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Crônica de uma viagem dos deputados no ônibus do choque
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Foto: Carolina Pompeo/Gazeta do Povo.

“O único jeito de vocês chegarem lá e eu garantir a segurança, a vida de vocês é assim.” A frase partiu do secretário de Segurança Pública, Fernando Francischini (SD). Era a primeira de várias frases fortes que ele pronunciaria naquela quinta-feira, que ficaria marcada como um dos dias mais tensos da história da política paranaense. Quem ouvia Francischini eram pouco mais de 30 deputados. O cenário é o Chapéu Pensador, uma sede alternativa do governo do estado, dentro do Bosque da Copel, no Bigorrilho. É pouco depois da hora do almoço.

Os deputados estavam por lá desde o fim da manhã. Foram convocados pelos grupos de Whatsapp, para uma reunião com o governador Beto Richa (PSDB), que desde o início da crise estava em uma espécie de autoexílio no Chapéu Pensador junto com alguns de seus principais assessores. A crise havia se acentuado na terça-feira, com a ocupação do plenário da Assembleia Legislativa – professores e sindicalistas revoltados com a possibilidade de votação ultrarrápida de um pacote de medidas de cortes de gastos tomaram a Casa e impediram a aprovação das propostas.

No Chapéu Pensador, Richa disse mais uma vez que aprovar as medidas era uma necessidade para aliviar o caixa do estado, que estava e está à míngua. A base tinha sido reduzida sensivelmente: dos 48 governistas, agora a Casa Civil só podia contar com 34 votos firmes na votação. Desses, nem todos estavam no Chapéu Pensador. Alguns, como Elio Rusch (DEM), estavam presos dentro da Assembleia. Os que sobraram tinham que decidir como entrar na Assembleia para fazer a votação. Foi aí que Francischini apareceu com sua proposta: um ônibus do choque.

O blog ouviu oito pessoas que estavam nas reuniões ou dentro do ônibus. Eles contam que havia uma outra possibilidade sobre a mesa – o uso de vans comuns, sem insulfilme. Mas havia um problema. Os manifestantes, que cercavam a Assembleia, conheciam o rosto de cada um dos deputados que anunciaram voto a favor do governo. Havia medo de que as vans fossem atacadas ao chegar ao Centro Cívico. O consenso foi pelo caminhão do choque.

“Foi uma ideia horrível”, diz um deputado pensando em retrospectiva. “Mas era a única maneira de garantir a nossa segurança. O Francischini garantiu isso. E realmente, se a gente tivesse ido de van, não sei o que ia acontecer”. Quase todas as declarações sobre o tema foram dadas sob cláusula de confidencialidade. Quando o blog começou a ligar para os deputados, a informação correu entre eles e teria surgido uma espécie de pacto – o que aconteceu no camburão fica no camburão. Aliás, eles fazem questão de lembrar que não se tratava de um camburão, mas de um ônibus da tropa de choque.

Dois deputados teriam se recusado a entrar no ônibus: Cobra Repórter (PSC) e Luiz Carlos Martins (PSD). “Achei meio deprimente entrar naquele ônibus. Parece coisa de regime de exceção”, diz Luiz Carlos Martins, que foi no carro do chefe da Casa Civil, Eduardo Sciarra, seu correligionário. Cobra Repórter conta que foi em seu carro, logo atrás do ônibus. “Entendo que estavam pensando na nossa segurança. Mas me senti mal de entrar no ônibus”, diz Cobra Repórter.

A viagem, na maior parte do tempo, foi tranquila. Mas o ônibus estava absolutamente superlotado. As versões sobre quem estava ou não estava no ônibus, inclusive, variam, porque ninguém tinha uma visão geral. Cada um só conseguia ver e ouvir os mais próximos. Os poucos lugares sentados foram usados pelas deputadas e mais alguns felizardos. Os outros foram de pé, apertados como quem viaja num coletivo lotado para ir ao trabalho às sete da manhã – certamente uma experiência pouco usual para a maioria dos parlamentares.

A tensão maior começou perto da Assembleia. Eles sabiam que era ali que estava a chance de confronto. O plano estava dando certo: as grades foram cortadas em um ponto onde não havia tantos manifestantes. Mas um dos manifestantes, assim que viu o ônibus se aproximar, correu e se deitou à frente dos pneus. Os deputados estavam a dez metros do falso portão aberto à força, mas a ideia era chegar mais perto. A polícia fazia isolamento do carro até a grade – mas ninguém tinha coragem ainda de descer.

Os deputados se dividiram. Acostumados a tomar decisões com calma, em plenário, dessa vez davam palpites desconexos sobre o que fazer, e tentavam se fazer ouvir pelo motorista. “Recua, volta!” “Não vai dar!” “Não tem como ir para trás!” E enquanto isso alguns manifestantes que tinham conseguido chegar ao local começaram a bater na lataria. Vários deputados ouvidos pelo blog acharam que eles iriam conseguir virar o ônibus.

“Essa foi a hora mais tensa”, diz um deles. “Nenhum de nós teve a lucidez de prever que era isso que esperava a gente. Se tivesse imaginado, ninguém teria entrado naquele ônibus.” “O que a gente sentiu foi cagaço”, diz outro. Primeiro, veio um silêncio absoluto dentro do ônibus. Depois, começaram a surgir vozes, algumas demonstrando todo o medo da situação. As mulheres gritavam mais. Os homens, talvez com medo de serem vistos amedrontados, tentavam se controlar. Mas houve quem confessasse ao blog que achava que ia morrer.

De dentro do ônibus, os deputados gritavam que a polícia não estava agindo para tirar o sujeito da frente do ônibus. Nessa hora, o secretário de Segurança, Fernando Francischini, desceu e, pessoalmente, tirou-o de lá. Depois disso, vários deputados elogiaram muito o secretário. “Ele foi muito parceiro”, diz um deles.

Depois disso o ônibus teria andado, no máximo, mais alguns metros. E todos receberam a ordem de descer. “Nessa hora a gente nem sabia onde estava o portão. Era um caminho curto. Mas deu muito medo”, disse uma entrevistada. “Tinham jogado de tudo na gente. Garrafa, pedra”, diz outro. No fim, todos conseguiram passar pela grade, até os que vinham nos carros logo atrás.

Chegar na Assembleia, no entanto, como eles bem sabiam – e como ficaria provado mais tarde, com a tentativa de invasão do prédio onde ocorreu a sessão – não significava estar em segurança. “Desde aquela hora o nosso medo era a saída”, diz um deputado de primeiro mandato. “Como íamos sair dali depois de votar os projetos?” Embora todos tenham consentido em entrar no ônibus, muitos visivelmente se arrependeram. “A gente tinha que ir. Tinha que votar. Mas foi lamentável o que nós vivemos.”

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