[Olá, pessoal. Essa é a entrevista completa e exclusiva que prometi na coluna Bar do Celso de hoje na revista Bom Gourmet sobre a brasileira que conquistou o 3º lugar no Campeonato Mundial de Sommeliers na Alemanha em setembro: Tatiana Spogis. Quer algo mais curto? Leia o texto da coluna também online]
Com simpatia e muita técnica, Tatiana Spogis, 36 anos, encantou o mundo das cervejas ao conquistar o 3º lugar no III Campeonato Mundial de Sommeliers de Cerveja realizado em 15 de setembro durante a Drinktec, uma das maiores feras de bebidas e alimentos líquidos do mundo, em Munique, na Alemanha. Um feito e tanto para ela, para o Brasil – que agora ganha ainda mais visibilidade internacional do que nunca nessa área –, e para as mulheres, em um universo ainda predominantemente masculino.
Designer gráfica por formação, trabalha desde 2001 como gerente de marketing na importadora Bier & Wein e é professora do curso de sommeliers de cerveja Doemens/Senac no Brasil. Na entrevista abaixo, ela confessa que chegar ao pódio foi surpreendente e descreve como foi. Fala também do mercado brasileiro de cervejas especiais e dá conselhos para quem quer aprender mais sobre cervejas e para quem quer ser um bom sommelier.
Bar do Celso: Como é chegar ao pódio de um campeonato tão disputado como esse?
Tatiana Spogis: Eu fui para a final na última repescagem possível. O evento acontece em três fases. A primeira etapa é de manhã, com três provas bem técnicas, e dali saem três competidores para a final. Na parte da tarde acontecem duas repescagens. A primeira leva mais dois para a final e a última leva o último candidato. Curiosamente os três primeiros classificados são justamente os três que não chegaram ao pódio da competição. Foram extremamente qualificados no quesito especial-técnico, mas no palco não foram tão bem e não conquistaram os primeiros lugares.
Aí eu fui para a final na última prova possível. Já havia até ligado para o meu marido e disse “não tem jeito, é muito mais difícil do que eu imaginava”. É realmente é uma pressão emocional muito grande e eu não tenho esse espírito competitivo, não tenho isso no sangue. Sou contra pontuações de vinhos, de cervejas, de filmes, do que quer que seja, por exemplo. Cada situação pede um produto diferente. Cada um vê o produto de uma forma diferente, individualmente. Então eu vejo a cerveja como indivíduo, que vai agradar cada um de uma forma diferente.
E aí eu fiquei muito tensa. Há uma grande pressão de toda a imprensa, donos de cervejarias e grandes players do mercado na sua frente, olhando para você. Enfim, você não está falando para um público leigo. É uma pressão emocional, profissional e técnica tão grande que a minha sensação era que eu estava pelada em cima de um palco (risos). E foi realmente uma grande surpresa quando chamaram meu nome após a repescagem. Eu nem entendi direito. E aí o pessoal começou a gritar “Tati é você, é você”. Quando repetiram que eu estava na final, eu quase surtei.
Brasileiro e aquele jeito discreto de comemorar, não é? A gente já fez uma super bagunça no meio do campeonato. E isso é uma coisa que para mim ficou muito claro. Como brasileiro é apaixonado. Estava todo mundo alí, torcendo para que algum brasileiro chegasse na final. E realmente o momento é muito perfeito. O Brasil está em voga, por conta de Copa do Mundo, da nova estabilidade financeira, e tudo mais. E agora o país passa a ter uma visibilidade do mercado exterior, da área das cervejas especiais, com outra intensidade. De repetente comecei a receber um monte de e-mails de pessoas interessadas em saber sobre o Brasil, das cervejas daqui. Foi muito bom mostrar que o nosso país está preparado para pessoas que não sabiam que o país tinha esse nível tão grande nas cervejas especiais. Então acho que colocar o Brasil nessa posição foi o melhor. Eu só dei o pontapé inicial para escancarar essa visibilidade.
Além de ser muito satisfatório isso. Eu trabalho no mercado de cervejas desde que ele era uma feirinha. A gente começou a trazer cervejas especiais em 2001, quando lançamos no país a Erdinger. E foi um trabalho de formiguinha. Ensinar o garçom a falar o nome da cerveja, a servir, e formar o consumidor para mostra que a cerveja turva não estava estragada nem nada. E hoje você observar o quanto estamos mais maduros. Tem muito trabalho ainda para fazer, claro. Mas daqui para frente é realmente consolidação do mercado. É um caminho sem volta.
