O governo Bolsonaro contrariou, logo de saída, uma de suas principais promessas na área econômica. O ministro da Economia, Paulo Guedes, falava em reduzir os benefícios fiscais concedidos ao setor privado, hoje calculados em mais de R$ 300 bilhões por ano. Por ora, não conseguiu nem mesmo evitar a renovação de um incentivo que deveria ter acabado no fim de 2018. Fica no ar a dúvida sobre sua capacidade de acabar com benesses que estão em pleno vigor.
No terceiro dia de mandato, o presidente Jair Bolsonaro sancionou projeto que prorroga desonerações para empresas instaladas nas áreas da Sudam e Sudene, nas regiões Norte e Nordeste do país. Ele vetou o trecho que estendia os benefícios à Sudeco, no Centro-Oeste, o que faz com que o impacto sobre as contas públicas seja menor que os R$ 3,5 bilhões estimados até semanas atrás pela equipe econômica de Michel Temer. Mas nem por isso é um impacto irrelevante: a nova conta aponta para algo próximo de R$ 2 bilhões.
O governo provavelmente terá de tirar dinheiro de outro lugar para compensar essa perda de receita. No primeiro bate-cabeça da nova gestão, o próprio Bolsonaro admitiu fazer isso com um aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), mas depois o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que “o presidente se equivocou”. E que, por enquanto, não há o que ser compensado, uma vez que o impacto das medidas ocorreria principalmente a partir de 2020. A conferir.
Aumento de imposto à parte, chamou atenção o fato de Bolsonaro dizer que foi obrigado a prorrogar os incentivos fiscais, que, como bem lembrou, faziam parte de uma “pauta-bomba” aprovada pelo Congresso no fim do ano passado. Ora, obrigado por quem?
Aparentemente, pelo jogo político de Brasília. Se vetasse a bomba, acabaria contrariando deputados do Norte e Nordeste, o que poderia ameaçar a reforma da Previdência – que, se passar, deve gerar uma economia de centenas de bilhões de reais, compensando com folga o prejuízo causado pela renúncia fiscal. Juntas, essas duas regiões têm pouco mais de 40% dos deputados e praticamente 60% dos senadores. Para aprovar uma emenda à Constituição que mude as principais regras de aposentadoria, o governo terá de conquistar no mínimo 60% dos votos da Câmara e do Senado.
Conforme o Demonstrativo de Gastos Tributários preparado pela Receita, as desonerações tributárias devem tirar ao todo R$ 306 bilhões dos cofres federais neste ano, o equivalente a 4,12% do Produto Interno Bruto (PIB). Algo como dez anos de Bolsa Família.
Na campanha, Guedes disse que pretendia cortar de 10% a 20% dos benefícios, e com isso recuperar de R$ 30 bilhões a R$ 60 bilhões para os cofres federais. Ao deixar o governo ceder nas desonerações para Sudam e Sudene, pode ter dado um primeiro sinal de que está disposto a fazer amigos no Congresso. E, de fato, se não os fizer, não conseguirá levar seus planos adiante – que são ambiciosos, impopulares e dependem da aprovação de pelo menos 60% dos parlamentares nos casos mais relevantes, como o da reforma da Previdência.
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O cálculo que o ministro da Economia tem de fazer, no entanto, é complexo. Manter desonerações para agradar deputados e senadores pode ajudar em outras medidas. Mas como, então, cumprir a promessa de cortar incentivos fiscais, coisa que também depende do Congresso?
As renúncias estão previstas em lei. E, ao contrário dessa que Bolsonaro decidiu prorrogar, a grande maioria delas – 84%, mais precisamente – não tem prazo para terminar. Só vai acabar por força de uma nova lei. Será preciso, portanto, convencer os parlamentares, mais acostumados a criar benefícios tributários do que acabar com eles.
Genericamente, existe alguma disposição do Congresso para isso. Tanto que o texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2019, aprovado pelos parlamentares no ano passado, estabeleceu que os incentivos sejam limitados a 2% do PIB – menos da metade do nível atual – num prazo de dez anos. Mais difícil será encontrar tanta boa vontade no momento em que a discussão passar ao nível individual, benefício por benefício. Aí cada um cuidará de proteger os interesses que representa.
Vários benefícios são discutíveis, mas, como ocorreu no emblemático caso do “bolsa-refrigerante”, sempre haverá alguém para defendê-los, seja mencionando os empregos que supostamente geram, seja citando o bem que supostamente fazem aos mais pobres.
Em boa parte dos casos, os argumentos não resistem aos fatos e números. Mas quem defende tais bolsas se beneficia do fato de que o governo simplesmente não avalia os resultados dos programas. Mais da metade das renúncias não são acompanhadas por órgão gestor. E, mesmo quando são, tal órgão em geral cuida mais da execução do programa do que da avaliação de sua eficiência e efetividade, segundo relatório do Tesouro Nacional.
Num documento entregue em dezembro à equipe de transição do novo governo, o Ministério da Fazenda propôs duas estratégias para reduzir as isenções fiscais em 10%: fazer um corte linear de 10% em todos os programas – são cerca de 80 – ou então se concentrar em benefícios específicos.
Caso a segunda alternativa seja escolhida, a Fazenda propôs cortes em cinco programas, escolhidos com base no impacto financeiro (o tamanho da renúncia fiscal), na distorção que causam no sistema tributário e em sua regressividade (isto é, em que medida favorecem mais os ricos que os pobres).
As sugestões são: eliminar de vez a desoneração da folha de pagamento; diminuir os benefícios do Simples e do Microempreendedor Individual (MEI); criar um teto para a dedução de despesas médicas no Imposto de Renda; limitar o benefício a idosos no IR; e acabar com a isenção de imposto a alguns produtos incluídos na desoneração da cesta básica.
É mexer em vespeiro, como se vê. Caso desista de cortar desonerações, Paulo Guedes terá de buscar dinheiro em outro lugar. De uma forma ou de outra, o ministro terá a oportunidade de mostrar até onde vai sua obstinação em reequilibrar as contas públicas e acabar com as distorções da economia brasileira.