Este ano comecei uma nova etapa na minha “carreira” de cinéfilo. Decidi sair de frente da TV e voltar pra Academia (não a de ginástica) para tentar transformar esse hobbie em algo mais. Iniciei uma pós-graduação em Cinema, com ênfase em produção, na Faculdade de Artes do Paraná (FAP), em Curitiba. Depois de várias discussões teóricas, muitas leituras e trechos de filmes para assistir, chegou a hora de começar a botar a mão na massa.
A turma foi desafiada pelo professor Fábio Allon, diretor e roteirista de cinema, a produzir dois curtas-metragens que mostrassem as diferenças entre correntes cinematográficas estudadas em sala de aula — a saber, a estética do cinema de fluxo e a mise en scene tradicional. Não vale a pena aqui entrar no mérito dos conceitos, um tanto quanto complexos. A questão é que, como exercício e “brincadeira”, resolvi assumir a empreitada.
Pra ajudar outros cineastas amadores (e bota amador nisso) e também pra pedir ajuda, vou relatar aqui ao longo de vários posts todas as etapas de produção deste curta-metragem, desde o roteiro, passando pela concepção visual do projeto, filmagem, edição e por aí vai. A ideia não é que este seja um passo a passo de como filmar seu próprio curta, mas uma espécie de diário de bordo, que foque essencialmente em questões práticas – talvez justamente aquelas que enchem a cabeça de quem nunca se aventurou antes nesta área. E que sirva como fórum de discussão para coletar questionamentos e soluções adotadas por outros candidatos a diretores.
O meu grande parceiro nesta empreitada, até o momento, está sendo meu primo e fotógrafo Ronan Turnes, morador de Itapema/SC. Ele será responsável pela filmagem em si do curta, algo como um operador de câmera e diretor de fotografia misturados. Eu vou escrever o roteiro e dirigir. Depois, editaremos juntos.
Antes de tudo, há alguns poréns. O curta precisa estar pronto até o dia 12 de maio e todo o processo de produção será conduzido por nós mesmos — ou seja, sem equipamentos profissionais ou outras pessoas para auxiliar. Pode ser que, ao fim, a empreitada falhe, eu não consiga produzir o curta e tudo seja fogo de palha. Aí, pelo menos servirá para analisarmos aqui no blog o que deu de errado. Por isso, peço aos amigos do blog que me desejem sorte, paciência e alguma perseverança (além de discernimento pra saber quando estou fazendo m@#$%).
Vamos então ao primeiro (e talvez mais importante) passo…
1. O ROTEIRO
Há vários bons livros por aí que se propõem a ensinar ou detalhar os passos básicos para escrever um roteiro. Vale citar o Manual do Roteiro, do Syd Field; Story, do guru Robert McKee; e Da Criação ao Roteiro, do Doc Comparato. Mas, acima de tudo, uma boa opção pode ser simplesmente pegar um roteiro já escrito e analisá-lo com calma. O formato com que o roteiro é escrito segue um padrão básico, com mais ou menos detalhamentos no que se refere às posições de câmera, enquadramentos, efeitos visuais a serem utilizados na cena, etc. No site Roteiro de Cinema há vários roteiros de longa-metragens nacionais que podem ser baixados em pdf ou doc — acesse aqui. Um ótimo exercício é, com o roteiro na mão, assistir ao filme. Observe como o que está escrito foi transposto pra tela e quais soluções o diretor adotou para transformar em imagens os diálogos e cenas detalhadas no papel.
O roteiro que estou escrevendo é baseado em um conto meu, produzido há alguns anos em uma oficina de criação literária em Blumenau/SC. O conto se chama O Vulto, que, até o momento, é o nome provisório do curta-metragem. Em linhas gerais (e pra não entregar a trama do curta), trata-se de um thriller psicológico que bebe da fonte de autores como Rubem Fonseca e Edgar Allan Poe (longe de mim querer se equiparar a eles, são apenas as referências).
Escolhi este conto para tentar adaptar para o cinema não por acaso. Antes mesmo de começar a escrever o roteiro, é preciso pensar nos recursos que você tem à mão e até onde você pode ir. Não se engane: mesmo um curta de quatro minutos gera um trabalho enorme. Como no meu caso — assim como pode ser no seu — não há equipamentos profissionais à disposição, um elenco de atores e a possibilidade de filmar em diferentes locações, o caminho é ser minimalista. Fazer mais com menos.
Assim, acabei adaptando e “diminuindo” um pouco a trama do conto para transformá-lo em um roteiro plausível de ser filmado. O roteiro apresenta somente um personagem, além de outro que aparecerá mais como figuração mesmo. Não há diálogos no curta. Quase toda a trama se passa dentro de um apartamento, fora algumas cenas externas que se passam em frente ao prédio onde fica este mesmo apartamento. As cenas foram escritas já levando em conta a configuração deste espaço — que, não por coincidência, é o apartamento onde eu moro.
