Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo

Os muito machistas que me perdoem, mas respeito é fundamental

Pouco tempo atrás, ainda era possível que um dos principais intelectuais do país fosse festejado por dizer que as muito feias precisavam perdoá-lo: a beleza era fundamental. Vinícius, um sujeito indubitavelmente culto e sábio, podia se dar a esse luxo, de considerar as mulheres como uma categoria humana que só vale se tiver beleza.

Hoje, isso seria impensável. Pelo menos nos círculos para os quais Vinícius escrevia. O poeta seria abominado, e ainda bem. Porque os muito machistas que me perdoem, mas respeito é fundamental.

As mulheres que participaram do protesto no Globo de Ouro contra o assédio dos poderosos de Hollywood são vítimas de uma das piores espécies de macho: o que usa do poder corporativo para conseguir sexo.

Hollywood, em certo sentido, é símbolo das duas pontas do problema. Por um lado, objetifica a mulher como nenhum outro lugar. As atrizes são sempre jovens, belas, com pernas e curvas perfeitas. Na maior parte dos casos, estrelam enquanto são bonitas e são descartadas ao chegar a uma certa idade.

Por outro lado, Hollywood também tem seu lado progressistas. George Clooney, no melhor discurso de recepção de Oscar até hoje, falou disso ao comentar os filmes pelos quais fora indicado naquele ano. Um sobre a indústria do petróleo. Outro sobre o macarthismo. Disse ter orgulho de fazer parte de uma indústria que defende avanços sociais quando boa parte da sociedade ainda demonstra preconceitos.

Hollywood, com todos os seus problemas, tem tratado de temas importantes como a questão dos negros, o antissemitismo e, sim, a situação das mulheres.

E, principalmente, em 2017, por vias indiretas, deu voz a um sentimento quase universal das mulheres – o de que elas não podem mais estar sujeitas a testes de sofá e a assédios para poder simplesmente exercer sua profissão.

As denúncias contra o magnata da Miramax e outros figurões da indústria deram origem a um movimento que se expandiu rapidamente nas redes sociais – e que, de certo modo, teve seu ápice na festa do Globo de Ouro.

A ensaísta Rebecca Solnit, em seu recente “A mãe de todas as perguntas”, fala sobre dois temas que têm muito a ver com o protesto. Um deles: uma série de episódios semelhantes de 2014, um ano que ela diz ter esperado a vida inteira, mas que finalmente chegou com denúncias contra esse tipo de assédio.

O segundo, que abre o livro, é sobre o silêncio.

O silêncio imposto às pessoas, a grupo de pessoas, é uma forma de mantê-las sob controle, de fazer com que elas não tenham direito à justiça, que sejam obrigadas a se submeter sem fazer escândalo àquilo que, dessa forma, acaba naturalizado.

Hollywood está rompendo o silêncio. É claro que muitos cínicos dirão que se trata apenas de marketing, de indústria. Bobagem: não é à toa que se pagam milhões para que aquelas mesmíssimas pessoas façam comerciais de produtos. As pessoas ouvem o que elas dizem.

Os muito cínicos que me perdoem, mas romper o silêncio é fundamental.

Siga o blog no Twitter.

Curta a página do Caixa Zero no Facebook.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros