeira Guerra Mundial, logo após à queda dos czares na Rússia. Há pelo menos cem anos, a idéia de que o melhor sistema político é o republicano com sufrágio universal e eleições regulares para todos os cargos se tornou praticamente um dogma e qualquer questionamento a ele, uma heresia inaceitável.
A experiência republicana já poderia suscitar um debate racional e desapaixonado sobre os pontos fortes e fracos do sistema, especialmente se comparado ao tipo de monarquia que existe hoje em nações como Reino Unido, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Luxemburgo, Mônaco, Noruega, Holanda e Suécia, mas apenas levantar o tema já considerado, por muitos, um “retrocesso”. Sem entrar no mérito específico da discussão, ou da própria experiência brasileira em 58 anos de reinado de D. Pedro II, é importante que todos que lutam por um determinado sistema sejam transparentes, honestos intelectualmente e que as cartas estejam na mesa.
A Guerra Fria (1945-1991) foi o período da disputa aberta entre os dois principais sistemas que representavam os vencedores da Segunda Guerra Mundial: o comunismo soviético e o liberalismo ocidental, liderado pelos EUA. Com o fim da URSS, muitos acreditaram que o “capitalismo” havia vencido e que havíamos chegado ao “fim da história”, mas o que se viu desde então foi o aparecimento de uma nova ordem mundial que não era liberal, no sentido clássico, ou comunista.
Nascia um tipo de regime comandado por uma burocracia sem pátria, rosto ou nome e que pretende, gradativamente, limitar o poder e a soberania dos estados nacionais, bem como de seus eleitores, sobre os temas mais importantes que dizem respeito ao cidadão como política econômica, industrial e fiscal, acordos de comércio internacional, imigração, diretrizes educacionais, direitos humanos, segurança pública e muito mais.
Assim como os monarcas em países parlamentaristas, presidentes, primeiros-ministros e parlamentares dos países passariam a decidir questões meramente administrativas e ordinárias, exercendo funções quase decorativas, enquanto as principais decisões seriam tomadas por burocratas profissionais longe da pressão popular em lugares como Bruxelas, Davos ou na sede da ONU em Nova Iorque. A União Européia, alegadamente uma área de livre comércio e moeda unificada, representa atualmente o maior laboratório para esta redução drástica das prerrogativas dos representantes eleitos dos estados nacionais e, por extensão, da soberania destes países.
Este grande arranjo de forças mundiais sofreu um duro golpe com o resultado do Brexit em meados do ano passado, seguido pela eleição de Donald Trump nos EUA e a ascensão de políticos com discurso nacionalista. A imprensa, cada vez mais partidária e ideológica, chama a tendência de “populismo”, “extrema-direita”, entre outros nomes ainda mais ofensivos. O que se trata, na verdade, é a legítima vontade do eleitor de que seu voto conte, que seu representante escolhido tenha condições de governar e implementar suas promessas de campanha. Quando um presidente eleito é um mero fantoche e as principais leis do país são decididas em fóruns estrangeiros, não há democracia.
O mesmo processo se vê no Brasil, especialmente num momento de turbulência política e especulações sobre um novo impeachment. O aceno de Fernando Henrique Cardoso para conversas fechadas com Lula e líderes da esquerda passam uma mensagem preocupante ao eleitor: as principais forças políticas que comandaram o país nos últimos 25 anos podem não estar confiando muito em você e na sua capacidade de escolher quem será o sucessor de Michel Temer, agora ou em 2018.
As últimas pesquisas de intenção de voto para presidente e a baixa popularidade de Michel Temer, mesmo antes da crise atual, parecem ter acendido uma luz amarela nos defensores de fachada da democracia. Como se viu na recente eleição na França, quando um conluio de forças inédito reunindo a esquerda, o centro e conservadores oportunistas, junto com o sistema financeiro e a imprensa, a população pode escolher seu presidente, desde entre opções “aceitáveis” pelo establishment. Se o preferido do eleitor for alguém fora dos chancelados pela poder, especialmente um político avesso aos ditames dos órgãos estrangeiros sobre assuntos nacionais estratégicos, a democracia deixa ser, na prática, uma opção.
Se houver uma união de forças entre o establishment político, o mercado financeiro e a grande imprensa em torno de alguns nomes para substituir Michel Temer, como numa lista fechada, o Brasil precisará refletir sobre o tipo de regime que está em vigor e se é este mesmo que ele quer. Como no clássico “O Grande Inquisidor”, de Dostoiévski, é urgente que o país decida se quer liberdade de verdade, com todos os riscos inerentes à democracia, ou se teremos um mero simulacro em que o eleitor escolherá um líder sem poder real, dentro de opções pré-definidas e sem diferenças substantivas entre elas, em troca de programas assistenciais que garantam pão e circo.
Em 2009, Lula comemorou que na eleição do ano seguinte, em que se escolheria seu sucessor, havia apenas opções de esquerda para o eleitorado. Uma esquerda em tese social-democrata, que promete mercados regulados, intervencionismo econômico, pouca mobilidade social, impostos altos, pouca soberania nacional, imigração livre com fartura de programas assistencialistas, o tipo de regime que a imprensa mundial, após a eleição de Emmanuel Macron, assumiu como “centrista”, quando é o mais próximo do que já se imaginou do socialismo fabiano desenvolvido por intelectuais e políticos britânicos há pouco mais de cem anos.
O resultado lembraria a “ditadura perfeita” mexicana, apelido dado pelo escritor Mario Vargas Llosa para os sucessivos governos do PRI (Partido Revolucionário Institucional) durante sete décadas no qual havia eleições e a adoção meramente formal de ritos democráticos enquanto, na prática, o eleitor não tinha como escolher representantes fora do partido hegemônico e está de volta com o atual presidente Enrique Peña Nieto. As moscas podem mudar, mas o regime, na prática, será sempre o mesmo. E isto é tudo menos democracia.
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