“Você aceitaria a retirada de algum direito?” Foi o que perguntou o novo comandante do Exército, general Edson Pujol, ao explicar para jornalistas da “Folha de S.Paulo” sua oposição às propostas de mudança na previdência das Forças Armadas.
Tais propostas vêm de dentro do próprio governo. Mais especificamente, do quartel-general do ministro da Economia, que prepara uma reforma da Previdência para reduzir o rombo das contas da União. Paulo Guedes pretende mexer nas regras do INSS, dos servidores públicos civis e dos militares. Ele sabe que, se ninguém ficar de fora, será mais fácil emplacar o discurso de combate a privilégios e convencer o povo a aceitar o sacrifício – e, claro, o governo economizará muito mais dinheiro.
Mas como convencer o povo se gente do governo, em posição de comando, não está disposta a dar o exemplo e colocar as necessidades do Brasil acima de tudo? “Se o nome é reforma da Previdência, não estamos nela”, chegou a dizer o ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo e Silva.
A resistência dos militares a mudanças é antiga e conhecida. A novidade, no governo de Jair Bolsonaro, é que eles têm mais voz. O presidente foi capitão do Exército e fez carreira política como uma espécie de sindicalista da caserna, defendendo com fervor os direitos da categoria. Eleito tendo um general como vice, povoou o primeiro e o segundo escalões de militares.
Generais como o próprio vice, Hamilton Mourão, e o ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz, até admitem algumas mudanças. Mourão já defendeu mais de uma vez que o tempo mínimo de serviço do militar tem de ser elevado de 30 para 35 anos. Mas a maioria dos escolhidos de Bolsonaro não quer saber de conversa.
Até a declaração de Pujol, membros das Forças Armadas concentravam o discurso contrário a reformas em três pontos: 1) a atividade militar é diferente das demais e tem peculiaridades que merecem ser reconhecidas; 2) militar não se aposenta; e 3) militar não tem regime de previdência.
SAIBA MAIS: Como funciona a previdência dos militares e por que ela custa tão caro
A fala do comandante do Exército, no entanto, vai mais direto ao ponto. Ninguém gosta de perder direitos, sejam eles discutíveis ou não. A questão, agora, é quem aceitará a retirada dos seus, para usar o termo empregado pelo general.
Se os militares (369 mil na ativa, 158 mil inativos e 223 mil pensionistas) não aceitarem, os servidores civis (691 mil ativos, 436 mil aposentados e 301 mil pensionistas) vão topar numa boa?
E o pessoal do INSS? Aceita perder direitos? Falamos, neste caso, de 50,6 milhões de contribuintes, 19,7 milhões de aposentados e 7,7 milhões de pensionistas.
Acontece que a população segurada pelo INSS é numerosa, mas não poderosa. Não é organizada como os funcionários civis e militares do governo, não tem acesso fácil aos corredores do Congresso e, no geral, não tem condições de estender uma greve por dias ou semanas para fazer valer sua vontade. É por isso que a massa sempre engoliu goela abaixo mudanças severas na Previdência. Mais que servidores públicos, mais que militares. É provável que tenha de engolir de novo.
Um levantamento divulgado dias atrás pelo Instituto Paraná Pesquisas revelou boa vontade da população em relação à reforma da Previdência: 69% dos entrevistados acham que Jair Bolsonaro deve fazê-la. Mas a maioria também quer que ela seja para todos: 66% dizem que a aposentadoria dos servidores deve ser igual à dos demais trabalhadores, e 58% acham que os militares não merecem um regime especial.
No entanto, mais que manter os atuais direitos, os militares estão empenhados em restabelecer benefícios extintos no começo do século, ainda no governo FHC. Esse resgate é bandeira do próprio Bolsonaro e foi citado recentemente pelo ministro da Defesa. Se levado adiante, afastará ainda mais as normas que regem os militares das aplicadas aos demais trabalhadores.
Bolsonaro, Azevedo e Silva, Pujol e tantos outros representam uma categoria em que 62% dos inativos deixaram o serviço com no máximo 50 anos de idade e outros 33% com até 55, segundo relatório do Tribunal de Contas da União.
Enquanto isso, na parte civil do país, metade da força de trabalho vive na informalidade ou no desemprego e, por isso, não tem proteção previdenciária alguma, a não ser o direito – que também pode ser afetado na reforma – de receber um salário mínimo caso esteja na pobreza quando completar 65 anos. Gente sem foro privilegiado, que em geral não teve filho nem amigo promovido neste início de ano.
A reforma de Michel Temer, que em muitos itens será seguida por Bolsonaro, naufragou não só pelas gravações de Joesley Batista, mas porque o governo falhou na comunicação e cedeu à pressão de categorias organizadas, revoltando o grande público.
Se continuar dependendo de garotos-propaganda como o comandante do Exército, a reforma de Bolsonaro acabará navegando pelas mesmas águas que a do antecessor.