Meus meninos,
Viver em sociedade é uma coisa complicada. Por isso o pai gosta de tentar entender a política, que é justamente a arte de fazer com que a gente possa viver junto. Nenhum ser humano pode viver sem os outros: pode até se isolar, mas sempre vai precisar de um médico, de ruas, que vão ter que ser feitas por alguém, de quem produza comida. Senão, vira um Robinson Crusoé, e isso não existe de verdade… Sem política, a gente é bicho.
Mas essa coisa de viver junto é bem complicada. E por isso o pai começa hoje a escrever pra vocês. Pra tentar deixar um registro de como é esse nosso mundinho hoje, visto por quem nasceu e viveu neste mesmo país em que vocês nasceram e o irmão (ou será irmã?) de vocês vai nascer em outubro. Justo em outubro, quando descobriremos quem o país decidiu colocar na Presidência…
O Gabriel, ou a Gabriela, vai nascer, espero, junto com um novo momento do Brasil. Porque este, olha, não está sendo fácil.
Nesta semana o país todo passou medo. Tudo por causa do julgamento do ex-presidente Lula (vocês vão ouvir falar muito dele na aula de História, apesar de eu não saber o que se dirá…). Na verdade, ele já estava condenado, mas tentou evitar a prisão com um último recurso.
Quem odeia o Lula achava que liberar o ex-presidente era dar carta branca para a corrupção. Quem adora o Lula acha que é só perseguição porque ele tem tudo para ser eleito – e a direita estava só dando um jeito de se livrar de seu concorrente mais perigoso.
O que aumentou a tensão foi que os generais (sempre fiquem atentos quando falarem de generais numa conversa sobre política, meus filhos) decidiram botar a cabeça pra fora do quartel. E deram a entender que ou prendiam o Lula ou eles tomavam o poder de novo.
Os militares no Brasil sempre acharam que são os salvadores da pátria. Cada vez que a democracia dá uma bobeada, eles saem de arma na mão e decidem que precisam botar a casa em ordem, porque senão vira bagunça. Bagunça, numa democracia, é justamente ter gente que acha que pode tomar o poder a qualquer hora…
Sabe lá se foi por isso (acho que não) mas os 11 ministros que julgaram o Lula acabaram decidindo que no caso dele não tinha jeito mesmo. É cadeia. E o juiz aqui de Curitiba – o Sergio Moro, talvez vocês ouçam falar dele também – não deu nem tempo para respirar: mandou prender o homem.
E aí é que está. A gente tem problema em viver junto. Porque a gente entende o mundo de um jeito diferente. E cada um acha que tem sempre razão. E tem gente que quer logo passar por cima de quem pensa diferente.
Os lulistas disseram que iam fazer cordão humano para não entregar seu líder. Os antilulistas soltaram fogos e comemoraram ver o inimigo lascado, sem ter pra onde correr.
O pai não fez nem uma coisa nem outra. Só ficou preocupado. Porque ele não acha que sabe de tudo. E acho que vocês não devem pensar nunca que sabem de tudo também.
O Lula foi um sujeito imenso na história do país. Eu nunca vi tanta gente feliz na vida quanto na primeira eleição que ele ganhou. Pelo menos não com política. Só dava para comparar com final de Copa do Mundo. Gente buzinando, soltando rojão, feliz da vida.
E nos dois governos dele as coisas foram bem mesmo. Tinha emprego, inflação baixa, e principalmente a desigualdade (o grande problema do país) diminuiu. O problema é que depois ele, pelo jeito, achou que podia tudo… E começaram a aparecer os podres.
Olhando daqui eu não sei dizer exatamente aonde isso tudo vai levar o país. Se o Lula vai passar para a história como bandido ou injustiçado. Se vai ficar preso o resto da vida ou não. Se a direita vai nadar de braçada e ganhar todas as eleições, como quase sempre ganhou.
O que eu sei é que eu descobri que esse nosso país é mais frágil do que eu pensava. De um dia para o outro, eu me vi em 1964, vivendo o que os avós de vocês viveram. E me afligi de pensar que seria esse o país que a gente poderia deixar para vocês.
Prometo tentar evitar isso. Se jornalismo, a profissão dos pais de vocês, serve para alguma coisa, é para ajudar as coisas a funcionarem bem. Se eu insisto ainda nessa profissão é só por isso. No fundo, é por vocês três.
Beijos,
Pai