Em crise de identidade após meses sem saber se deixa ou não o governo Temer, o PSDB deitou no divã para descobrir o que é. E quem quer ser. Esquerda ou direita? Eis a questão.
Nesta terça-feira (28), o partido começou a se definir. Indicou que vai começar o desembarque definitivo do governo Temer. E lançou um manifesto com diretrizes para orientar a sigla na disputa presidencial de 2018. Porém, o PSDB acabou ficando em cima do muro. Bem ao estilo tucano.
O texto prega um “choque de capitalismo” e privatizações de estatais. Mais liberal, impossível. Porém, a saída de um governo que está associado à direita sinaliza que o rumo tucano pode ser o oposto. Um sinal reforçado pelo trecho do manifesto que defende as políticas de redução das desigualdades sociais, uma causa cara à esquerda. Esse meio-termo tucano já tem até um mantra para ser entoado no ano que vem: o Estado não deve ser máximo, nem mínimo; tem de ser eficiente.
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Tucanos miram o centro para acertar o Planalto
Os tucanos querem mesmo ser de centro. Há um importante componente de pragmatismo eleitoral nessa decisão. Após anos de radicalização e polarização política, o país está carente de lideranças mais moderadas. E as eleições presidenciais costumam ser vencidas por candidatos com plataforma mais ao centro – posição que tende a espantar um número menor de eleitores do que as demais.
Na política, que não tem bobo, todo mundo sabe disso. O deputado Jair Bolsonaro (PEN/Patriota), visto como o radical de direita, começa a moderar o discurso, num movimento em direção ao centro. E o esquerdista Lula (PT) tem dito que “perdoa” os golpistas, antecipando o que dirá para o eleitor quando fechar aliança com políticos que hoje compõem o governo Temer.
Nessa guerra de ocupação de espaços, o PSDB quer fincar pé desde já nessa posição privilegiada, o centro. Antes que alguém a leve na mão grande.
Pragmatismo explica: PSDB nasceu de esquerda e “endireitou” no poder
O pragmatismo político, aliás, costuma falar mais alto do que as convicções ideológicas. O próprio PSDB é um exemplo disso. Nasceu em berço de esquerda. Quando chegou ao poder, “endireitou”. Ao menos um pouco, como veremos.
O partido foi fundado em plena Constituinte de 1988 por uma dissidência da esquerda do PMDB. Eles estavam insatisfeitos com o alinhamento da maioria dos colegas, durante a elaboração da atual Constituição, com o chamado “Centrão” – grupo de parlamentares conservadores.
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Os ex-peemedebistas batizaram a nova sigla de Partido da Social Democracia Brasileira. E isso diz muito do que os tucanos queriam ser.
A social democracia é uma corrente ideológica de esquerda. Originalmente, é uma costela extraída do socialismo por aqueles que não concordavam com a ditadura do proletariado apregoada por Marx. Uma esquerda que busca arrefecer os males do capitalismo seguindo as regras do jogo democrático. E sem ter a pretensão de destruir a sociedade capitalista.
Quando chegaram ao poder, sobretudo nas democracias europeias, os sociais-democratas investiram pesadamente em políticas sociais. Construíram o que se convencionou chamar de Estado de Bem-Estar. Serviços públicos de boa qualidade eram oferecidos a toda a população. Mas essa estrutura exigia dinheiro demais; do contribuinte, é claro. Em função disso, foi apelidada pelos liberais, pejorativamente, de Estado-Babá.
O sangue tucano, portanto, era vermelho em sua gênese. Alguns dos fundadores do PSDB – como Fernando Henrique Cardoso e José Serra – foram vistos por muito tempo como “socialistas”. E caminharam juntos de petistas em momentos históricos. Antes mesmo de o PSDB ter sido fundado. E até um pouco depois disso.
Uma foto clássica de FHC e Lula distribuindo panfletos a operários, em 1978, mostra como os inimigos políticos de hoje já foram aliados. No segundo turno da eleição de 1989, o PSDB apoiou Lula contra Fernando Collor.
A história de como os tucanos e petistas se separaram coincide com a história de como o PSDB passou a flertar com a direita. Tucanos aceitaram compor o governo de Itamar Franco após o impeachment de Collor, em 1992. Os petistas, não. Um fosso se abriu entre as duas siglas.
O Plano Real catapultou seu pai, Fernando Henrique, para a Presidência na eleição de 1994. Com os petistas na oposição, o PSDB se abraçou ao direitista PFL (hoje DEM) para ter apoio no Congresso. E o PT passou os oito anos seguintes gritando “Fora, FHC” e acusando o então governo de ser neoliberal – palavra que assumiu uma conotação negativa.
Mas será que a gestão tucana no Planalto foi de direita? Há controvérsia
É fato que FHC promoveu privatizações – como a da telefonia. Institui a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que impede que o Estado seja “gastador” no estilo tradicional da social democracia. O PT, aliás, votou contra a LRF por entender que ela engessaria os investimentos sociais.
No entanto, FHC também criou os primeiros programas federais de transferência de renda que fazem a cabeça da esquerda. Caso do auxílio-gás e do Bolsa Escola, ampliado e rebatizado por Lula como Bolsa Família.
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Um governo da direita clássica também não aumentaria os impostos como fez FHC. Segundo dados da Receita Federal, em 1995, a carga tributária brasileira era de 26,77% do PIB. Fernando Henrique entregou a faixa presidencial para Lula em 2003 com uma carga de 32,12%.
Lula terminou seu mandato quase sem aumentá-la. Em 2010, o peso dos impostos sobre a economia nacional foi de 32,66%. E Dilma seguiu a mesma toada do sucessor. No seu último ano inteiro de governo (2015), a carga tributária foi de 32,66% do PIB. Ou seja, os petistas elevaram proporcionalmente menos os impostos do que o “neoliberal” FHC.
No frigir dos ovos, pode-se dizer que os tucanos fizeram um governo de centro. O mesmo centro que agora eles almejam ocupar para reconquistar o poder que um dia tiveram.