DIRETO DE MOSCOU, RÚSSIA – Jogar uma Copa do Mundo é o auge para a carreira de um atleta. Vale o mesmo para a trajetória de um jornalista esportivo. Um privilégio e tanto, um sonho realizado mesmo para quem nunca sonhou, como eu, que só queria jogar bola. Em todo o caso: só posso agradecer!
E tanto faz como você chegou até o Mundial: se foi porque bate um pandeiro qualificado, é bom imitador de passarinhos ou é o craque da seleção, com status suficiente para trazer quantos cabeleireiros quiser para a concentração. O importante é estar no torneio, como repórter, narrador, produtor etc – ou na reserva.
Agora, feitas as ponderações, há alguns mitos sobre o trabalho em Copa. De parte dos aspirantes a jornalista e, especialmente, do público em geral. Normal, ninguém é obrigado a conhecer os detalhes de todas as profissões. De certo, que nem todos que vieram à Rússia puderam quebrar na night e gritar “Moscou enlouqueceeeeeu”.
O que não quer dizer, claro, que o Mundial não tenha sido divertido. Mas há, ao longo de tantos dias fora de casa — no meu caso e dos colegas Adriano Ribeiro e Jonathan Campos já são 35 –, desgastes, preocupações, decepções, vacilos, noites que não acabam, muita água com gás comprada por engano e “spasiba, spasiba, spasiba” (“obrigado”, em russo) sem parar aos russos que, aliás, foram ótimos anfitriões.
Nada a reclamar. É o preço que se paga. Mas, vamos derrubar alguns mitos:
Eu vou assistir vários jogaços
A primeira reação de todos quando você fala que vai para a Copa é: “Nossa, que legal, você vai assistir a todos os jogos”. É compreensível, mas está longe da realidade. Há duas situações básicas: quando você está in loco e quando não está no estádio. E, veja bem…
Quando se está no jogo, na tribuna de imprensa, você mais participa do que assiste. Ou melhor, assiste enquanto tuíta, instagrameia, facebookeia, escreve no tempo real e, ainda, prepara um texto para ser publicado assim que a bola parar de rolar. No meio disso tudo, vê a partida. E perder um gol não é incomum.
No outro caso, a situação é ainda mais complicada. Lembro de ter parado para assistir o jogo entre França e Argentina e os do Brasil em que não estive no campo, diante da Suíça e do México. Dos demais, vi trechos na sala de imprensa, aeroporto, metrô etc.
Em resumo: se você é frenético por Copa, assiste até Panamá e Tunísia e disputa de terceiro lugar, o mais recomendável é afundar no sofazão de casa, com o seu kit porcaria. Ou, evidentemente, vir ao Mundial como torcedor e assistir com toda atenção merecida.
Eu vou poder falar com os craques
Claro, há essa chance. Mas é rara. E cada vez menor com os paredões formados pelas assessorias de imprensa e os canais pessoais dos atletas, especialmente no Instagram, onde os boleiros podem se sentir confortáveis, longe de perguntas desagradáveis, e tomar banho de chuva de likes.
Há duas possibilidades de esbarrar com uma estrela. Em entrevistas coletivas, quando é preciso disputar a atenção do encarregado da Fifa que distribui o microfone como alguém desesperado por ajuda humanitária. E, eventualmente, perder a vez para um repórter que faz uma pergunta completamente estapafúrdia, como qual era a visão de Tite sobre o futebol na Arábia Saudita.
Você pode tentar, também, na zona mista, o inferno do repórter. Um corredor sem saída, onde você espera por horas a passagem dos jogadores. No caso da seleção brasileira, os atletas apareciam só depois do banho e do papázão (Dionísio Filho, saudades).
E aí, quando eles passam, às vezes todos juntos, é preciso buscar uma vantagem física para se fazer ouvir em meio aos apelos generalizados por respostas. E, lógico, sempre há aquele colega que, ao dar a sorte de um jogador parar bem em frente, aproveita para fazer um “arquivo confidencial” ou “essa é sua vida”.
Cobertura de Copa é esperar
Cobrir uma Copa do Mundo é saber administrar o tempo. Aguardar no aeroporto, esperar no treino, dar um tempo antes dos jogos, coletivas, zonas mistas, enfim. E, sempre que possível, ocupar esses momentos com algo produtivo. O que, nem sempre, acontece. Porque o cansaço é grande ou a internet está uma tremenda porcaria.
Sala de imprensa: sinta-se em casa
Os centros de imprensa dos estádios ou dos campos de treinamento são a casa dos repórteres numa Copa do Mundo. Das que frequentei na Rússia, o local mais confortável foi no Estádio Luzhniki, palco da abertura, com Rússia e Arábia Saudita, e da decisão, de França e Croácia. Três andares, amplo e bem iluminado.
