“Não há nada a dizer.
Temos que ver, olhar.
É tão difícil fazer isto.
Estamos acostumados a pensar, todo o tempo.
É um processo muito lento e demorado, aprender a olhar.
Um olhar que tenha um certo peso, um olhar que questione.”
(Henri Cartier-Bresson)
Conversando com meu filho…
“07 de abril de 2003, segunda-feira…
Já passa das dez horas da noite, você está super esperto. Consegue andar melhor, e consegue manter-se mais tempo sem cair.
Também entende tudo o que falamos e pedimos.
Você está numa fase linda de sua vida.
Haja olhos e ouvidos para registrar cada passou seu.
Atualmente balbucia uma porção de palavras.
Aponta com o dedinho tudo o que quer e onde quer ir.
Nos abraça, nos dá beijos e adora que eu te faça massagens antes de dormir.
E quando acorda, fica esperando que eu me aproxime com uma carinha de sapeca que só você tem.
Você movimenta-se para todos os lados, corre por toda a casa, dança por qualquer música ou batuque…E o mais curioso: diz NÃO para quase tudo quando conversamos…É a palavra que mais ouve de nós ultimamente…
É super calorento, como seu pai e todas as vezes que visto em você algo diferente, sai apontando o dedinho para mostrar a novidade para quem quer que seja.
Reconhece pessoas da família, ouve barulho de avião de longe e consegue distinguir quando é helicóptero a imitar o som: “tu-tu-tu-tu-tu-tu”…Para o avião você faz “vrruummm”, quando ouve o trem aprendeu a falar: “tchu-tchu-tchu-tchu”…O mais engraçado é o barulho do caminhão. Você fecha a boca e faz um barulho pelo nariz imitando o ronco do motor.
A primeira sílaba que lembro-me de ouvi-lo falar foi “us” para mostrar luz.
Diz “bô” para bola e tudo o que é redondo, inclusive a lua.”
Lições que aprendi…
Hoje pela manhã, nos meus 15 minutos com meu marido a caminho do seu trabalho, falávamos sobre o que uma imagem nos traduz, o que uma imagem nos diz, ou o quanto ela diz por si mesma. E mais ainda, sobre o tempo que temos para entendê-la quando a revemos.
Complicado? Parece, mas não é…
Eu tentava pensar em algo para escrever aqui hoje e no caminho de volta tentei lembrar das muitas imagens que construímos ao longo da vida e quantas perdem-se sem o mágico registro da fotografia.
Ao procurar uma frase de Cartier-Bresson que pudesse traduzir algo para o meu contexto, deparei-me com a linda construção que publiquei acima.
…”aprender a olhar”…
Com o passar dos dias, a correria e o foco em “ter” afastou-nos do aprendizado mais profundo, da análise, do fixar o olhar com tempo para contemplar, admirar, prestar atenção a detalhes.
Falamos mal, ouvimos mal, nos expressamos pior ainda e inevitavelmente esquecemos o olhar em algum ponto do retrovisor, porque passou, ficou atrás…E o olhar para frente fica urgente, sem luz, numa ação indefinida…Passa feito um borrão.
E o que se viu? Não lembro, não prestei atenção.
Meu filho cresceu? Nossa, o tempo passa e a gente nem vê!
Aniversário de casamento? Puxa, quando foi mesmo?
Vinte anos juntos? Uau, passou rápido, hein?
Já vai fazer 50 anos!?
Sessenta? Oitenta?
E de verdade, “vivemos” com a sensação de não ter vivido e empobrecemos a vida todos os dias, sem nos darmos conta, sem perceber.
“Não há nada a dizer. Temos que ver, olhar.”
(Henri Cartier-Bresson 1908-2004)
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