Faltam 11 dias para a votação do segundo turno e, salvo o imponderável, Jair Bolsonaro (PSL) será eleito presidente da República. Faz sentido, portanto, tentar imaginar como o capitão reformado vai administrar o Brasil de 2019 em diante. E qual é o projeto de país dele?
Sabe-se que Bolsonaro não é do PT. Que é cristão e defensor de valores da família, da ditadura militar e do torturador Brilhante Ustra. Que vai livrar policiais de serem responsabilizados por crimes cometidos no ofício. Ampliar o encarceramento. Reduzir a maioridade penal. Armar a população para que ela possa se defender da bandidagem. Acabar com a doutrinação e a ideologia de gênero nas escolas. Conter o pessoal do meio ambiente.
Esse é o “pacote Bolsonaro” básico. É o que deve fazê-lo presidente. E, em suas próprias palavras, fazer “o Brasil semelhante àquele que tínhamos há 40, 50 anos”.
Mas esse arranjo, por si só, não constitui um projeto de país. Ser anti-PT não é grande coisa: o partido deixou o poder há mais de dois anos e nem por isso a população está satisfeita. Quanto aos demais itens do pacote, eles entusiasmam boa parcela do eleitorado, mas não há evidência de que vão reduzir a insegurança, melhorar a qualidade da educação ou fazer a economia avançar.
Claro que Bolsonaro, como os demais concorrentes, entregou um programa ao Tribunal Superior Eleitoral quando registrou sua candidatura. Mas ele mesmo e seus aliados têm desqualificado o documento. E não oferecem muita coisa em troca.
O general Augusto Heleno, que articula a formação do eventual ministério, avisou na semana passada que aquele plano não passa de um protocolo de intenções. “O programa de governo só acontece quando tem ministro. Não tendo ministro, não tem programa de governo. É um protocolo de intenções como aquele que foi entregue ao TSE. Esse protocolo de intenções pode ser ampliado, estudado e aprofundado durante quatro anos”, declarou o quatro estrelas à revista “Época”.
Quer dizer: no que depender de Heleno, o eleitor vai às urnas sem conhecer o programa de governo do virtual vencedor.
De pouco adianta ouvir os conselheiros e assessores do candidato para descobrir o que se planeja para áreas fundamentais. Pouco se fala sobre saúde além de um “prontuário eletrônico integrado”, de remuneração justa para os cubanos do Mais Médicos e de prevenção de cáries nas gestantes.
A educação parece receber mais atenção, o que não quer dizer que venha muita luz daí. Stavros Xanthopoylos, que dirige a Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed) e é cotado para o ministério, defende o ensino de uma “moral e cívica do século 21”, que concilie valores da pátria com uma certa cidadania digital. Questionado pelo “Valor Econômico” sobre mais detalhes do plano, insistiu que vai “abrir tudo” depois do dia 28, data do segundo turno. De novo: programa de governo, só após a eleição.
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O general Aléssio Ribeiro, que coordena debates de ciência, tecnologia e educação na campanha do PSL, menciona medidas concretas, como “replicar a experiência de escolas públicas de bom desempenho para outras do mesmo estado”, mas também abstrações como “resgatar a autoridade do professor”. Também propõe uma “revisão completa” do currículo escolar, em que a escola trate do problema “sem influenciar para uma direção ideológica”. Por exemplo: não há problema em ensinar o criacionismo – hoje fora do currículo escolar – junto com o darwinismo, se os pais assim desejarem. “A questão toda é que muito da escola na atualidade está voltada para a orientação ideológica, tenta convencer de aspectos políticos e até religiosos. Houve Darwin? Houve, temos de conhecê-lo. Não é para concordar, tem de saber que existiu”, disse ao “Estadão”.
Na economia, outro gigantesco problema nacional, Bolsonaro remetia tudo a seu “Posto Ipiranga”, o economista Paulo Guedes. Mas passou a desautorizá-lo. Diz que não vai privatizar Banco do Brasil e Caixa, nem os “miolos” de Petrobras e Eletrobras. Não sobra, convenhamos, muita coisa valiosa para ser vendida e assim garantir um belo abatimento da dívida pública, como queria Guedes, para quem o ideal era “privatizar tudo” ou pelo menos “privatizar metade”.
A reforma da Previdência transformou-se, de repente, no aumento da idade mínima de aposentadoria dos servidores públicos – que seria elevada em… um ano. Não há como esperar muito mais. O deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), candidato a ministro-chefe da Casa Civil, se alinha a boa parte da esquerda ao acreditar que o INSS, pelo menos na parte urbana, é superavitário e se sustenta.
A proposta de capitalizar a Previdência, apesar disso, ainda é mencionada. Com ela, a contribuição do trabalhador ao INSS formará uma poupança, em vez de ser usada para pagar os atuais aposentados. De onde virá o dinheiro para pagar esses inativos, coisa de centenas de bilhões de reais por ano? De um “fundo”, diz Guedes. Um fundo feito de quê? Não se sabe, mas podemos especular: talvez das privatizações (agora esvaziadas), da venda de imóveis da União, de leilões de petróleo, coisas assim. Aumento de impostos é que não, garante o capitão.
Ao que tudo indica, a mão do Estado voltará a pesar sobre os preços dos combustíveis, com o uso de dinheiro do contribuinte para subsidiá-los, porque o candidato não vai querer se indispor com os caminhoneiros que tanto o apoiaram. Mas nada de elevar tributos, assegura.
Exceção feita à defesa de leis trabalhistas mais flexíveis e às propostas de abertura comercial feitas por novos colaboradores, as ideias econômicas que o candidato do PSL têm propagado ultimamente mais parecem com as do PT – e com as que o próprio deputado apoiou em sua medíocre carreira parlamentar – que com o pensamento ultraliberal de Paulo Guedes. Talvez Bolsonaro tenha percebido que pode vencer a eleição sendo ele mesmo.
O que esperar, então, desse provável governo? Palavras de Augusto Heleno, ao comentar a elaboração do plano: “Os assuntos são inesgotáveis. Quanto mais a gente estuda, mais a gente tem dúvidas”.
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