Após ser a surpresa do debate da Band e garantir lugar cativo no anedotário de memes políticos, Cabo Daciolo (Patriota) tem pela frente o desafio de estender seus 15 minutos de fama e tentar transformá-los em votos. Em qualquer circunstância, há poucos motivos para acreditar que ele deixará de ser um mero azarão. Mas os impactos dos movimentos de Daciolo, por ínfimos que sejam, têm capacidade para afetar o desempenho do favorito Jair Bolsonaro (PSL).
A sede de votos do cabo tende a deixar o copo do capitão meio cheio ou meio vazio.
Numa perspectiva positiva para Bolsonaro, o temperamento de Daciolo nos debates e no horário eleitoral suavizaria sua imagem. Afinal, Daciolo tem um discurso muito mais agressivo que o Bolsonaro. Eleitores indecisos de centro e até de esquerda passariam a considerar o deputado do PSL como um candidato mais palatável, diante da comparação.
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Por outro ângulo, o estilo Daciolo conversa com um eleitorado cativo de Bolsonaro. Se o cabo conseguir vender a ideia de que ele é o verdadeiro novo da disputa eleitoral, há chances de ele roubar votos (mesmo que sejam poucos) de Bolsonaro. É aí que o capitão corre risco de se estrepar.
Na primeira hipótese, cai no colo de Bolsonaro a escada que faltava para conversar, por exemplo, com os futuros órfãos de Lula. Em sintonia com essa possibilidade, chama muitíssima atenção o fato de que, entre as buscas pelos nomes de candidatos no Google durante o debate, 70% tenham sido por Jair Bolsonaro, bem na frente do segundo colocado, Ciro Gomes (PDT), com 12%.
Um universo tão grande não pode ser composto apenas por eleitores que ele já havia conquistado. Tirando uma porcentagem considerável de odiadores, há uma comprovação irrefutável de interesse sobre ele. É o tipo de relação que tem tudo para se transformar em voto.
Caso o fator Daciolo descambe para a segunda hipótese, Bolsonaro estará em maus lençóis. A estratégia dele até o momento tem sido dedicar 100% dos esforços para cristalizar o voto do seu eleitorado. De acordo com a mais recente pesquisa presidencial, da XP/Ipespe, com quatro cenários, ele varia entre 19% (no único cenário com Lula) e 23% das intenções de voto.
A conta é simples: mantendo esse desempenho, Bolsonaro chega ao segundo turno. A questão é que há pouca gordura para queimar. Ele tem antídotos preparados para não perder votos para concorrentes da velha guarda, como Geraldo Alckmin (PSDB), mas não para alguém “de dentro” do seu próprio discurso.
Se Daciolo tiver força para fazer de 3% a 5% dos votos válidos, serão votos que possivelmente terão saído da cesta de Bolsonaro. E que, numa disputa acirrada com outros oponentes como Alckmin, Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e Fernando Haddad (PT), podem tirá-lo do segundo turno.
Bolsonaro jogou nas últimas semanas mais com o cérebro do que com o fígado. Só não tinha calculado a possibilidade de enfrentar um adversário de farda tão indigesto.
*Metodologia
Pesquisa telefônica realizada pelo Ipespe de 6/ago a 8/ago de 2018 com 1.000 entrevistados em todo o país. Encomenda: XP Investimentos. Registro no TSE: BR-08988/2018. Margem de erro: 3,2 pontos percentuais. Confiança: 95%.