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Esqueça a Lava Jato: a elite brasileira continua se protegendo
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A poeta americana Elizabeth Bishop, que morou no Brasil, se espantava com o tamanho da nossa elite: devia ser muito pequena, porque todo mundo se conhecia. Claro que nem todos se conhecem, mas é impressionante como há um sentimento de pertencimento.

Autoridades especializadas em segurança pública dizem que um dos motivos que levam policiais a atirarem nas pessoas é o fato de não conhecê-las: se fossem mais atuantes no bairro, saberiam que aquele é o Zequinha, e que apesar de estar com uma arma podem tentar lidar com a situação.

Por se conhecerem e por terem esse sentimento de pertencimento, os membros da elite brasileira parecem ter essa ideia de que devem se proteger: e é a elite que faz os julgamentos no país, tanto criminais quanto todos os outros.

Um dos motivos para não haver tantos ricos presos (quase nenhum até pouquíssimo tempo) não é o advogado bom do rico. É o fato de que o julgamento já começa entre pares, e não entre alguém numa torre de marfim e outro que usa chinelo de dedo.

No julgamento de Ezequias Moreira, nesta semana, um dos desembargadores responsáveis por decidir a pena do corrupto confesso foi Miguel Kfouri, ex-presidente do TJ. Visto como boa praça, o juiz tascou uma sentença lapidar: “Justiça criminal sem misericórdia não é justiça”.

Ora: é evidente que cabe ao juiz não só ver a letra fria da lei. Mas será que essa misericórdia se aplica igualmente a todos os cidadãos? E não estou nem falando de Kfouri, um desembargador que em geral não julga casos criminais. Mas e os demais juízes – será que mostram essa misericórdia com outros réus?

Recentemente o STF quase se negou a interromper o processo contra uma mulher que furtou um desodorante e um chiclete, no valor de R$ 42, porque ela já tinha feito outros crimes parecidos. A decisão acabou em 3 a 2.

A misericórdia também atuou em favor de Adriana Ancelmo quando o juiz Marcelo Bretas, com fama de durão mandou a ex-primeira-dama do Rio cumprir prisão domiciliar porque em Bangu ela não podia cuidar da educação dos filhos. Mas não atuou no caso de centenas de outras presas em condições bem piores.

Muito mais do que a moça que furtou o desodorante, Adriana sabia o que fazia e parece ter cometido crimes repetidas vezes: mas não com chicletes, e sim com joias que custam centenas de milhares de reais. Isso não seria comportamento repetido, reincidente?

Misericórdia tem origem na palavra “coração”. Assim como “cordial”. O conselheiro do Tribunal de Contas paranaense Artagão de Mattos Leão defendeu, num exemplo clássico do “brasileiro cordial”, que não se reprovassem as contas de Requião e Pessuti de 2010, apesar de todos os problemas, porque era necessário haver um coração debaixo da toga.

Essa mesma cordialidade não opera no caso de pequenos prefeitos. Que dirá de cidadãos com as contas atrasadas, protestados e processados aos milhares em todo o país.

Ezequias está no governo. Adriana Ancelmo está em casa. Requião está com as contas aprovadas. E apesar da Lava Jato, ser rico e influente continua sendo o melhor modo de participar de um clube com certos direitos – entre eles o direito de ser considerado inocente, mesmo quando há prova em contrário.

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