A delação da Odebrecht revelou aquele que já era o segredo mais mal guardado do país: o de que a elite política de Brasília está e esteve a serviço da elite econômica e empresarial brasileira. Independente da cor partidária que assumisse o poder, esse poder era temporário. Quem tinha (e tem) o poder permanente é a Odebrecht – e são as outras empresas assemelhadas à Odebrecht.
Não é à toa que aparecem vários partidos na delação vazada da Odebrecht. Também não é à toa que são exatamente os partidos que detiveram o poder nos últimos anos. PT, PSDB e PMDB podem ser diferentes (e são) em outras coisas. Mas todos aceitaram a regra do jogo para chegar aos principais cargos da República: a regra de atender, antes de mais nada, o interesse de seus patrocinadores.
Em anos de ditadura militar, quando se sabia que o embaixador americano era a pessoa mais influente do país, havia uma piadinha que corria por aí: “Chega de intermediários, coloquem o embaixador na Presidência”. O mesmo poderia ser dito de Marcelo Odebrecht, até ele cair recentemente. Mas Odebrecht, claro, não era o único. Foi apenas aquele que caiu.
Os presidentes da República têm sido intermediários de muita gente. Não sejamos cínicos: são também, é evidente, intermediários dos interesses da população. Mas devem, a todo momento, equilibrar isso com o atendimento ao interesse de outros interesses. Os interesses de quem faz obras públicas bilionárias, por exemplo.
Em 2002, o PT chegou à Presidência pela primeira vez depois de assinar um documento famoso, a “Carta aos Brasileiros”. Nela o partido abria mão daquilo que era visto como uma pauta radical e se comprometia, caso assumisse a Presidência, a manter as coisas como estavam.
Para o eleitor, isso significava que aqueles boatos de que Lula tiraria um carro de quem tivesse dois (para distribuir a outras famílias) e de que apartamentos de três quartos teriam um ocupado por sem-teto eram falsos. Que o direito à propriedade seria respeitado. Que ninguém passaria a viver em Cuba ou no Camboja de Pol Pot.
Mas o verdadeiro destinatário da carta, hoje se sabe, não era o eleitor. Era o Grande Eleitor. Era o grande empresário que não financiava o PT. Que achava que Lula não aceitaria manter as regras do jogo caso fosse eleito. O “manter as coisas como estavam” era uma promessa de que as pessoas no poder continuariam tendo poder. E de que o PT aceitava abrir mão desse poder para poder ter um espaço no governo.
Antes disso, quando o sujeito apertava outra tecla na urna eletrônica, estava elegendo Odebrecht presidente. Depois, apertando o 13 também elegia Odebrecht. Era como uma eleição para eleger o preoposto das empreiteiras a morar no Alvorada.
Funcionou. Sabe-se disso por dois fatores. Primeiro, o PT chegou de fato à Presidência, e lá se acomodou por 13 anos. Segundo, logo em seguida soube-se que o esquema havia sido mantido: estourou o mensalão. Depois, mais tarde, com a Lava Jato, soube-se que os acordos não só haviam sido mantidos como eram muito maiores do que se imaginava.
Há um jornal brasileiro que tem dois cadernos chamados “Poder” e “Mercado”. Um trata de política, o outro de economia. Curioso que seja o de política o que recebe o nome de “Poder”. A Lava Jato, se isso fosse necessário, mostra que essa divisão não é tão clara, se é que existe.
A Presidência, revela a delação da Odebrecht, é um cargo de poder vicário. Governa-se em nome de outros. As grandes empresas dão seu aval para que alguém implante uma ou outra política pública, desde que não passe de certos limites, desde que mantenha as coisas funcionando como sempre funcionaram.
Agora, sabe-se, com provas, como elas funcionavam. E sabe-se, por extensão, porque outras coisas jamais funcionaram.
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