Mas nem todos foram (ou são) assim. No Estádio Spartak, a outra praça esportiva de Moscou, as acomodações eram apertadas, numa estrutura montada ao lado da arena. Horas antes do jogo e repórteres já improvisavam suas mini-redações ambulantes pelo carpete.
Foi preciso se acostumar ainda com a comida, digamos, peculiar da organização da Copa russa. Não pelas escolhas do cardápio, mas, sim, pela falta de tempero. Diante da ausência de sal, um stroganov, para usar a palavra no original, tinha o mesmo “sapore” de um macarrão com molho turco.
Por unanimidade, escolhemos nosso prato preferido ao longo da turnê na Copa da Rússia: um hambúrguer que parecia um hambúrguer e, melhor, tinha gosto de hambúrguer, com tomate, alface e queijo e, glória suprema, ainda era fresco e vinha quente.
E os banheiros? Bem, deixa pra lá…
A vida é um eterno raio-x
Taí um estudo interessante a ser feito: qual o nível de radiação no corpo de repórteres que frequentaram a Copa do Mundo (ou Olimpíada). Se é o mesmo que aeromoças e pilotos têm ou se é comparável ao que profissionais que trabalham em hospitais adquirem com o tempo.
Cercado por uma certa paranoia por segurança, o Mundial em solo russo foi um eterno raio-x. Nos aeroportos, nas estações de trem, para entrar na Praça Vermelha, para ingressar no metrô, nos shoppings e, claro, especialmente nos estádios. Tudo, claro, visando o melhor para todos.
Mas, aí, põe a mochila na esteira, tira todos os objetos de metal e, pelo menos para mim, algumas novidades em termos de certificação contra o perigo. Como, por exemplo, ligar o laptop toda vez, ou abrir a tela inicial do celular (soube de gente que mostrou aos seguranças, sem querer, material impróprio).
Eu vou conhecer o mundo
Outra impressão comum quando se fala em estar na Copa é: “Ah, que legal, você vai conhecer a cidade”. Claro que, transitando pelo Mundial, você toma contato com o ambiente. Mas, certamente, não como gostaria. É, quase sempre, de passagem, no tempo que sobra.
Aqui em Moscou, com o metrô ultra-eficiente, conhecemos a capital da Copa mais pelo subterrâneo do que via superfície. Várias estações são belíssimas, têm nomes impronunciáveis e terminados em “kaya” e algumas escadas rolantes levam até três minutos para serem vencidas.
Conhecemos, sim, hotéis, salas de imprensa e estádios — o que não é pouca coisa, claro. Para vocês terem uma ideia, um colega repórter fotográfico foi descobrir a Praça Vermelha quase 30 dias depois de chegar à Rússia. Tudo bem, ele passou boa parte do tempo em Sochi, base da seleção brasileira.
Outra situação curiosa é desembarcar em cidades que você jamais imaginou pisar na vida e, em algum momento, fica sem entender o que está fazendo ali, até se ligar que é graças à Copa. Assim sendo, não tenha dúvida: para conhecer uma cidade, realmente, o melhor é ir a turismo.
Sensação de afogamento
Estar na Copa do Mundo, nos dias atuais, é não tirar os olhos do celular ou do laptop. E, mesmo assim, ter sempre a sensação de que se está perdendo temas, pautas, passar 30 dias com a impressão que não está conseguindo escrever os textos que gostaria. Calma, é normal.
A cobertura jornalística, com as facilidades da internet, e o recurso das redes sociais, há tempos se tornou espaço para noticiar em tempo real, sem muito espaço para a reflexão. E, no maior torneio esportivo do planeta, de audiência global, tudo virou assunto.
Dessa forma, o número de cabeleireiros do craque da equipe acaba ganhando atenção e, alguma importância, tanto quanto o esquema tático surpresa que o técnico daquela ótima geração preparou para eliminar a camisa cinco vezes estrelada. É aflitivo, mas, não dá para alcançar tudo.
OBSERVAÇÃO IMPORTANTE SOBRE O GALVÃO
Antes que os justiceiros por aí se insurjam, quero dizer que eu curto o Galvão. Com algumas ressalvas, especialmente pelo tom ufanista, mas, não há dúvida que, como o próprio se define, o brasileiro é um imenso “vendedor de emoções”.
E, gostando ou não do personagem, o narrador da Rede Globo virou, há algum tempo, uma entidade do jornalismo esportivo, mesmo com a queda mais para o entretenimento. E se alcançou a posição que desfruta, de motorista à disposição, melhores hotéis etc, é fruto do trabalho e mérito dele.
O título só pretende adicionar um pouco de humor, e provocação, ao texto. Não tenho dúvida do quanto o Galvão trabalha duro. Assim como de que nem todo mundo é Galvão Bueno. Felizmente e infelizmente.