Há mortes dignas e mortes indignas. O PT, por exemplo: está morrendo de forma lenta e dolorosa diante da população inteira do país. Mas, pelo menos, é o que se pensa nessas horas, o partido teve uma vida boa, uma vida longa.
Entre a fundação do partido e os primeiros sinais de sua doença terminal, em 2005, passou-se um bom quarto de século. Nesse tempo, o partido fez mais ou menos aquilo que tinha se proposto: aporrinhou a direita, fez oposição, lançou candidaturas realmente à esquerda.
Goste-se ou não, o PT levou uns bons 25 anos para deixar de ter cara de militância espontânea e passar a ser mais um partidão amorfo e podre como os outros (lamente-se pelos poucos idealistas que ainda há por lá).
A “nova direita”, coitada, não durou nem um mandato presidencial. Sua morte foi, além de trágica, precoce. Coisa triste de se ver.
O parto
Para quem não lembra, o parto foi nas tais jornadas de junho de 2013. De repente, o povo que não aguentava mais o PT (e razões para isso havia de sobra – isso que ainda não se sabia da propina um terço) deu as caras. Parte não estava nem aí para ideologia. Outra parte formou uma nova categoria: o jovem de direita que se assume.
Era uma bela notícia. Toda democracia precisa de pessoas de esquerda e de direita. E aqui, por causa das barbaridades da ditadura, ser de direita era algo que se praticava em silêncio, no submundo. Os liberais eram como consumidores de crack: você só descobria as tendências da pessoa pelas unhas sujas ou porque começava a sumir coisa de casa. Mas ninguém nunca dizia: sou de direita.
E, de repente, eles estavam em toda parte. Primeiro, nas ruas e praças. Depois, num piscar de olhos, estavam escrevendo colunas nos grandes jornais e dominando boa parte do debate de internet. Ajudaram a derrubar uma presidente. Mais um pouco e começaram a se candidatar a vereador, deputado, síndico – e agora já se fala em Presidência.
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Na estridência, o movimento lembra mesmo o PT dos velhos tempos – ou sua reencarnação atual, o PSol. Ninguém que pensa diferente presta. O outro lado é formado só por pulhas. O movimento é encarregado de salvar a pátria.
Mas passado o primeiro momento das ruas, surgiu a camada dominante da “nova direita”. Eram os donos do MBL, único movimento que sobreviveu com força aos protestos pelo impeachment. Os colunistas. Os ideólogos. Os representantes da galera, os Snowball e os Napoleões do movimento. (Para ficar claro, é desse pessoal que se fala aqui, não dos cidadãos em geral, ok?)
Os pais da criança
Dava para ter desconfiado que a coisa não ia ser assim tão espontânea. Tão do povo. Tão renovadora.
Primeiro, porque ensina Salomão: não há nada de novo sob o sol.
Segundo, porque os nomes mostravam que a tal direita não era tão nova assim. Um dos grandes ativistas do liberalismo pátrio era, afinal, filho de ministro signatário do AI-5. Aliás, o editor que publica a maior parte dos livros do pessoal (e como publicam livros!) é neto de outro democrata que assinou o AI-5 diante de Costa e Silva.
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Mas nessa vida é preciso dar um voto de confiança às pessoas. Vai que realmente era um movimento renovador, implacável com os corruptos, aberto à voz das ruas, democrata até o último fio de cabelo. Que tal se Kim Kataguiri fosse, para surpresa mundial, o grande líder de uma nova aurora latino-americana.
A esperança ficou no fundinho da caixa de Pandora por um motivo. (E lá na caixa, segundo a lenda grega, estavam os males do mundo, não? Seria a esperança, para os gregos, só mais um deles?)
Os sintomas
Fato é que começaram a acontecer coisas estranhas. Gente do movimento começou a chamar um perigoso psicopata que presidia a Câmara de “malvado favorito”. Aliás, o salvador Kataguiri, depois de incansável marcha de 40 dias pelo deserto, posou para foto com Cunha, na alegria dos co-conspiradores.
A nova direita também foi mordida pela mosca azul. Não bastava fazer reis. Era preciso se fazer visconde, barão ou, na impossibilidade, vereador. Para isso, foram pedindo penico para partidos tão sujos quanto os que tiraram do poder.
(Um outro grupo, também da novíssima direita, os “Livres”, usou a manobra mais antiga e antidemocrática do manual, “roubando” na calada da noite um partido para si. Expulsaram gente, fizeram o diabo. Receberam o troco na mesma moeda ao serem expulsos por um cachorro maior, Bolsonaro, que chegou como dono da legenda.)
O apoio a Temer foi o novo escândalo.
Em pouquíssimo tempo, o grupo “independente“ colou no poder e decidiu que valia tudo para tirar a esquerda má. Mesmo aceitar uma direita igualmente má.
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Temer nomeou corrupto depois de corrupto. E o MBL? Silêncio.
O principal assessor do presidente foi filmado com uma mala de dinheiro sujo correndo como um Fred Astaire desajeitado pela rua. Silêncio.
O presidente diz que é “preciso manter isso aí” para um empresário corruptor que, aparentemente, estava de conluio com o psicopata ex-presidente da Câmara. Silêncio.
Tudo em nome de quê? Segundo uma reportagem de gente que viu as mensagens internas de WhatsApp, em nome das reformas – e da Presidência. “É para isso que o zumbizão está lá”, dizia aos risos o salvador Kataguiri – a essa altura, transmutado em filhote de Rasputin.
O fim
Os colunistas também se mostraram, digamos, seletivos. Como no caso de Bolsonaro.
Nos últimos dias, vieram à tona várias denúncias mostrando que nem a suposta honestidade do candidato (último argumento dos hipócritas) se sustenta. O que dizem então os colunistas da “nova direita”?
“Distinguir imoralidades e ilegalidades (que também são imorais) é fundamental neste ano eleitoral em que candidato nenhum é santo”, sapecou o moralista Felipe Moura Brasil.
Imersa em partidos sujos e no jogo pesado, condescendente com corruptos e com a bandalha que quer a volta da ditadura, a “nova direita” durou pouco. E morre agora uma morte horrível, daquelas que só nos fazem querer voltar o rosto para longe.
Mas, claro, ela não morrerá. Assim como não era “nova”, a direita também não ficará mais velha do que já era. E permanecerá mandando na vida nacional. Até porque a única oposição que já teve, a oposição petista, essa sim, faleceu.
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