A plateia na Santos Andrade nem de longe lembrava a dos maiores comícios de Lula na cidade. Há mais de uma década acompanho os discursos do ex-presidente na cidade. Talvez tenha sido um dos eventos com menos gente. Teve a chuva, claro, que afastou o povo.
Mas os de sempre estavam lá: os estudantes sentados na escadaria, amontoados. Os náufragos que se aglomeram em torno de centrais sindicais, MST e outras tábuas de salvação em meio à praça. E os militantes com suas bandeiras e faixas. No total, talvez, umas três mil pessoas. Para um sujeito que, imagina-se, ainda tem trinta milhões de votos, é pouco.
No entorno, o silêncio. Os prédios em volta da Santos Andrade têm janelas fechadas e escuras, em protesto. A senadora Gleisi reclamará que os que puseram bandeiras do Brasil na janela querem se apropriar do país, que também é da multidão ali fora. Em resposta, haverá fogos de artifício. E, literalmente, três pessoas batendo panelas.
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O evento é mal programado. A multidão de devotos passou o dia na praça, na chuva, esperando Lula. Só quer ver Lula. Quer ouvi-lo. Mas o presidente demora. E enquanto isso vêm discursos e mais discursos. Chatíssimos, pouco representativos. Quase se ouve o gigante bocejo coletivo.
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Quando Lula finalmente chega, a plateia se acende. É como se um Beatle subisse ao palco depois de intermináveis bandas locais de abertura. Ele tem uma criança ao colo. E de novo o protocolo lança o evento no abismo. Cantam-se canções, leem-se poemas, não há ritmo, uma tragédia que começa a incomodar mesmo os mais fiéis beatos.
E, pior, não é Lula quem fala. Começa agora uma infinita procissão de seguidores do presidente – mas agora os de alto escalão.
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Alguns têm nitidamente a admiração da plateia. Como Dilma, que com sua fala sempre arrevesada, de uma sintaxe absurdamente confusa, consegue arrancar aplausos e cantos. Como Requião, que faz um discurso bonito, o melhor da noite, sobre o golpe, e ouve aplausos sinceros. Como João Pedro Stédile, um orador sempre capaz de levantar a plateia.
Mas são tantos os discursos que uma hora a multidão se rebela. Só quer Lula. Por favor, deixem o Lula falar. Quando anunciam o senador Capiberibe, do Amapá, é demais. Ninguém mais aguenta. Gleisi contém a fúria dizendo que, por favor, é importante para a democracia esse ato suprapartidário. É importante para Lula. Bom, se é importante para o Lula, ouçamos o homem do Amapá…
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E ainda há dois presidenciáveis antes de Lula. Manuela d’Ávila, que arranjou tempo para bolar uma bela camiseta (Nossas ideias são à prova de bala) mas não para bolar um discurso que prestasse. E Guilherme Boulos, que levantou o pessoal do PSol, mas ainda não se mostra o sucessor de Lula no palanque que alguns imaginam que ele possa ser.
E aí vem Lula.
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É triste, em certo sentido, ver e ouvir o ex-presidente. Septuagenário, está gasto. A voz, depois do câncer de garganta, falha, e muito. A inspiração não vem. O discurso é chato. Mas ele ainda domina o palco.
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E antes de mais nada diz que não vai permitir que o cerimonial corte a fala de uma moça quilombola que veio de Guarapuava só para dar o seu recado. Abraça a negra Isabela e lhe cede tempo de microfone. Eis o Lula profissional em ganhar o público.
E a moça fala bem. E parece que as coisas vão engrenar.
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Mas não. Lula faz um resumo de sua caravana. Longo demais, desnecessário. Todos ali já sabiam o que tinha acontecido. E apesar de toda a boa vontade da plateia, parece que todos percebem que não é a noite dele. Eles querem Lula de novo. Cantaram e gritaram. Mas não conseguem demonstrar toda a empolgação de outros dias, de outros tempos.
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Lula fala contra a Globo. Contra os Estados Unidos. Contra o MBL. Diz que se recusa a dizer o nome de Bolsonaro. Ataca a direita. E em seus ataques é aplaudido. Destila bile contra Dallagnol, Sérgio Moro e o TRF. Nem uma palavra sobre o Supremo, de quem depende sua liberdade.
Há um ou outro momento inspirado. Como quando diz que ligou para Obama, em 2008, oferecendo a solução para a crise. “Vocês não têm o BNDES? O Banco do Brasil? A Caixa Econômica? Porra, Obama, vamos criar. Porque todo mundo sabe que foi usando os bancos públicos que eu tirei a economia do Brasil do buraco.”
Mas o que o povo mais aplaude é quando Lula diz que não adianta prendê-lo. Porque “quando eu não puder mais andar por esse país fazendo política, vou andar pelas pernas de vocês”. É o que eles querem: seu líder dando ordens e dizendo que tudo dará certo.
A melhor frase da noite sobre isso, no entanto, veio de Requião. “Há uma verdade absoluta: é impossível encarcerar a esperança de um povo”.
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Na semana que vem, o STF decide se é ou não possível encarcerar Lula. Para aquelas pessoas, e para mais 30 milhões de brasileiros, o resultado pode ser um baque. Lula, para eles, ainda é, apesar de tudo, sua esperança.
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