DIRETO DE SÃO PETERSBURGO, RÚSSIA – O dia 8 de julho jamais será esquecido pelo futebol brasileiro. Mesmo que a camisa amarela, a mais representativa e estrelada do planeta, ganhe três Copas do Mundo na sequência a partir do Catar, em 2022. É a data que marca o aniversário do maior vexame da história da bola, quando o Brasil foi esculachado pela Alemanha, diante de seu torcedor, no Mineirão, numa semifinal de Mundial.
Desde então, já se foram quatro anos — e, coincidência ou não, o fracasso completa mais uma temporada com a equipe já eliminada do torneio na Rússia. Fosse uma criança e o inesquecível 7 a 1 já estaria com vocabulário razoável, cheia de vontades, fazendo birras e todo o tipo de atividade. Ou seja, o tempo passa rápido. E, assim sendo, vem a inevitável pergunta: o que aprendemos nos quase 1500 dias do patético revés?
Em três pontos, confira a análise do que mudou no futebol do Brasil depois da goleada alemã:
CBF
A entidade que rege o futebol brasileiro tem um novo presidente, Rogério Caboclo. Eleito em abril deste ano e que assumirá o cargo a partir de 2019 e até 2023. Aos 45 anos, Caboclo é um pupilo de Marco Polo Del Nero. Foi criado dentro da Federação Paulista de Futebol, quando o agora presidente afastado da CBF comandava o esporte em São Paulo. Começou no futebol em 2000, como diretor-financeiro do São Paulo.
Por ser uma aliado de Del Nero, pairam dúvidas sobre Caboclo. Afinal, embora tenha se afastado da CBF em outros momentos, até a suspensão definitiva imposta pela Fifa, Del Nero sempre se manteve como o homem-forte, enquanto seu substituto, o pitoresco Coronel Nunes, aparecia apenas como figura decorativa. É preciso perceber qual será o poder de influência de Del Nero, acusado de corrupção pelo FBI, sobre Caboclo.
Como uma de suas primeiras medidas, Caboclo aproveitou para convidar 37 cartolas, entre dirigentes de clubes e federações, para viajar para a Copa do Mundo da Rússia. Tudo pago pela CBF ao longo da primeira fase. Uma demonstração de como as relações entre a entidade e seus filiados funcionam e, aparentemente, vão prosseguir. Há uma clara falta de independência.
Chefe da delegação brasileira na Copa do Mundo, Caboclo teve passagem discreta pelo Mundial. Bem diferente do Coronel Nunes, o atual presidente que, de saída, traiu o combinado com a Conmebol na votação da escolha das sedes do Mundial de 2026 e, por pouco, não criou um incidente diplomático. Nunes ainda deu declarações estapafúrdias e viu um de seus assessores agredir um torcedor que apareceu para criticar o cartola.
Em resumo, o 7 a 1 não teve efeito qualquer sobre a cartolagem que, se viu em apuros só por causa da polícia americana e espanhola. José Maria Marin, presidente quando da Copa 2014, está preso nos Estados Unidos acusado de corrupção. Pesam sobre Ricardo Teixeira, presidente da CBF por 22 anos, as mesmas acusações por parte da Justiça espanhol. E Del Nero, o último presidente, não pode sair do país com receio de ser preso.
Seleção brasileira
Principal atingida pelo 7 a 1, com sua história de glórias manchada para sempre, a seleção brasileira só começou a se reerguer do vexame dois anos depois. E por vias tortas, não por um plano de reconstrução da equipe, como a Alemanha implementou após o fracasso no Mundial de 2002, derrotada justamente pelo Brasil na decisão na Coreia do Sul e no Japão.
No pós-7 a 1 o Brasil não decidiu avançar. Ao contrário, retrocedeu. Luiz Felipe Scolari e Carlos Alberto Parreira, os artífices da goleada, deixaram os cargos e a CBF foi buscar em Dunga, técnico do Brasil no Mundial de 2010, uma solução para reencontrar um caminho. O ex-jogador, como era de se esperar, chegou com seu plano de “choque”, métodos arcaicos e não convenceu.
Com a classificação para a Copa da Rússia sob risco, o Brasil ocupava a sexta colocação na fraca disputa das Eliminatórias Sul-Americanas, e após fracassos na Copa América, veio a decisão de trocar Dunga por Tite, já unanimidade nacional pelo desempenho à frente do Corinthians. Tite aceitou e, na prática, ganhou a chave da porta da frente da CBF e plenos poderes.
O treinador gaúcho imediatamente recuperou a equipe, que classificou com folga nas eliminatórias. Ao todo, fechada a participação na Rússia, Tite tem 26 jogos, com 20 vitórias, quatro empates e duas derrotas: num amistoso com a Argentina e o revés diante da Bélgica. Possui ainda a confiança da CBF, dos torcedores e até mesmo da crítica esportiva, todos apoiando a continuidade do trabalho.
No entanto, a desclassificação nas quartas de final, desempenho que pode ser considerado ruim para os padrões da seleção, deixa lições para o técnico. Líder de uma comissão em que predominam atuais e ex-funcionários do Corinthians, a maioria sem experiência internacional, Tite precisa rever alguns conceitos e afinar seu projeto para a seleção. Aí incluída a relação com Neymar.
Clubes e Brasileirão
O que deveria ser o principal foco de mudança após o 7 a 1, por se tratar da base do futebol brasileiro, os campeonatos de clubes seguem na mesma. Embora se note uma valorização, com premiações mais significativas, por exemplo, tanto o Brasileirão, quanto a Copa do Brasil, ainda estão longe de se tornarem o que os mais otimistas enxergam como potencial: uma NBA, a liga norte-americana de basquete, do futebol.
E se não há um trabalho que fomente as duas principais competições do país, o cenário das disputas estaduais e amadoras é continua tão pobre quanto. As federações estaduais seguem como trampolim político para seus presidentes e não há um projeto de valorização dos atletas jovens. O Brasil segue como um exportador de “pé-de-obra” barato e cada vez mais novo.
Iniciativas de criação de ligas se mostram tão desastradas quanto as ações da CBF, que deveria, ao invés de concentrar esforços na seleção brasileira, tomar conta do futebol jogado no país. Movimento que chamou atenção no princípio, a Primeira Liga, que contou com dirigentes de Atlético e Coritiba, afundou assim que surgiram as discussões sobre a divisão das cotas de TV.
Falando em cotas pagas pela televisão, a entrada da rede americana Turner, dona do canal Esporte Interativo, esquentou os investimentos no futebol nacional na competição com a Rede Globo, tradicional detentora dos campeonatos nacionais. O EI comprou os direitos de transmissão de alguns clubes, entre eles Atlético-PR, Coritiba e Palmeiras, e mexeu com a divisão das cotas.
De olho numa distribuição menos desigual, nos moldes da Premier League, a liga inglesa, a Globo também resolveu dividir mais igualitariamente as cotas de paga por transmissão para televisão aberta. A partir de 2019, o dinheiro terá 40% repartido igualmente entre os clubes, 30% de acordo com a performance no ano anterior e outros 30% segundo o número de jogos veiculados na TV aberta.
Ou seja, partindo dos investidores, pode vir daí um fator que mexa, mesmo que sensivelmente, no cenário do futebol nacional. Porque, da parte da CBF, clubes e federações locais, não houve movimentação suficiente para que se possa vislumbrar um cenário diferente num futuro próximo. E, quem sabe, com um crescimento, não correr o risco de repetir mais um 7 a 1.
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