O Nobel da Paz para a menina Malala não é apenas uma homenagem a essa brava moça que teve a coragem que quase nenhum de nós tem de enfrentar as coisas quando elas são mais difíceis. Quem de nós tem a coragem de expor sua própria vida em defesa do que acredita? Ela teve. Pagou o preço e segue firme em sua jornada.
O Nobel de Malala também não é somente uma defesa do direito à educação para as mulheres. Em países como o Paquistão, de onde ela vem, e em outras regiões do mundo, essa pode ser a principal mensagem imediata: você não tem o direito de excluir as pessoas com base em gênero (ou em qualquer outra característica nata), isso é absolutamente inaceitável.
(No livro que conta a vida dela, mostra-se um mufti que tentou impedir as meninas de ir à escola com base no argumento terível de que as mulheres são tão sagradas que não podem ser expostas ao mundo como ele é. Um preconceito disfarçado de elogio comum mesmo em nossas terras.)
O Nobel de Malala é uma defesa importante do direito à educação e dos direitos das mulheres. Em um sentido amplo, é uma reafirmação dos direitos das “minorias” (que obviamente nem sempre são minoritárias), dos excluídos, dos que não têm seus direitos garantidos. Mas é ainda mais.
O Nobel para Malala é um alerta para o perigo que representa a mistura de religião e política, a estranha combinação que se tornou tão terrível sob o Talibã durante seu período mais forte no Paquistão e no Afeganistão. Que hoje tem um símbolo ainda mais forte e mais terrível no Estado Islâmico. E que não nos é assim tão estranho.
No Brasil, nos últimos anos, tem sido recorrente um certo discurso que tenta limitar ou cercear direitos com base no que diz uma ou outra religião. Evoca-se uma tradição nacional, mais do que um livro sagrado, na tentativa de se dizer que não se trata de violação ao Estado laico. Mas no fundo o que se quer é a garantia da prevalência de uma visão religiosa sobre outras (não-religiosas ou neutras).
Como não se chegou ao ponto de termos um Talibã, talvez o sinal de alerta pareça distante para nós. Mas no limite é esse o risco que se corre quando as coisas não ficam devidamente isoladas uma da outra.
John Rawls, o grande filósofo da democracia no século 20, nos alertava: você pode crer no que quiser e defender seus valores sem deixar de ser um democrata. Mas não pode dizer que algo deve ser assim simplesmente porque “Deus quer” ou porque “a Bíblia diz”. É preciso usar argumentos laicos, capazes de ser ser discutidos com base em argumentos racionais, e não de fé. De outro jeito, caímos no risco da intolerância e do fanatismo. Do fundamentalismo.
Malala é um símbolo universal porque sua luta, meus caros, tem a ver com todos nós.