O que a prefeitura de Curitiba fez com a população de rua nesta madrugada é o retrato de uma sociedade higienista. Moradores de rua foram acordados da madrugada por guardas armados, tiveram seus pertences retirados à força e, segundo relatos, foram intimidados a sair de onde estavam.
A operação aconteceu, como ironia extra, no dia em que se celebram os direitos da população de rua. Para deixar claro como as coisas são feitas na República de Curitiba, nenhum direito foi respeitado. Os guardas sequer estavam acompanhados de assistentes sociais. Nenhuma solidariedade, apenas força bruta.
A ideia de retirar os pobres da rua à força chegou a ser cogitada pela Abrabar ano passado. A prefeitura, na gestão Fruet, bateu de frente com os empresários: não adotaria táticas higienistas nem romperia com a lei. O assunto morreu por um tempo. Mas Greca assumiu.
Durante toda a campanha, o novo prefeito flertou com medidas mais drásticas. Aqui e ali dava pistas de que o direito de permanecer na rua não era assim tão incontestável e que havia contrapontos. Sem contar a fala tenebrosa do vômito com o cheiro de pobres…
Assim que chegou ao poder, Greca tirou um guarda-volumes dos moradores de rua da Praça Osório para que eles não se misturassem com o resto da população. Falou em reabrir a sucursal do inferno que era o mega-abrigo na Conselheiro Laurindo. E em reativar o depósito que era a Fazenda Solidariedade, uma espécie de campo de trabalho antes mantido em Campo Magro, onde os pobres pelo menos não incomodavam os olhos e o nariz do prefeito.
Agora a coisa passou do limite. A Igreja, que Greca tanto diz respeitar, falou isso. A Defensoria Pública disse isso. O Ministério Público está revoltado. E têm razão. Basta. Não se pode deixar que se retirem direitos das pessoas só por serem pobres.
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O depoimento da representante da FAS sobre o tema ao repórter Eriksson Denk deveria ser suficiente para removê-la do cargo imediatamente. Diz ela que a ação da Guarda foi necessária porque o perfil dos moradores de rua mudou, com gente se infiltrando para traficar drogas. Haveria relato de crimes e até de gente fazendo sexo diante de lojas, afirmou Maria Alice Erthal.
Como pode uma pessoa responsável pela assistência social acreditar que relatos de crimes são suficientes para transformar toda uma população em suspeita? Há crimes praticados por moradores de rua? Evidente! Assim como há crimes praticados por vereadores. E não consta que a Guarda Municipal esteja sendo mobilizada para ocupar a Câmara e botar os 38 vereadores contra a parede, fazer revista neles e tirar seus pertences.
Há crimes na prefeitura. Há crimes no mercado financeiro. Há crimes em todos os 75 bairros de Curitiba. Mas uma chefe da FAS, que está lá para atender a população de rua acha que a gente que está seus cuidados deve mesmo ser acordada por autoridades policiais armadas porque houve relato de uma cena de sexo. As 1,7 mil pessoas em situação de rua devem responder por isso diariamente.
Por que não ir apenas atrás de quem cometeu os crimes? Supondo que haja sentido (e não há) nessa ideia de alguém ir morar na rua para traficar em paz, por que não ir atrás só dessas pessoas? Por que dá trabalho?
Ou seria somente porque isso dá pretexto para acabar com o “incômodo” que essas pessoas causam a quem vomita com cheiro de pobre?
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