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” Insights…” (XIX)


Todas as vezes quando eu saia de casa a pé ou de carro, Antonio – com 5 anos – corria até a janela da sala e gritava:

“- Mãe, Deus te abençoe, teu anjo da guarda te proteja, você é linda, maravilhosa, querida, minha amiga e eu te amo!”
“Também te amo, meu filho, Deus te abençoe.”
E assim, rindo e feliz com o que acabara de ouvir, sentia-me em paz para ir e voltar.

INSIGHTS…

Ao reler o Diário de Antonio, no momento em que saberia o sexo do bebê, repenso o por quê do verdadeiro sentimento de desejar ser mãe de uma menina.
No fundo do meu coração eu sonhava em satisfazer o desejo do Alexandre em ser pai de uma garota.
Quando namorávamos eu lhe escrevia muitas cartas sobre o nosso futuro em família e ele sempre me afirmava que gostaria de ter uma filha.

Quando digo que não saberia lidar com o universo masculino uso esse argumento como desculpa para me auto-avaliar e descobrir que se tratava da minha própria dificuldade em resolver-me com ele.

Da minha infância guardo a imagem forte da presença do meu pai.
Em casa, seu amor e atenção eram divididos entre mim, minha irmã e minha mãe.
Depois, quando eu tinha 11 anos, nasceu meu irmão.

Nesta fase “dividi-lo” com mais um irmão fazia-me sentir menos amada, mais distante de carinho e da atenção que eu sempre buscava.

Eu não sentia que meu pai pudesse ver-me como alguém capaz de entender e exigir menos dos seus cuidados.
O que eu sentia era a mais pura rejeição.

Mas, com o passar do tempo e sem entender o que se instalava em mim, procurei construir uma mulher forte, corajosa e que precisava ser “super” para ser alguém. Enchi-me de “super” e com a couraça posta fui para a escola, para o trabalho, fui assim com meus amigos, familiares, na vida.

Em 1987, tive a oportunidade de ler “A Insustentável Leveza do Ser” de Milan Kundera.
Neste livro ele dedica um capítulo para falar sobre a necessidade que temos em ser olhados e classifica esta necessidade em 4 categorias que vou apenas mencioná-las resumidamente sem detalhá-las:

A primeira, procura o olhar de um número infinito de pessoas anônimas, ou seja, o olhar do público;

A segunda, encontram-se aqueles que não conseguem viver sem ser o foco de numerosos olhos familiares;

Na terceira categoria são aqueles que tem a necessidade de viver sob o olhar do ser amado e

na quarta categoria, a mais rara, a daqueles que vivem sob o olhar imaginário dos ausentes.
O que há de comum naqueles que se enquadram nas três primeiras é que quando estes olhos voltam-se para outro foco suas vidas ficam mergulhadas na escuridão.
Na última, e é onde penso que me encaixo, por muitos anos vivi sob o olhar imaginário do meu pai.

Por conta disto, tudo o que eu fazia ou tentava fazer, inconscientemente, era pedir que meu pai pousasse o olhar sobre minha vida embora ele fizesse isto de outras formas, transferindo-me responsabilidade ou delegando pequenas tarefas que só a mim confiava.

Penso que sua confiança em mim era suficiente para deixar-me segura em fazer minhas próprias escolhas e para seguir o meu caminho SOZINHA e ser a pessoa que ele sabia que eu era, só eu não entendia isto.

Bastava que eu confiasse e acreditasse.
Bastava que eu pousasse o olhar sobre mim mesma.

Então, como algumas adolescentes, arrastei estes sentimentos confusos “maturidade” afora, sentindo-me dramaticamente incompreendida.
Sentimentos estes que acreditei e, por consequência, geraram minha baixa auto-estima durante muitos anos.

Tudo porque eu sentia que não havia conquistado ou era merecedora do amor e atenção do meu pai ou por eu nunca ouvi-lo verbalizar: “filha, eu te amo”.

