No mesmo dia em que publiquei aqui e na versão impressa do jornal um texto sobre meritocracia, saiu em O Globo uma reportagem mostrando que a vasta maioria dos brasileiros que melhoraram de vida, subindo para a Classe C, nos últimos anos, não considera que isso se deve ao governo. Só 9% dizem que Brasília teve algo a ver com isso. Para 89%, o mérito de ascender na vida foi deles.
Concordo com eles e com quem mais defende a tese: em grande medida, os entrevistados do Data Popular (instituto que deu base para a matéria de O Globo) têm razão. Foram eles que remaram, foram eles que se esforçaram. Mérito? Sim, nesse sentido não há dúvidas.
Mesmo porque, os incentivos que o governo cria não são suficientes para resolver a vida de ninguém (exceto de um ou outro apaniguado em cargos comissionados, mas essa é outra história). O que o governo pode fazer, basicamente, são duas coisas. Primeiro, criar um ambiente favorável para o desenvolvimento de cada um (com crescimento econômico, contenção de inflação, infraestrutura, criação de empregos…). Segundo, dando uma força para o pessoal que ficou para trás (muitas vezes sem culpa alguma) para que eles não fiquem em eterna desvantagem.
Nos dois casos, não se trata de algo suficiente para resolver a vida de alguém. Tem emprego? Mas precisa ir atrás. Tem mais vaga na universidade? Mas precisa estudar. Tem Bolsa Família? Mas ninguém se sustenta com uma bolsa de R$ 77 por mês (não importa o que o pessoal diga no Facebook…)
Portanto, sim: cada um rema por conta própria, e merece o crédito por ter chegado a algum lugar. O que o governo pode fazer é criar uma maré favorável. (E ninguém há de negar que é mais fácil “remar” na Suécia do que no Haiti, para ficar no exemplo pertinente de nossos dias).
O problema, porém, de pôr tudo na conta das pessoas (e tirar a parte do governo, ou o ambiente) é que muitas vezes isso esconde um fato perverso: o de que, quando o cenário é negativo, por mais que você nade, não chega a lugar algum, muitas vezes. E, igualmente grave, faz crer que, se o sujeito consegue as coisas sempre e unicamente por esforço próprio, quando não consegue é unica e exclusivamente pela ausência desse empenho. O que não é verdade. Mas é uma marca que cola.
Não é só no Brasil que quem fica para trás, e precisa de Bolsa Família, por exemplo, é chamado de vagabundo. Um estudo do Pew Research, por exemplo, divulgado pelo New York Times, mostra que 39% dos americanos que votam no Partido Republicano acham que os pobres trabalham menos duro, e por isso não vão para a frente.
O Washington Post divulgou o mesmo estudo com uma faceta internacional. Publicou uma tabela mostrando qual a porcentagem em cada país de pessoas que acham que pobre é mesmo preguiçoso. Na Nicarágua, o índice chegou a 31%. Nos Estados Unidos, foi de 24%. O Brasil teve 10% de respostas do gênero.
Concluindo: dizer que o mérito é só do indivíduo traz o risco de dizer que, se o sujeito não tem aquilo de que precisa, a culpa é exclusivamente dele. E isso, claro, não faz muito sentido.