Neste terceiro texto de uma série de cinco em que falo de Compositores que tiveram uma importância excepcional na história da música, falo da influência póstuma que teve Johann Sebastian Bach. Caso único em toda a história da música. Caso voce queira ler os textos anteriores o clique aqui para o primeiro e clique aqui para o segundo.
Johann Sebastian Bach: influente mais de um século depois de sua morte
Ao comentar o caso de criadores influentes como Léonin e Dufay, e mesmo os membros da Academia Fiorentina, sua influência é percebida até mesmo enquanto eles estavam vivos. O mesmo não se passou com um dos mais influentes compositores da história da música, Johann Sebastian Bach (1685-1750). Para os autores que estavam em atividade por volta de 1740, Bach era decididamente antiquado. Existia uma certa lenda a respeito das qualidades cerebrais do autor da Arte da Fuga, mas sua arte era vista como ultrapassada. Os filhos de Bach, especialmente Johann Christian Bach (1735-1782), foram muito mais conhecidos e influentes no século XVIII do que seu pai. Bach permanece por quase um século para certos estudiosos apenas com um didata interessante. O cravo bem temperado, com seus Prelúdios e Fugas em todas as 24 tonalidades era visto como um método consistente. Tanto Ludwig van Beethoven (1770-1827) quanto Frédéric Chopin (1810-1849) (que o homenageou em seus 24 Prelúdios opus 28) tinham muito apreço pela obra, mas jamais a tocariam em seus recitais. O Compositor barroco que era visto como o mais perfeito de todos na época de Beethoven e Chopin, era George Friedrich Handel (1685-1757). Talvez pelo fato de que uma obra de Handel inauguraria o hábito que caracteriza a nossa vida musical: o culto ao passado. O oratório “O Messias” foi a primeira obra da história da música que nunca necessitou de uma reestreia: foi executada desde sua primeira execução em 1742, e foi adaptada e “atualizada” por músicos como Mozart no século XVIII e Sir Thomas Beecham no século XX. Ao contrário, nenhuma obra de Bach foi tocada publicamente depois de sua morte até 1829.
Neste ano o compositor Felix Mendelssohn (1809-1847), com muito esforço, regeu a Paixão segundo São Mateus, uma das mais importantes composições de Bach. Sabe-se hoje que Mendelssohn cortou diversos trechos para tornar a obra mais palatável e de acordo com um comentário do compositor francês Hector Berlioz (1803-1869), que estava presente neste concerto, sua falta de entusiasmo pela partitura foi compartilhada por uma grande parte do público. A reestreia da Paixão Segundo São Mateus não foi algo que da noite para o dia tornou Bach um modelo supremo, como é hoje.
A fama crescente
Pouco a pouco a solidez da presença de Bach teve início com os organistas do século XIX. Exemplo disso são as obras para este instrumento compostas claramente seguindo os modelos bachianos. É o caso da “Fantasia e fuga sobre o tema B.A.C.H” (B= Si bemol, A = Lá, C = Dó e H = Si natural) de Franz Liszt, escrita em 1855. É realmente na segunda metade do século XIX que as pessoas começaram, pouco a pouco, a perceber a dimensão do gênio de Bach. Foi daí que a influência dele fica bem clara na produção para órgão e para piano de César Franck (1822-1890) por exemplo. Mas a obra de Bach, que começou a ser publicada por volta de 1850, era muito mais estudada do que executada. Jamais um violoncelista no século XIX tocaria uma das Seis Suítes que Bach escreveu para violoncelo desacompanhado e vale a pena lembrar aqui que estas Suítes eram usadas no século XIX como exercícios técnicos para os organistas treinarem a pedaleira de seu instrumento. Foi através das transcrições para piano de Ferruccio Busoni (1866-1924) que finalmente Bach entrou no repertório dos recitais.
A Chacona, originalmente pensada para violino solo e que Busoni transcreveu para piano em 1893, foi a primeira obra de Bach a ser repetidas vezes tocada em recitais de piano. Neste momento é que Bach ultrapassa Handel em termos de ser um modelo supremo, e sua influência será sentida sobretudo quando tratamos de vozes independentes, o chamado pensamento contrapontístico. Os músicos da segunda escola de Viena (Schoenberg, Berg e Webern), no início do século XX, vão sacramentar esta posição de Bach, como o mais perfeito compositor da história e todo o pensamento contrapontístico de autores como Johannes Brahms (1833-1897) (que citaria obras de Bach em suas composições), Max Reger (1873-1916), César Franck (1822-1890) e Anton Webern (1883-1945) é extremamente influenciado por Bach. No entanto em termos de apresentações públicas, em 1930, as obras do compositor alemão ainda dependiam de transcrições. Quando Arnold Schoenberg (1874-1951) orquestrou brilhantemente o Prelúdio e Fuga em Mi bemol Maior para órgão, Santa Ana, ele o fez para que as pessoas conhecessem uma ignorada obra prima. O mesmo pode-se dizer da belíssima orquestração de Anton Webern do Ricercare a seis da “Oferenda Musical”. Vale a pena lembrar de certos “heróis”, como o violoncelista Pablo Casals (1876-1973), o primeiro a tocar em recitais as Suítes para violoncelo desacompanhado do compositor alemão no início do século XX. O nome da Bach, em notas musicais, será utilizado em diversas obras como as Variações opus 31 de Schoenberg, e diversas citações de obras de Bach podem ser ouvidas em obras tão diferentes como o Concerto para violino de Alban Berg (1935) e Ich wandte mich und sah an alles Unrecht de Bernd Alois Zimmermann (1970). Importante também citar o ciclo de Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos que se iniciou em 1930, e o fato de que o neo classicismo de Igor Stravinsky (1882-1971) tinha como mote “back to Bach”. No entanto cumpre afirmar que a produção bachiana só encontrará equilíbrio entre a veneração dos estudiosos e sua presença na vida musical em concertos e recitais a partir de 1950, com a musicologia e a visão das execuções “informadas”. Nos dias de hoje, não há dúvida, que podemos dizer que Bach foi mesmo um dos mais influentes compositores da história da música. Mas esta influência é realmente um fenômeno único, pelo tempo que ela levou para se manifestar.
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