Hoje, entendo que ele me disse isto muitas e muitas vezes, mas eu ainda não havia aprendido a “ouvir” meu pai.
E como qualquer surda para sentimentos, fui “ouvindo” que não conseguiria conquistar o amor de ninguém, ou que ninguém fosse sensível o bastante para perceber a mulher “super” (orgulhosa) que eu era ou tentava ser!

Acredito que a busca pelo perfeccionismo que eu perseguia ou a exigência de qualquer natureza comigo mesma encontram respostas nas situações e sentimentos mal interpretados por mim e que não conseguia verbalizar.
Neste caso minha necessidade por validação ou a aprovação de alguém era absurda.
Imagine isso na adolescência, na escola, nos ambientes profissionais.

E como também sofri da “síndrome da super”, nas situações de dúvidas me camuflava de forte e dizia a mim mesma: “agora vai!”
Eu passava a imagem desta “fortaleza” às pessoas e assumia o papel. Mesmo que, em muitos momentos, eu gritasse intimamente por socorro.

Mas quem é que me escutaria se eu não admitia esta fragilidade nem para mim mesma?

Como resultado, meu corpo respondia às minhas aflições: comecei com amigdalite aos 7 anos, aos 15 precisei usar óculos por causa da miopia e junto com ela blefarite . Tive cisto no ovário aos 18, também passei pela gastrite, depois perto dos 30, tive bronquite e rinite alérgica que permaneceu até os 35, 36 anos e todas as “ites” que se imagina.
Sem contar ainda com um desgaste ósseo na minha cervical aos 40 que me deixa hoje com dor crônica do lado direito do meu corpo.
É para rir, não é mesmo? Fico pensando como será isto na minha velhice!
Meu pai brincava comigo e me chamava pelo nome de uma tia dele, porque eu sempre tinha uma dor ou outra para reclamar.
Era a maneira egoísta que eu tinha para chamar a atenção dele para mim: só ficando doente!

Acredito que esta minha suposta “ausência do amor paternal” levou-me a fazer coisas e tomar atitudes que afastaram-me das pessoas com as quais me relacionei.
Em algumas situações devo ter assustado alguns pretendentes. Em outras era eu quem me sentia assustada.

Quando a dúvida sobre o amor do outro me dominava eu intimamente enlouquecia, caía em crises homéricas de ciúmes e me boicotava, desistia, assumia a vítima de todas as horas…era mais fácil interpretá-la.

Passados tantos anos, vejo-me refletindo sobre meu real papel como filha, como esposa e mãe e o que quero realizar enquanto mulher.

Penso que há tempo para consertar muitas coisas ainda.
Dei-me conta e entendi que há várias formas de se demonstrar e ter amor sem escravidão ou escravizar.

Crescer e viver conscientes do amor dos nossos pais, marido, ou esposa e filhos por nós é indizível.

É quando com mais de 40 anos, você consegue tomar coragem para ligar e dizer ao seu pai que o ama.
Aquele lá atrás que eu dizia nunca ouvir dele que me amava, e nesse dia, ouvir: “eu também te amo, filha.”
E ao desligar o telefone chorar um monte e lavar sua alma por tudo o que isto significa…

É quando você vai à escola do seu filho, para aquelas avaliações que os professores sempre fazem com os pais e ouve da professora, entre tantas coisas que ela diz sobre o pequeno que: “seu filho é uma criança feliz porque ele sabe que é amado, isto está na carinha dele”.

É quando ao acordar pela manhã, ter um café pronto, preparado pelo meu marido, ao lado da xícara uma flor colhida do meu jardim e no meu guardanapo estar escrito : Eu te amo…

…é continuar ouvindo em pensamento pelo resto da minha vida:

“ – Mãe, Deus te abençoe, teu anjo da guarda te proteja. Você é linda, maravilhosa, querida, minha amiga e eu te amo!”

Fiquem com Deus, obrigada por sua companhia e até quinta!

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