Você que votou em Jair Bolsonaro: sabe qual é a reforma da Previdência que ele pretende fazer? E você que não votou: sabe?
Aparentemente, nem o presidente eleito nem sua equipe têm ideia muito precisa do que querem. Ou talvez tenham, mas elas são bem diferentes umas das outras.
O assunto não foi debatido na campanha eleitoral. Após a eleição, o que se viu de mais consistente foram detalhes de reformas “de fora”, sugeridas por especialistas a membros do futuro governo, como a preparada pelos economistas Armínio Fraga e Paulo Tafner.
De Bolsonaro e seus auxiliares, o que se ouve é uma sucessão de declarações contraditórias. De forma geral, as que vêm do núcleo econômico indicam mudanças profundas, ao gosto do mercado financeiro – fã e avalista de Bolsonaro – e mais condizentes com a situação catastrófica das contas públicas. As do núcleo político, em sentido oposto, provavelmente soam melhor aos ouvidos da população, mas não fazem muito pelo caixa do governo.
O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, quer a reforma mais radical e rápida possível. Se dependesse dele, o Congresso aprovaria ainda neste ano a emenda constitucional apresentada por Michel Temer, o que abriria caminho para mudanças maiores de 2019 em diante, aí incluída a criação de um sistema de capitalização.
General Mourão, o vice, já elogiou o projeto de Temer e disse que sua aprovação ainda em 2018 – ideia que, pelo visto, foi abandonada – “já seria um grande passo”.
Por outro lado, Bolsonaro e Onyx Lorenzoni, futuro ministro da Casa Civil, não simpatizam com a proposta do atual governo. Mas eventualmente divergem entre si.
Para Onyx, não há por que ter pressa, pois o novo governo terá pelo menos quatro anos para mexer na Previdência. O futuro ministro diz que quer tempo para elaborar um modelo que dure 30 anos – na visão dele, a reforma de Temer é uma “porcaria”, um remendo que não dura cinco anos. Soa como um grande reformista, à la Paulo Guedes, mas não é bem assim. Num passado recente, declarou, por exemplo, que a Previdência urbana “funciona”.
O presidente eleito já disse de tudo um pouco sobre o assunto. Em seus quase 30 anos de Câmara dos Deputados, sempre se opôs a mudanças na aposentadoria. No ano passado, também classificou a reforma de Temer de “porcaria”. Um dia depois de vencer a eleição, no entanto, defendeu a aprovação de ao menos parte dela, mas voltou a criticá-la na semana passada, pois “não está sendo justa” e “não podemos querer salvar o Brasil matando idoso”. Análise muito diferente da que é feita por boa parte dos especialistas no assunto, para quem a reforma de Temer alivia mas está longe de resolver os problemas da Previdência.
Não sem razão, o capitão desconfia até do sistema de capitalização que seu “Posto Ipiranga” pretende implantar. Que era, ressalte-se, a única proposta relativa à Previdência mencionada no plano de governo que Bolsonaro apresentou antes de ser eleito.
Ao contrário de Onyx, Bolsonaro dá a entender que quer mudar as regras desde já. Mas fazendo um pouco de cada vez, com mais de uma reforma ao longo de seu mandato. Segundo ele, “é bastante forte” a tendência de começar pela idade mínima, o que ele acha “menos difícil”, inicialmente aumentando “dois anos para todo mundo”.
Mas todo mundo quem? Hoje não existe idade mínima na aposentadoria pelo INSS. Os trabalhadores podem se aposentar desde que somem 30 anos (mulheres) ou 35 anos (homens) de contribuição. Vai aumentar dois anos a partir de quê, então?*
Também chama atenção a crença – de Bolsonaro e outros políticos – de que é tarefa trivial fixar uma idade mínima, de que é possível mexer apenas nesse ponto da legislação previdenciária, sem maiores esforços.
Na verdade, a definição de uma idade de aposentadoria exige a alteração ou criação de várias outras regras. No INSS, é preciso eliminar ou reformular a aposentadoria por tempo de contribuição, o fator previdenciário, a regra 85/95. Se é “para todo mundo”, há que se mexer também na legislação do setor público – e, dentro desse, alterar também as normas específicas para policiais, para professores, para as Forças Armadas. Em todos os casos, estabelecer um processo de transição das regras atuais para as novas. E refazer as fórmulas de cálculo do benefício.
E esses são apenas os desafios, digamos, técnicos. Fora isso, há que se convencer o Congresso, que bem ou mal representa os interesses da sociedade, além, é claro, de seus próprios interesses.
Uma pesquisa feita pelo Ipespe para a XP Investimentos constatou que 67% da população acha necessário reformar a Previdência. A maioria, porém, defende que as idades mínimas de aposentadoria sejam menores que as propostas por Temer (65 anos para homens e 62 para mulheres). Quer dizer, o povo até topa alguma reforma, desde que seja algo mais tranquilo, mais ou menos como pensa Bolsonaro.
Divergências são comuns e esperadas em um governo. São parte do jogo. A questão é que cedo ou tarde Bolsonaro terá de fazer sua escolha. Dela dependerá a continuidade da lua-de-mel com eleitores e investidores. Governo empossado, não haverá como agradar a esses dois públicos ao mesmo tempo.
*No INSS, só se exige idade mínima de quem não consegue acumular contribuições suficientes. Essas pessoas, em geral mais pobres, precisam esperar pelo menos até os 60 anos (mulheres) ou 65 anos (homens) para se aposentar por idade. Não faz sentido que justamente delas se exija mais. Assim como os aposentados por tempo de contribuição do INSS, os militares das Forças Armadas também não precisam esperar determinada idade para passar a inatividade. Para eles, basta completar 30 anos de serviço. Os servidores públicos civis, esses sim, têm de alcançar uma idade mínima, de 55 anos para mulheres e 60 para homens. Semanas atrás, Bolsonaro chegou a falar em uma reforma que elevasse esses requisitos em apenas um ano.