Ao escrever o roteiro, é preciso se desapegar da tentação de ser pedante, poético e ousado, como se estivéssemos escrevendo um romance. Um roteiro precisa ser passível de ser lido na prática – essa cena, que você acabou de escrever, pode ser filmada? De que modo? O fato do próprio roteirista ser depois o diretor do filme — como é o caso aqui nesta minha tentativa — facilita o trabalho mas também é um desafio. A cada linha que escrevo já tento imaginar as alternativas para capturar esse movimento por meio da câmera. Não seria visualmente impressionante fazer o personagem levitar da cama enquanto dorme? Provavelmente. A questão é como fazer isso, com os poucos recursos – e habilidades – que temos à mão. Ao pensar duas vezes, chegarei à conclusão que não será possível filmar isso. Então, parte-se para outra alternativa, ou outra condução pra trama.
Para tornar isso um pouco mais palpável seguem abaixo as primeiras cenas escritas no primeiro tratamento do roteiro do curta-metragem:
1.INT. QUARTO. NOITE
Escuridão total. De repente, ouvimos o som de uma campainha estridente, ainda em um volume baixo. A campainha toca pela segunda vez, agora mais alta. A câmera mostra o rosto do RAPAZ deitado na cama. Ao fundo, temos uma noção do quarto bagunçado, a porta fechada. Ele abre os olhos, confuso. Procura o celular ao lado da cama. Ele pega o aparelho, o liga e a luz ilumina seu rosto. O celular marca 3 e meia da manhã.
O Rapaz se levanta, está sem camisa e de bermuda, com o cabelo despentado. Ele vai até a porta do quarto. Toca a porta e coloca o ouvido na porta. Espera. Até que a campainha soa novamente e ele leva um pequeno susto. O Rapaz leva a mão à maçaneta da porta.
2.INT. CORREDOR. NOITE
Do fundo de um corredor, vemos a porta sendo aberta pelo Rapaz. Ele a abre lentamente e vemos o vulto de seu corpo magro e desajeitado rente à porta. Ele aperta um interruptor e o corredor se ilumina. Vemos então que há duas portas do lado esquerdo e uma do lado direito, todas fechadas. O Rapaz está descalço e começa a se movimentar pelo corredor, em direção à câmera. Ele deixa a porta do quarto aberta.
Você pode observar que há pouquíssimas indicações sobre os enquadramentos e posições da câmera para mostrar as cenas. Os cortes, a duração dos planos e enquadramentos serão definidos em um segundo momento, em conjunto com o operador da câmera/diretor de fotografia. Por enquanto, seria perda de tempo encasquetar com tudo isso e já colocar essas indicações técnicas no próprio corpo do roteiro. O importante é ser pé no chão e analisar se o que está ali descrito pode ser captado pela câmera.
No momento em que comecei a escrever o roteiro do curta, já incorri em um erro grande. Apesar de ter à mão a história a ser adaptada, sabia que o desfecho do conto não poderia ser utilizado no curta. Mesmo assim, comecei a escrever o roteiro sem saber exatamente como seria o desfecho da trama. Agora, praticamente só faltam as cenas finais, e ainda estou batendo cabeça um pouco para chegar a uma conclusão razoável para a história. O bom é que, até que se comece a filmar, o roteiro pode ser escrito, reescrito, transformado do zero.
Um bônus para quem conseguiu ler até agora. Há oito anos, num distante 2006, tive a oportunidade de me aventurar a escrever o roteiro de um curta-metragem durante a disciplina de Cinema na faculdade de Jornalismo, na Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Como trabalho final da disciplina, montamos grupos e cada grupo tinha que escrever e produzir seu próprio curta – a diferença era que, neste caso, um cinegrafista profissional captaria as imagens. O resultado foi o curta-metragem Jogando com a Morte, dirigido pelo colega Evelásio Vieira Neto e protagonizado por nós mesmos com a ajuda de alguns amigos.
Peço sinceras desculpas desde já aos amigos que aparecem no curta por fazer com que eles passem aqui tamanha vergonha.
Por enquanto, acho que já deu pra arranhar um pouco sobre o básico do básico na hora de escrever o roteiro. No próximo post, falaremos sobre a CONCEPÇÃO VISUAL do projeto, a solução visual que pretendemos utilizar parar transformar este roteiro em curta-metragem.
Tem mais dúvidas sobre o processo de escrita do roteiro? Já passou por isso e quer deixar suas sugestões? Deixe seu depoimento aqui no blog!
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