O Brasil acaba de perder um importante impulso. Um elemento desconhecido de quase todo mundo, mas que respondeu por boa parte do crescimento econômico nas últimas cinco décadas: o bônus demográfico.
Sem ele, logo vamos encarar alguns problemas típicos de país envelhecido, de Primeiro Mundo. Mas sendo pobres, porque não soubemos aproveitar esse prêmio enquanto era tempo.
Vamos explicar direito. O tal bônus é o período em que o número de pessoas em idade produtiva (jovens e adultos) cresce mais rápido que a população teoricamente improdutiva (crianças e idosos). Assim, há uma proporção crescente de gente para produzir (o que por si só dá uma força para o PIB) e uma parcela declinante de dependentes para sustentar (o que em tese abre espaço para uma poupança de recursos que pode financiar coisas úteis para o presente e, principalmente, o futuro – saúde, educação, infraestrutura etc).
No Brasil, essa janela de oportunidades está aberta desde os anos 1970. E, até pouco tempo atrás, esperava-se que ela se fechasse no início da próxima década, mais precisamente em 2023. A partir de então, a população em idade de trabalhar cresceria menos que a de crianças e velhos. E haveria, portanto, cada vez menos trabalhadores para sustentar uma parcela crescente de dependentes.
Pois bem. Como faz periodicamente, o IBGE revisou, semanas atrás, suas projeções populacionais. E a conclusão que se tira das novas tabelas do instituto é que o bônus demográfico não acabará mais em 2023, e sim em 2018. Quer dizer: a festa já acabou. Cinco anos mais cedo. O que vem agora é a ressaca. Um tempo em que não podemos mais contar com o mero aumento da força de trabalho para crescer.
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De acordo com o IBGE, a população de 15 a 64 anos atingiu sua maior parcela no ano passado, correspondendo a 69,46% do total de habitantes do país. Neste ano, recuará para 69,43%. E seguirá em queda, recuando a 67,5% em 2030, 65,8% em 2040, 62,7% em 2050 e pouco menos de 60% em 2060.
É claro que a transição demográfica, como o próprio nome diz, se dá aos poucos, não de uma vez. Por isso, o empurrão populacional que começou décadas atrás já vinha ficando mais fraco, devido à queda acelerada das taxas de natalidade e ao aumento da longevidade. Um estudo publicado em 2013 pelo Ibre/FGV revelou que, entre 1972 e 1982, a demografia respondeu por metade do crescimento econômico, contribuindo com 3 pontos porcentuais de um avanço médio de 6% ao ano. Entre 2002 e 2012, esse apoio já havia baixado a 1,5 ponto porcentual, de um aumento total do PIB de 3,6% ao ano. A expectativa para o período 2012-2022, calculada antes da recessão brutal que derrubou o PIB, era de uma contribuição de apenas 1,1 ponto porcentual por ano.
Pode-se dizer que a crise econômica antecipou bruscamente alguns problemas do fim do bônus. Um exemplo. O rombo da Previdência cresceria de qualquer forma à medida que o exército de trabalhadores fosse diminuindo e a quantidade de aposentados, aumentando. Mas, como a recessão derrubou o emprego formal e, portanto, o volume de contribuições ao INSS, o déficit já chegou a um nível que antes só era previsto para a próxima década.
Em outras palavras, já enfrentamos há alguns anos os primeiros sinais da ressaca. Mesmo assim, a antecipação do fim “oficial” do bônus de 2023 para 2018 não é algo trivial. Ela deixa claro que as mudanças demográficas estão ocorrendo muito mais rápido do que se imaginava apenas cinco anos atrás, data das projeções anteriores do IBGE. Não estranhe se nas próximas projeções o IBGE indicar que o movimento será ainda mais acelerado, antecipando desafios com os quais claramente não sabemos como lidar.
Se a mão de obra vai diminuir, significa que teremos de fazer mais com menos. Empresas e trabalhadores terão de ser mais produtivos. O que depende de inovação tecnológica, investimento em máquinas e equipamentos, melhorias na logística e na infraestrutura. E, claro, de um avanço consistente na educação.
Tudo isso já deveria estar sendo feito, e há muito tempo, para que chegássemos preparados para o fim do bônus. E, você sabe, não fizemos.
Não é de hoje que especialistas traçam um panorama sombrio para o Brasil sem bônus. A série de reportagens “O Brasil envelhece”, publicada pela Gazeta do Povo no início de 2014, listava os desafios que o envelhecimento da população impõe ao país – e as oportunidades que desperdiçamos enquanto a janela da transição esteve aberta.
“Não nos preparamos para o começo do bônus. E não acho que estejamos prontos para seu fim”, disse na época o doutor em demografia José Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE. “Para que o bônus fosse plenamente aproveitado, teríamos não só de manter altas taxas de emprego, mas também garantir o acesso a educação de qualidade, saúde, boas colocações no mercado de trabalho. Mas isso não ocorreu no passado, e mesmo hoje ainda há muito jovem fora da escola, muita gente desocupada, e quase metade da população ativa trabalha na informalidade.”
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Além de crescer menos, gastaremos mais. Nesse caso, a situação já beira a catástrofe. O Brasil ainda é jovem e pobre, mas sua despesa com aposentadorias e pensões é de país velho e rico. Em 2017, o mesmo ano em que alcançou o pico da força de trabalho, o país registrou o maior déficit da história da Previdência – R$ 269 bilhões na soma do INSS com o regime próprio dos servidores da União.
O dinheiro público usado para tapar esse buraco supera tudo o que o governo federal gastou no ano com os ministérios da Educação, Saúde e Desenvolvimento Social e com obras do PAC (R$ 194 bilhões, ao todo). Sabe quanto foi para investimentos? Pouco mais de R$ 21 bilhões.
Reverter os efeitos colaterais do fim do bônus demográfico não é tarefa para apenas um mandato, então não espere milagres de quem se eleger em outubro. Nenhum candidato a presidente fala sobre o fenômeno e não se sabe se eles o conhecem. Até existem, aqui e ali, propostas que têm a ver com o tema. Mas são genéricas, do tipo “vamos melhorar a educação”, ou até ilusórias, como a promessa de “salvar” a Previdência por meio da capitalização. É muito pouco para um desafio desse tamanho.