O povo sempre foi um detalhe incômodo para boa parte da elite brasileira. Claro que você pode buscar raízes onde quiser, até no século dezesseis, com gente quebrando as costas para que os donos do negócio pudessem fazer comércio e enriquecer. No Brasil sempre foi assim: há quem lucra e há quem carrega pedra. E quem carrega a pedra não dá muito palpite.
Democracia, num país em que o povo é malvisto, sempre tem um problema. Em outras épocas, contornava-se isso na cara dura. Com o voto censitário, por exemplo. Quem não tem uma renda alta simplesmente não vota – e para ser eleito é preciso ter renda ainda mais alta. Resolvido.
No nosso país, voto universal é coisa recentíssima. Só em 1988 os analfabetos receberam o direito de poder votar (embora ainda não possam ser eleitos). Em 1963/4, uma das reformas de base que tanto irritou o pessoal de cima, a ponto de derrubar o presidente, era justamente dar o voto para todo mundo. Que horror.
A UDN, o partido da elite na época, achava que Jango estava apenas facilitando a vida do PTB ao garantir que os pobres tivessem direito de cidadania. O PTB não perderia uma, afinal era o partido dos mais pobres. Ou seja: para barrar um governo eleito por pobres (numa eleição em que o povo de fato teria voz), derrubou-se o presidente. E ninguém mais votou por 25 anos.
Inaceitável
Na volta da democracia, quando obviamente pegaria mal usar voto censitário ou outro esquema parecido, foi preciso ouvir – infelizmente – a voz de todos. Não que todo mundo tenha achado isso aceitável.
Quem não se lembra que recentemente um grupo de empresários pediu oficialmente que os beneficiados pelo Bolsa Família fossem impedidos de votar? Aliás, os programas de distribuição de renda eram vistos como inaceitáveis: se ficarem fazendo coisas pelos pobres, é claro que eles votarão neste governo! Onde já se viu?
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(Chegaram a falar em chantagem. Veja a que ponto chegamos: ouvir o lobby dos pobres é chantagem.)
Mas a coisa ficou feia mesmo quando o governo eleito pela população simplesmente se recusou a implantar o tipo de política que ops setores antes governantes achavam as mais adequadas. Um governo eleito por pobres vá lá. Mas que governe para os pobres? Só pode ser populismo. E isso não se pode admitir.
Temer, essa bênção
O governo Temer foi uma bênção para esse pessoal. Temer foi eleito, claro. Mas, como disse ele mesmo, para ser vice decorativo. Para garantir o apoio do PMDB fisiológico (bem sabemos o preço que o PT aceitou pagar). E mais nada.
Mas é evidente que Temer jamais se elegeria com o discurso que adotou. Com as Pontes para o Futuro. Com o anúncio de “medidas impopulares”. Com promessas de flexibilizar a CLT. Caso prometesse rever as regras da Previdência.
Um governo desse tipo é virtualmente inelegível. Aécio Neves, no começo de sua campanha em 2014, falou que o próximo presidente teria de tomar medidas amargas. Foi o que bastou.
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Mas Temer fez o que se queria dele. Tomou o poder na força do voto impopular e do dinheiro. E se aboletou na Presidência dizendo que foi Deus quem o colocou lá.
Escolhido por uma parcela menor da população – a Fiesp, que jamais aceita pagar o pato, à frente – Temer não precisa agradar o povo, esse enxerido que quer se aposentar e que acha bom ter leis trabalhistas. Quem ele precisa agradar? Os “mercados”.
É para o bem de vocês
Claro que, no discurso, ninguém vai se assumir “contra” o povo. O segredo está em dourar a pílula e dizer que o que parece ruim, o que soa mal, o que todo mundo sabe que vai doer é, na verdade, bom.
A elite que derrubou Dilma nunca achou ruim seus conluios, a corrupção, o fisiologismo. O duro era ver tudo isso sendo usado por um governo que lhe parecia espúrio. Te0mer utiliza as mesmas armas, é denunciado por coisas igualmente graves, mas os que batiam panelas silenciaram.
Agora o país está nas mãos certas. Pena que ano que vem tem eleição e esses enxeridos vão de novo às urnas. Mas, sabe-se como as coisas são. Para tudo neste mundo há um remédio.
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