Só recentemente Radamés Gnattali (1906-1988) vem ganhando um grande prestígio como compositor clássico. Um músico que transitou com enorme facilidade entre o gênero clássico e o popular viu sua produção erudita ser vista com desconfiança, chegando mesmo a ser acusado de superficial e vulgar. Um CD lançado recentemente pelo selo Bis na Europa com obras de sua autoria para piano, violão e violoncelo, gravado pela pianista brasileira Débora Halázs, o violonista alemão Franz Halázs e o violoncelista chinês Wen-Sinn Yang, e que ganhou o prêmio Grammy latino de 2015 como melhor lançamento clássico (veja aqui o texto que escrevi a respeito), fez com que a crítica especializada na Europa se perguntasse como um compositor desta qualidade permanece ainda praticamente desconhecido. Nesta trilha de reconhecimento surge agora um lançamento que deixará muita gente de queixo caído: a integral de sua obra para quarteto de cordas, magnificamente executada pelo conjunto que leva o nome do compositor, o Quarteto Radamés Gnattali. Fazendo um retrospecto na biografia do compositor vemos que por alguns anos ele foi violista de um quarteto de cordas no Rio de Janeiro, o Quarteto Henrique Oswald, e isto, entre outras coisas, explica a razão da soberba escrita para este tipo de conjunto. Gnattali nasceu em Porto Alegre filho de imigrantes italianos completamente apaixonados por música. Prova disso é que o casal escolheu para seus três primeiros filhos nomes de personagens de óperas de Verdi: além de Radamés sua irmã se chamava Aida e um de seus irmãos se chamava Ernani. Com tanta herança cultural o compositor se viu entre dois polos: a música clássica europeia e a música popular brasileira. Arranjador inquestionável tocava diversos instrumentos (violino, viola, violão, acordeom) e era um excepcional pianista. Nesta sua produção para quarteto vemos estes dois polos de forma bem clara: a estrutura de seus quartetos reproduz formas e contornos dos quartetos clássicos, mas a rítmica e o impulso melódico são extremamente ligados à música popular brasileira. Entre seus quartetos uma grande surpresa: o quarteto Nº 2 de 1943 é, entre suas obras que conheço, a mais sofisticada e criativa entre suas partituras em termos harmônicos e formais. De rara beleza rivaliza com outra obra absolutamente obrigatória, um quarteto não numerado: “Quatro quadros de Jan Zach”, obra composta em 1946. Jan Zach foi um artista plástico tcheco que, fugindo do nazismo, viveu no Rio de 1940 até 1951. Gnattali transpõe para música seus quadros de maneira livre e pouco usual. Tanto o Quarteto Nº 2 quanto estes “Quatro quadros de Jan Zach” estão, na minha opinião, entre as mais importantes obras para quarteto escritas naquela época, e não falo apenas em termos brasileiros ou sul americanos. São obras comparáveis aos maiores quartetos do século XX. Além dos quatro quartetos numerados e dos “Quatro quadros de Jan Zach”, existe um “Quarteto popular” de 1940 e uma série de obras curtas, com títulos bem brasileiros como “Chôro”, “Cantilena” e “Seresta”, as primeiras obras que ele escreveu para quarteto de cordas. Enfim uma excelente mostra da versatilidade e ecletismo do autor.
Engajamento e heroísmo
Além da excelência destas composições não posso deixar de destacar a atuação do Quarteto Radamés Gnattali. Este grupo, que se destaca como um dos principais quartetos de cordas da América Latina, tem sido de uma importância fora do comum em termos de divulgação do repertório brasileiro. Enre as gravações que o grupo realizou destaco, além de uma magnífica integral dos quartetos de Villa-Lobos, a maravilhosa integral de obras para quarteto do compositor carioca Ricardo Tacuchiam e um CD chamado “Quatro estações cariocas” que apresenta obras especialmente escritas para o quarteto pelos compositores Paulo Aragão, Jayme Vignoli, Sergio Assad e Maurício Carrilho. Seu engajamento, além de uma indiscutível qualidade técnica, faz deles excelentes advogados na causa da divulgação de um repertório injustamente negligenciado. Apesar destas gravações das obras de Gnattali terem sido feitas entre 2012 e 2013 (ainda com o violista Fernando Thebaldi, que não faz mais parte do grupo), num ato heroico, o quarteto lançou estas gravações apenas neste ano, para comemorar os 110 anos do nascimento do compositor, cobrindo do próprio bolso a maioria dos gastos. Por incrível que pareça um lançamento desta magnitude não teve nenhum tipo de apoio oficial, fora a cessão do estúdio. Mas não deixaram por menos: além de uma execução magistral o nível técnico da gravação, realizada no estúdio da Rádio MEC do Rio de Janeiro, o mesmo estúdio utilizado durante décadas por Radamés Gnattali, é surpreendente, e a apresentação do álbum de excelente qualidade. A sensação que tenho é de uma enorme reverência a estes fantásticos músicos: Carla Rincón, Andréia Carizzi, Fernando Thebaldi e Hugo Pilger. Afirmo: dois Cds absolutamente obrigatórios para quem se interessa por boa música, por quem se interessa por música brasileira e por quem deseja apoiar um lançamento como esse. No momento o CD só pode ser adquirido no email do site do quarteto: contato@quartetoradames.com.br. Esta obra e estes músicos merecem nosso completo apoio!!!
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