Realmente agora a gente consegue ver a dimensão da situação. Tem ponto de venda batendo na porta pedindo consultoria para vender cerveja de qualidade. Antes era a gente que batia na porta do ponto de venda, e eles diziam: “Você está louca, minha filha, vender cerveja desse preço aqui? Tem que vender vinho. Imagina que alguém vai pagar isso numa cerveja? Isso não vai dar certo”. O que chamaram a gente de louco no começo foi muito. É um trabalho imenso, um trabalho de orientação. Ou você vai acreditando que vai dar certo ou nem adianta começar.
Ou seja, isso para mim foi um marco. A mensagem que ficou foi “valeu a pena”. Tenho muita coisa ainda para aprender. Não me sinto melhor que qualquer um que esteve ali, porque eu ganhei o terceiro lugar daquele momento, daquele campeonato, mas não me considero a terceira melhor do mundo e nada assim. É uma situação que obviamente vai ajudar muito o Brasil em relação à cerveja, mas ainda tem muito para ser feito.
Não fiquei rica, não ganhei prêmio em dinheiro, estou com uma conta enorme da viagem, o fatura do cartão de crédito já chegou… Então, acho que o brasileiro deve valorizar isso não no sentido da pessoa Tatiana, mas do mercado brasileiro de cervejas especiais, sejam nacionais ou importadas, na questão da qualidade do consumo. E isso é lindo de ver.
Bar do Celso: Como você começou no universo da cerveja? Como tomou contato com a bebida?
Tatiana Spogis: As coisas foram acontecendo. Quando era adolescente colecionava latinhas de cerveja. Meu pai era uruguaio, então a gente viajava bastante e ele trazia as latinhas. Aí a coleção começou a dar trabalho, pois juntava muito pó, e joguei tudo fora. Depois me formei na área de criação – sou designer gráfica por formação –, e comecei a trabalhar na área cultural e ingressando na na área de marketing. E na empresa que eu trabalhava o diretor social era justamente Senhor Stein, fundador da importadora Bier & Wein. E ele me pedia alguns freelas. E até que chegou o momento do lançamento da Erdinger no Brasil. A agência o deixou na mão e ele virou para mim com o desafio imenso de desenvolver toda a ação de lançamento em um ou dois meses. Eu aceitei.
Felizmente de tudo super certo e aquilo foi um marco. Quando ele me chamou para trabalhar na importadora, eu falei para ele que tinha alguns valores que não abro mão. “Eu venho da área cultural e me irrita muito a maneira como o Brasil trata cerveja. Ele ama a cerveja, mas ela é subjugada. Você lembra mais da garota que era a propaganda da cerveja do que da própria cerveja. Brasileiro ama cerveja, mas não sabe como ela é feita. O foco da cultura cervejeira é peito, bunda, carnaval, churrasco e homem bêbado. Então não tenho interesse em trabalhar na comunicação de cerveja com esse estilo”. E ele olhou para mim e me agradeceu, disse que era tudo o que precisava ouvir e que era essa a pegada das cervejas especiais, trabalhando a cultura e educação cervejeira.
E aí, obvio, fui conhecendo as cervejarias, fui lendo, estudando. Fiz um curso de análise sensorial na Unicamp e fui chamada para participar de um conselho do curso da Anhembi Morumbi sobre bebidas. Lá conheci a Cilene Saorin, que tinha recém voltado para o Brasil e estava trabalhando com cervejas. Decidimos tocar esse projeto juntas e nesse meio tempo ela já estava desenhando o projeto do curso de formação de sommeliers da Doemens no Brasil. Eu me ofereci para ajudar e fiz a primeira turma, que era de formação de docentes. Assumi e comecei a dar aulas em seguida. Depois tive minha segunda filha e diminui muito a quantidade de novos rótulos degustados e tudo mais.
E aí foi o grande desafio do campeonato, pois estava com “quilometragem” desfavorável e quando eu subi no palco três rótulos me foram apresentados e eu não conhecia nenhum. Na hora, baixou a professorinha. Mostrei que entendia de cervejas, lembrei das minhas aulas, apresentando com personalidade, com emoção, e tentando cativar as pessoas que teriam interesse naquele produto.
Você falou sobre a evolução do mercado de cervejas. E como você vê a evolução na formação de novos sommeliers, de profissionais de cerveja?
