Nelson Meurer (PP) tem 76 anos de idade, está no sexto mandato consecutivo na Câmara dos Deputados, mas é um parlamentar inexpressivo – embora assíduo no plenário, raramente vai ao microfone participar de algum debate ou defender alguma pauta. No início da atual legislatura, em 2015, ganhou notoriedade acidental – na fileira de políticos que haviam se tornado alvos da Operação Lava Jato, lá estava o nome de Meurer, suspeito de receber dinheiro desviado dos cofres da Petrobras, entre 2006 e 2014. Ele nega.
A sentença chegou em 2018. Pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Meurer foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à prisão, por 13 anos, 9 meses e 10 dias. A despeito da condenação – a primeira vinda do STF, no âmbito da Operação Lava Jato -, Meurer seguiu sua rotina na Câmara dos Deputados. Ele só deve ser preso a partir da publicação do acórdão, o que até agora não ocorreu.
Imediatamente após a decisão do STF, dois partidos políticos – a Rede Sustentabilidade (REDE) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) – trataram de pedir a cassação do mandato de Meurer para o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. A condenação representaria inegável quebra de decoro parlamentar, alegaram as siglas. Meurer, contudo, foi poupado do “julgamento político” – e o que se viu no Conselho de Ética ao longo de quase 5 meses foi meia dúzia de parlamentares tentando “cumprir tabela”.
O caso no Conselho de Ética do “primeiro condenado da Lava Jato” não interessou nem mesmo a grande imprensa, já mergulhada na cobertura das eleições. Meurer não saiu candidato à reeleição e, talvez por isso, a maioria dos 21 titulares do Conselho de Ética não deu nenhuma atenção ao futuro do colega. E nem foram cobrados – por parte do eleitorado, quem sabe – a agir diferente.
Em 20 de junho de 2018, a representação contra Meurer entrou pela primeira vez na pauta do Conselho de Ética. Mas não chegou a ser analisada – esbarrou no início dos trabalhos no plenário da Câmara dos Deputados e o caso foi adiado. Quase uma semana depois, em 26 de junho de 2018, houve uma nova tentativa, mas, por falta de local, a reunião nem foi aberta.
A instauração do processo disciplinar contra Meurer só ocorreu em 04 de julho de 2018. Em menos de 20 minutos, o presidente do Conselho de Ética, Elmar Nascimento (DEM-BA), abriu a reunião, sorteou três nomes para a relatoria do caso, mas adiou o anúncio do escolhido – a definição do nome do relator, com base na lista tríplice, é uma tarefa que cabe somente ao presidente do colegiado.
Na semana seguinte, em 11 de julho de 2018, Nascimento foi obrigado a fazer um novo sorteio. Informou que uma das alternativas – o deputado federal Izalci Lucas (PSDB-DF) – havia pedido para ser retirado da lista tríplice. O novo sorteado foi Mauro Lopes (MDB-MG), imediatamente escolhido por Nascimento para ser o relator do caso Meurer. Mauro Lopes é conhecido por “absolver” os colegas. No colegiado, nunca votou a favor da cassação de ninguém, independente do teor da representação, dos mais graves ao menos graves.
Na reunião de 08 de agosto de 2018, Mauro Lopes informou que seu relatório estava pronto para ser apresentado aos membros do Conselho de Ética. Naquele dia, contudo, não houve quórum mínimo (ao menos 11 parlamentares). Em 14 de agosto de 2018, de novo, sem número suficiente. Desta última vez, nem Mauro Lopes apareceu por lá. O presidente do colegiado, Elmar Nascimento, também não. Coube a Sandro Alex (PSD-PR), titular do colegiado, comunicar o cancelamento da reunião.
O relatório do parlamentar de Minas Gerais, com cinco páginas, só foi apresentado e lido por ele na reunião de 04 de setembro de 2018. Para surpresa de ninguém, Mauro Lopes votou pelo arquivamento da representação contra Meurer. Alegou-se, basicamente, três fatores: no STF, o caso ainda não “transitou em julgado” (a defesa ainda aguarda a publicação do acórdão para estudar alguma possibilidade de recurso); os fatos narrados na denúncia não se relacionam com o atual mandato de Meurer (ele teria se beneficiado de dinheiro ilícito até 2014, quando a Operação Lava Jato foi deflagrada); em outubro de 2014, Meurer foi reeleito pelo eleitorado do Paraná, a despeito de suspeitas que já pairavam contra ele.
“Ele foi eleito pelo povo do Paraná. Isso é um problema lá do Paraná. Eu tenho a consciência tranquila que fiz o relatório correto”, comentou Lopes, na ocasião.
Logo após a leitura do voto, o deputado federal Aluisio Mendes (PODE-MA) pediu vista do caso e a reunião foi encerrada. Nos bastidores, Mendes explicou a estratégia: não havia número suficiente de parlamentares presentes na reunião para derrubar o voto do relator. Embora o painel eletrônico registrasse 11 titulares, menos de meia dúzia estava no local. Nem mesmo Meurer apareceu por lá – pelas regras, ele teria direito a se manifestar por 10 minutos, logo após o relator apresentar sua posição.
Em 16 de outubro de 2018, o Conselho de Ética voltou a se reunir para tentar votar o caso Meurer. Era a primeira reunião marcada após o primeiro turno das eleições, mas a Casa ainda estava esvaziada. Esperou-se a chegada do relator por algumas horas, mas não deu certo. Sem Lopes, o presidente do colegiado preferiu adiar o assunto. Ficou para depois do segundo turno das eleições.
Em 30 de outubro de 2018, a votação finalmente ocorreu – Nascimento deixou o painel eletrônico aberto por algumas horas, para esperar a chegada dos parlamentares. Ainda assim, apenas 12 (Aluisio Mendes não era um deles) registraram seus votos. A maioria – 8 contra 4 – concordou com o relator e defendeu o arquivamento da representação contra Meurer. Não houve debate.
Mais tarde, no Salão Verde da Câmara dos Deputados, o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) lamentou o resultado, em conversa com jornalistas. Ele não é titular do Conselho de Ética, mas acompanhou a maioria das reuniões do colegiado como representante do PSOL, uma das legendas que assinou a representação contra Meurer lá em junho.
Ano que vem, Chico Alencar não volta para Brasília – saiu derrotado na disputa por uma cadeira no Senado. Mauro Lopes foi reeleito para o seu sétimo mandato consecutivo na Câmara dos Deputados. Dos 21 integrantes do Conselho de Ética, 11 saíram vitoriosos nas urnas.
Se não houver recurso por parte de um décimo de 513 deputados federais para que o parecer de Mauro Lopes seja votado em plenário, o presidente do Conselho de Ética vai homologar o resultado da votação, e o caso será arquivado. Ao que tudo indica, não haverá recurso.