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“Omofobia” mostra como certos conservadores são radicais na repressão à mulher

A tal “ideologia de gênero”, como toda entidade imaginária, é meio difícil de definir. Ninguém viu um dragão até hoje, por isso as descrições do bicho podem variar. O mesmo acontece com elfos, fadas e coisas do gênero.

Como nenhum sociólogo, filósofo ou detetive particular parece ter escrito um texto confiável definindo isso (muito pelo contrário, os teóricos que se prezam em geral nem sequer admitem a existência da coisa – de novo, mais ou menos como no caso dos dragões), fica no ar a dúvida sobre que bicho é esse.

Em geral, o que se fala é que a temida ideologia de gênero seria uma tentativa de esquerdistas descompromissados com a verdade biológica de doutrinar as crianças para que elas não levem em conta os fatos pré-estabelecidos sobre seu sexo.

Ou seja: ao invés de ensinar que meninos são meninos e meninas são meninas e que portanto devem agir como tal, seguindo padrões definidos (não pela cultura, mas por uma verdade universal não ideológica e inquestionável), esses ideólogos estariam deturpando tudo.

A descrição mais normal, parece, é a de um vale tudo. Cada um pode ser o que quiser, joga-se tudo o que se sabe sobre cromossomos no lixo e instaura-se a anarquia – assim, acaba a família e o comunismo está implantado – vamos todos para o bar!

Trata-se, pelo que se entendia, pelo menos, de comportamento sexual. De heterossexualidade sendo substituída por outras orientações (e do caos que os contraideólogos, aqueles que conhecem a verdade universal, têm certeza que se segue).

Mas por esses dias, o debate sobre uma propaganda de sabão em pó (!?) nos iluminou um pouco mais. Porque eis os tempos em que nos encontramos: os debates giram em torno de fatos relevantíssimos de nossa sociedade, como o que nos diz o vendedor de lava roupas.

A marca Omo, líder de mercado, preparou para o dia das crianças um anúncio dizendo que o importante era a criançada se divertir. E que o melhor era deixar disso de “brinquedo de menino” e “brinquedo de menina”. O importante era a piazada correr e sair feliz.

Em minha ingenuidade, jamais imaginei que isso, por si só, seria capaz de levar ao final a civilização judaico-cristã, levando ao solo não só nossos valores morais e a religião, como, num efeito dominó, pondo fim à ciência, à família, às Nações Unidas e à vontade de viver.

Criou-se, na palavra de Rodrigo Constantino, blogueiro desta Gazeta, uma “omofobia”. Gente dizendo que o sabão havia aderido à maligna ideologia – que ideia era essa de nos ensinar a cuidar dos nosso filhos? E por que jogar fora a cultura de meninas brincarem só de bonecas? O QUE QUEREM ESSAS PESSOAS ENSINANDO NOSSAS FILHAS A BRINCAR DE CARRINHO!

Por sorte, o alerta parece ter salvado nosso mundo (temporariamente) do Armagedom. As meninas seguirão embalando suas Barbies, inocentemente, sem jamais encostar num diabólico Hot Wheels. E o menino que tocar numa boneca continuará sendo amaldiçoado pelas famílias de bem.

No fim, então, não tinha só a ver com sexo: no sentido de atividade sexual. O que queriam os “conservadores” (e as aspas vão aqui para lembrar que muitas vezes são falsos conservadores, e certamente não os melhores, mais bem informados, que pensam assim) era muito mais. Era manter uma divisão de sexos que inclui até os comportamentos mais comezinhos da vida humana.

É um antifeminismo radical, e um machismo igualmente poderoso. Aos homens cabe tudo que ficar fora de casa: jamais brincar de casinha, que torna a “criança viada” (para falar de outro trauma recente da vida nacional). E as mulheres, convenhamos, devem se preparar para a única coisa que presta: ser mães. Porque senão isso aqui vai virar uma zorra.

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