Nenhum artista ou intelectual sério apoia Jair Bolsonaro (PSL). Pelo contrário: com poucas exceções, estão todos em campanha contra ele. Faz sentido, já que a extrema direita (assim como a extrema esquerda) é anti-intelectual e contrária à própria ideia de cultura.
A própria campanha de Bolsonaro vem dando mostras disso. Quando não é o próprio candidato, são seus asseclas e os grupos (agora sabemos pagos de que jeito) que ficam o tempo todo fazendo discursos contra livros, artistas, intelectuais e contra a cultura em geral.
É sintomático, por exemplo, que um dos principais alvos dos bolsonaristas na Internet sejam os intelectuais de várias matizes e áreas que se posicionam contra o candidato. Sempre que alguém dá a cara a tapa – e não tem sido fácil, diante de tanto ódio – aparecem milhares de vozes (humanas e robóticas) falando na “mamata” da Lei Rouanet.
A classe artística estaria contra Bolsonaro porque ele estaria prestes a desmontar um esquema de mordomias com verba pública que irriga, nesta narrativa falsa, um bando de bajuladores do petismo. Mera bobagem, claro, que tem muito mais a ver com o fato de um programa sectário e autoritário ter dificuldade para garantir apoio de eleitores letrados.
Não é à toa que a Rouanet virou alvo. E nesta semana, o jornalista Ancelmo Góis, de O Globo, revelou que também o dinheiro da Lei do Audiovisual, que mantém o cinema brasileiro funcionando, deve ir para o espaço, a depender da vontade do senhor Paulo Guedes.
O Brasil, sem apoio institucional, obviamente se tornará um país menos culto, menos letrado, perderá espaço na indústria do cinema, perderá empregos. Sem leis de incentivo, teremos menos livros, menos arte, menos cultura. E, por estranho que pareça, o plano é esse mesmo.
O discurso de que só deve se sustentar quem tiver apoio do mercado é um pretexto. Se garante assim quem faz novelões comerciais ou vende Dan Brown, Augusto Cury. Se sustentam assim o sertanejo e o axé. Mas as orquestras, os livros de arte, a pesquisa histórica – quem bancará?
Os governos extremistas têm como característica básica desmerecer o debate público. Professores são acusados de problematizar demais o país – e são chamados de comunistas, de doutrinadores. A universidade é descrita como um antro de criadores de caso e preguiçosos.
Nos regimes mais duros (tanto à esquerda quanto à direita) a coisa vai mais longe. No caso extremo do comunismo, Pol Pot mandava matar pessoas meramente por terem ensino superior – o que as tornava distantes da ideia de “povo” do Khmer Vermelho.
Na extrema direita, o nazismo viu com bons olhos a iniciativa popular (e Goebbels incentivou até onde pôde) a queima de livros em praça pública, já em 1933. Segundo Anders Rydell, autor do belo “Ladrões de Livros”, não que se tratasse de bárbaros incultos: a ideia era controlar a narrativa.
Tanto de um lado quanto de outro, há a ideia disseminada de obras de arte degeneradas. Bate-se na tecla de que a cultura estaria trabalhando contra as tradições, a família (concebida de algum modo conservador, como sempre calha aos governos autoritários), contra o próprio país.
No Brasil recente, vimos dezenas de exemplos disso. Exposições sendo alvo de discursos radicais, livros sendo retirados de bibliotecas, boicotes etc. Ainda não chegamos às piras de livros. Mas como já vemos gente apanhando e sendo assassinada aos gritos de “Bolsonaro”, não parece faltar muito para isso também.