O filme de animação dirigido por Alê Abreu, “O menino e o mundo” ganhou uma notoriedade rara entre nós não só pela premiação inusitada do Annie Awards deste ano (um prêmio bem importante a nível mundial para filmes de animação) e de ter obtido Menção Especial do Júri no Festival de Ottawa mas principalmente pelo fato de estar indicado ao Oscar na categoria de melhor animação (Best Animated Feature Film of the Year). Além do belíssimo traço do filme constatei qualidades (que são muitas) e defeitos (que são poucos) na parte musical do filme. A unidade, frente a estilos tão diversos, é a grande conquista desta trilha sonora.
Técnica do “Leitmotiv” e outros recursos mágicos
O aspecto musical mais facilmente memorizável é a melodia singela tocada numa flauta-doce que no filme o pai toca para o menino ao se despedir dele. Aquela melodia que o menino até acredita capturar em uma velha latinha é deformada diversas vezes durante o filme, na incansável busca da criança por seu pai. O sonho do reencontro se reflete na distante recordação, muitas vezes incompleta, daquela simples sequência de notas. Um outro personagem que também toca flauta doce utiliza uma melodia parecida, mas o menino sabe que aquele não é seu pai: a melodia é outra. Neste aspecto o filme usa aquilo que chamamos em composição musical de “Leitmotiv” ou em português “motivo condutor”, termo muito associado ao compositor alemão Richard Wagner.
A música original do filme foi composta por Gustavo Kurlat e Ruben Feffer, e percebemos em diversos momentos do filme as mágicas sonoridades que o famoso percussionista Naná Vasconcelos obtém de um vasto leque de instrumentos. Mas não há dúvida que o “GEM – Grupo Experimental de Música” acaba dando o verdadeiro contorno sonoro que se relaciona diretamente ao desenho. A criatividade sonora do grupo, que utiliza percussão e sintetizadores, parece mesmo tornar som as imagens caleidoscópicas do desenho. Outro achado é o grupo Barbatuques, notável conjunto experimental brasileiro, que utiliza sons extraídos do corpo humano sem instrumentos, dá um aspecto onírico às festas populares que o personagem principal do filme presencia. Da singela melodia da flauta doce, aos sons inusitados de sintetizadores e os ritmos extraídos do corpo vemos um único fio condutor, uma unidade vitoriosa. Num filme que abre mão de palavras não há a menor dúvida de que uma trilha sonora de qualidade é mesmo um instrumento indispensável para a empreitada. Neste aspecto a trilha sonora de “O menino e o mundo” está mesmo num nível raramente atingido por um filme brasileiro.
O Rap que destoa, e os créditos falhos
Não há dúvida que colocar no filme um nome de grande popularidade como Emicida, um dos mais famosos brasileiros dedicados ao hip-hop e ao rap, torna o trabalho mais atrativo. Mas no caso há uma enorme contradição entre o que se passou em todo o filme com a sequência final. Retratando a visão da criança em idade pré-escolar, as palavras nas placas e anúncios se tornam sinais indecifráveis. Mesmo as palavras trocadas por outros personagens são incompreendidas por nós e pelo menino. A inocência de seu olhar torna-se a grande qualidade do trabalho. No final do filme Emicida passa de trator na inocência da criança usando um texto óbvio. Não só pela primeira vez no filme ouvimos alguma palavra inteligível como pela primeira vez no filme ouvimos algo musicalmente previsível. Outra falha que considero grave do filme tem a ver com os créditos. Se há alguém a destacar na parte musical é o flautista Helcio Muller, que executa de maneira ideal as melodias pensadas para flauta doce. Nem na ficha técnica do filme, que é exibida no site do mesmo, seu nome aparece. Só descobri quem era o flautista vendo lentamente os créditos finais da película onde aparece seu nome. Uma injustiça, pois não há dúvida que o flautista assume uma parte importantíssima nesta bela trilha sonora.
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