O estrondoso sucesso do psicólogo canadense Jordan Peterson tem mostrado coisas extremamente interessantes sobre como parte da sociedade reage diante de alguém que sabe defender corajosamente as suas ideias e que sabe se comunicar de forma eficiente. Peterson vinha fazendo isso em livros, aulas, palestras, entrevistas e vídeos para o YouTube, mas dois eventos foram fundamentais para que seu nome rompesse as fronteiras canadenses.
O primeiro foi a sua posição frontalmente contrária a um projeto de lei de 2016 que permitia a identificação de sexo neutro com a letra X em documentos de identidade e a punição com multa, treinamento antipreconceito ou prisão contra quem se negasse a tratar outra pessoa (homem ou mulher) pelo seu gênero de preferência. Convidado para participar do comitê de discussão criado pelo Senado canadense, Peterson criticou vigorosamente a proposta.
O segundo acontecimento, e este foi decisivo para sua ascensão ao posto de celebridade internacional, foi a entrevista que concedeu à jornalista Cathy Newman, da BBC, em janeiro deste ano. Estando em Londres para o lançamento do livro 12 Rules for Life: An Antidote to Chaos, que se tornou best-seller, Peterson conseguiu desarticular de forma brilhante as opiniões e acusações completamente descabidas da jornalista numa discussão que incluía igualdade e diferença salarial entre homens e mulheres.
O comportamento de Peterson durante a entrevista tem sido objeto de discussão desde então. Sua calma, paciência e rapidez de raciocínio, a sua capacidade de não se deixar abalar e de não entrar no jogo da jornalista vem rendendo diversas análises sobre a sua forma de debater e de defender ideias mesmo diante de um interlocutor hostil. Porque uma coisa é você conseguir articular um pensamento na presença de um jornalista que se limita a perguntar; outra bem diferente é manter a compostura e usar a inteligência perante alguém que parece disposto a desestabilizá-lo para assim provocar respostas contraditórias em vez de ouvir o que entrevistado tem a dizer. E Peterson consegue fazê-lo ao abordar assuntos distintos como politicamente correto, identidade de gênero, islã, marxismo, pós-modernismo, masculinidade, ateísmo.
Um dos aspectos interessantes da discussão que essa entrevista suscitou foi sobre qual seria o método mais adequado para debater com alguém que discorda das nossas ideias. Aqui, no Brasil, muitos dentro da direita gostam de atitudes mais confrontadoras e agressivas. Faz sentido. São posturas que estão mais sintonizadas com aquele grau de violência que parece fazer parte de certa dimensão da nossa identidade brasiliana que é hipertrofiada pelos ambientes violentos que nos circundam no dia-a-dia.
A reação altamente positiva aqui no Brasil em relação à postura de Peterson foi uma surpresa agradável porque o psicólogo consegue combinar de forma bastante interessante opiniões diretas, claras, firmes e embasadas de forma serena, porém incisiva. Ele não é o sujeito que parece estar a todo tempo irritado com as iniquidades do mundo.
Quando é necessário, porém, Peterson eleva o tom de voz, gesticula com vigor, usa frases mais enfáticas. É o tipo de intelectual que consegue se adequar ao desafio posto e à audiência, e não se furta a enfrentar corajosamente a horda que o tenta confrontar. Ele consegue transmitir simpatia mesmo numa apresentação mais acalorada. O psicólogo é o antilacrador por excelência; não porque não tenha ótimas frases de efeito, mas porque elas não se resumem e se encerram em assertivas que se destinam tão somente a encerrar o debate e a “lacrar” o oponente.
Não raras são as vezes em que me perguntam qual o método mais eficiente para debater. Sempre digo que a pergunta está equivocada: deveria ser qual a forma mais adequada ao seu perfil, ao seu talento e ao que se pretende expor publicamente. Seria ridículo, por exemplo, se eu tentasse num debate ou numa entrevista me comportar de forma agressiva se estou mais próximo da serenidade de Jordan Peterson.
A eficiência num debate depende de certos elementos, mas não erraria se dissesse que está relacionado fundamentalmente com dominar o assunto em questão, saber apresentar argumentos de forma clara, expor as inconsistências das ideias e as fragilidades do interlocutor, e dosar, se possível, assertividade, serenidade e bom humor.
Independentemente do método a ser utilizado, porém, jamais devemos esquecer – ou deixar em segundo plano – de que, se estamos do lado da verdade e se queremos ser melhores do que os nossos adversários, teremos de demonstrar que somos melhores. Não podemos usar certos métodos do adversário, como a mentira, como instrumentos para combatê-lo. Isso seria negar o que pretendemos ser e usar de um meio fraudulento com a desculpa de atingir um fim virtuoso.
Sobre a entrevista para a BBC, lamento apenas que Cathy Newmann tenha a todo momento deixado explícito que a sua intenção era menos provocar um debate vivo, confrontador, inteligente entre visões divergentes sobre um mesmo tema do que conduzir Peterson para um beco sem saída onde ele finalmente seria exposto como um misógino fascista. Graças à habilidade de Peterson, o que se expôs foi a postura autoritária da própria jornalista.