A ida de Sergio Moro para o governo de Jair Bolsonaro (PSL) é um daqueles eventos que talvez fiquem mais bem comentados com um emoji. Aquele do rostinho amarelo com a boca aberta de espanto. Ou aquele outro de uma pessoa batendo com a mão na testa de descrença.
Dependendo da sua bolha, sua timeline das redes sociais nesta quinta será inundada de uma maneira diferente. Se você votou em Bolsonaro, provavelmente receberá memes e mais meses somando “o mito ao juiz”. Glórias e loas, o país está mesmo rumando para o fim da corrupção.
Se você está do outro lado, o discurso é igualmente previsível. E preocupantemente verossímil. A entrada do juiz da Lava Jato em um governo de direita, que se elegeu exatamente contra o PT de Lula, renova e reforça a narrativa de que toda a operação tinha viés político – e um objetivo inconfessável.
Como sempre acontece neste país, a guerra de narrativas será forte. Uma delas parece muito ingênua. A outra, catastrofista demais. Mas o diabo é que ambas convencerão seus convertidos e só acirrarão o clima de divisão política do país.
Do ponto de vista da Lava Jato, certamente a decisão é um desastre. O próprio Moro, na nota que mandou à imprensa, já avisou que n em fará mais audiências. Com que cara interrogaria Lula no próximo dia 14? Sabendo que tirou-o de uma eleição quase ganha para assumir como ministro do segundo colocado nas pesquisas.
É fato que, sem Moro, sem a Lava Jato, não haveria governo Bolsonaro. Antes da saída de cena, por determinação jurídica, Luiz Inácio tinha cerca de 40% das intenções de voto, o dobro do distante segundo colocado, hoje presidente eleito.
Lula só não pôde ser candidato porque Moro o condenou num processo em que pelo menos metade dos juristas considera a sentença insustentável. Mas há mais: não fosse Moro, também não haveria a prisão depois da segunda instância, sem que o caso tenha tramitado em julgado.
Sem a comoção causada pela Lava Jato, o TRF-4, numa turma liderada por um amigo de Moro, também não teria passado o caso na frente de tantos outros, julgando tudo estranhamente a tempo de Lula não poder concorrer.
E, se concorresse, haveria ainda o fato de o juiz ter liberado gravação ilegal do ex-presidente falando com Dilma Rousseff que contaminou completamente o processo. Assim como contaminou também a desnecessária condução coercitiva, logo depois determinada ilegal, de Lula para um depoimento a que ele sequer tinha faltado.
A Lava Jato fez coisas importantes pelo país. O açodamento de Moro, porém, bota tudo em perigo por sua visível vontade de chegar a Lula o quanto antes e, agora, de se tornar ministro de um governo de ultradireita. O final da história podia não ser evidente lá atrás. Mas, vendo em retrospecto, faz todo o sentido.