De uma forma muito boa. Tanto quantitativa quanto, especialmente, qualitativamente. Primeiro, qualitativamente, quanto mais o consumidor conhece, quanto mais tem acesso à informação, mais exigente ele fica e mais informações que você vai passar também. Agora quantitativamente, isso é o mais importante, independente de egos e disputas, pois tem mercado para todo mundo.
Pois quando você está em um segmento nicho, você tem que ter profissional qualificado para isso. E a gente não tem ainda. Quando a gente vai falar com amigos desse meio, vemos que eles no máximo experimentam uma ou outra cerveja. Então há um trabalho aí para fazer de disseminação que é gigante. E olha o tamanho do Brasil. E se comparar o Brasil hoje tem 200 microcervejarias e os Estados Unidos tem 2 mil. Então, olha aí a possibilidade de crescimento que a gente tem. Cervejeiros caseiros: a cada 15 quilômetros nos EUA você tem uma lojinha de matéria-prima cervejeira. No Brasil está começando. O mercado de cervejas especiais na Argentina é muito maior que o nosso e olha o tamanho da Argentina.
E para desenvolver o que você precisa? De mais gente falando sobre o tema, mais mídia, futuros consumidores de cerveja, profissionais de cerveja na ponta, no atendimento. E aí está o desafio maior que a gente tem: o serviço. Não adianta nada se o garçom não souber falar sobre cerveja, o gerente, etc. A demanda é realmente imensa e a gente precisa cada vez de mais profissionais.
E o momento de cada um é diferente. No campeonato havia sommeliers que trabalham na indústria, no ponto de venda, em importadores e distribuidores. O segundo lugar do campeonato, por exemplo, é capitão de bordo de navio de cruzeiro. E ele começou a ajudar um colega da área de compras do navio, começou a entender, curioso foi se especializar em cervejas e em bordo ele fala de cervejas especiais. Olha que lindo! Tem de todas as formas e possibilidades de trabalho. É sem volta.
Bar do Celso: Quais são suas dicas para conhecer melhor a cerveja?
Tatiana Spogis: Primeiro, abra sua mente. Esteja aberto a experimentar paladares, cores e sabores diferentes. Deixa de sentar numa mesa e pedir sempre a mesma cerveja. Pelo contrário, entra no bar já perguntando que cervejas têm. Aí quando o camarada te apresentar alguma que você não conhece, presta atenção, se tiver em mais pessoas, pede uma e faz uma rodada de degustação. E aí nessa oportunidade você tem a possibilidade de conhecer estilos diferentes que se encaixam mais no seu paladar individual. Tem gente que gosta de mais amargor, mais ácido, mais frutado, e aí você vai conhecendo e vendo que cerveja não é nem nunca foi tudo igual. A gente só passa a conhecer efetivamente quando consome. Tem gente que vai num bar e gasta 50 reais para qualquer coisa e sai de lá na mesma. Com o mesmo preço você pode provar uma trapista, rolhada, refermentada na garrafa, e é uma super experiência. Isso é instigar o paladar.
Outra coisa é ler rótulo. As pessoas esquecem isso. Conhecer a cultura da região, pesquisar sobre a cerveja, tudo isso é válido. Aí me perguntam: precisa fazer curso para saber de cerveja? Ajuda, é óbvio, mas você pode ser curioso. Tem aí a internet a seu favor, as revistas, tem revistas especializadas, tem clube de assinaturas de cerveja, você tem as lojas de cervejas especiais – vai lá e escolhe uma diferente! Enfim, instigar a experimentação, acho que isso é o principal.
Bar do Celso: E as dicas para se tornar um bom sommelier?
Tatiana Spogis: O pessoal me pergunta: mas como eu fiz tudo isso? Tenho duas filhas, trabalho que nem louca, tenho minha casa, sou mãe, sou esposa, sou amiga. Aí eu digo, pois é, da meia noite às seis enquanto vocês estão dormindo eu estou lá, absorvendo informação.
Então, realmente, nada vem fácil. Seria lindo se viesse. Mas tudo o que a gente quer aprender a gente tem que se dedicar. Ler muito, conversar, participar do mercado, estar aberto, antenado e ter dedicação. Você pode até fazer vários cursos – agora tem gente colecionando diploma -, só que não adianta se não aplica no dia a dia. Por fim, seja curioso, interessado e estude, estude e estude.
Acompanhe o Bar do Celso nos sites de redes sociais
– Google+
– YouTube
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS
Deixe sua opinião