Depois que todos os candidatos foram oficializados, a campanha presidencial tem sua primeira grande fake news: o brasileiro é preguiçoso, malandro e chegado num privilégio por causa de sua herança indígena, africana e portuguesa. E o autor da pérola é o general Hamilton Mourão (PRTB), candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PSL).
“Temos uma herança cultural, uma herança que tem muita gente que gosta do privilégio (…) Essa herança do privilégio é uma herança ibérica. Temos uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena. Eu sou indígena. Meu pai é amazonense. E a malandragem (…) é oriunda do africano”, afirmou o general na segunda-feira (6). “Então, esse é o nosso cadinho cultural.”
Há vários erros factuais na afirmação de Mourão, que apenas reforça estereótipos e preconceitos ao generalizar quem é o brasileiro e quais são as causas dos problemas nacionais.
Fato: o brasileiro não é preguiçoso; trabalha muito mais que o alemão
A concepção de que os brasileiros são preguiçosos e malandros, seja qual motivo se alegue, não resiste aos fatos. No Brasil, cada pessoa trabalha em média 1.711 horas por ano, segundo o site Our World in Data, do programa de desenvolvimento global da Universidade de Oxford (Inglaterra).
Os brasileiros trabalham mais do que espanhóis (1.688 horas anuais), canadenses (1.687), britânicos (1.675), suecos (1.608) e alemães (1.371). Os brasileiros também não ficam muito atrás dos norte-americanos, tidos com workaholics. Eles trabalham 1.764 horas anuais. E ninguém fala que esses povos estrangeiros são indolentes.
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Aliás, o levantamento do Our World in Data desmente a ideia de que haja uma preguiça e malandragem inerentes à cultura de africanos e dos descendentes de índios. Povos majoritariamente negros e com fortíssima herança indígena pegam muito no pesado. Na África do Sul, trabalha-se 2.215 horas por ano. No México, 2.136. É mais do que o tempo de labuta de sul-coreanos (2.123) e japoneses (1.938) – nações vistas como as mais dedicadas ao trabalho no mundo.
O problema de povos em desenvolvimento como brasileiros, mexicanos e sul-africanos não é a preguiça, nem sua herança étnico-cultural. É a falta de produtividade que faz com que trabalhem muito mais que os alemães, por exemplo, e que produzam muito menos do que eles.
O general Mourão faria muito melhor se discutisse como o país pode superar esse gargalo. Reforçar um preconceito inverídico não leva a lugar nenhum. A propósito, leva sim: desvia o olhar daquele que é o verdadeiro problema.
Portugal é bem menos corrupto que o Brasil. Pode isso, Mourão?
O conceito da malandragem, por sua vez, também se conecta à terceira afirmação do vice de Bolsonaro, de que “há muita gente que gosta do privilégio”. E que isso seria herança da cultura ibérica.
Embora o general não tenha desenvolvido sua argumentação para explicar exatamente o que quis dizer, as duas concepções tocam na ideia de que o brasileiro é afeito a burlar regras, a arrumar um “jeitinho” para se dar bem e, no extremo, que é propenso ao patrimonialismo e à corrupção.
Obviamente, nem todos os brasileiros são assim. Talvez seja uma minoria. Mas é necessário admitir que esses são problemas do país.
Mas há um equívoco na afirmação do vice de Bolsonaro e em sua consequência lógica. Está implícito no pensamento de Mourão que o patrimonialismo e a corrupção são problemas mais da origem étnico-cultural do brasileiro do que de suas instituições. O desdobramento necessário dessa gênese nacional é que o país estaria fadado ao fracasso. Afinal, a herança étnica não pode ser mudada.
Mas isso não é verdade. A corrupção não é uma questão genética. Tem sim uma faceta cultural. Mas é eminentemente institucional. Instituições que facilitam os desvios e que não punem os responsáveis abrem brechas para a corrupção.
A notícia boa é que as instituições podem ser mudadas para se combater a corrupção e o patrimonialismo. Tanto que Portugal ocupa a 29.ª posição dos países menos corruptos, segundo o ranking de percepção da corrupção da Transparência Internacional. O Brasil está bem atrás, no 96.º lugar. Se a cultura fosse mais determinante que as instituições, seria de se esperar que os dois países estivessem muito mais próximos nessa lista.
Discutir como as instituições podem ser mudadas para evitar os desvios de dinheiro, portanto, é o que se espera de um candidato a vice-presidente. Não foi o que fez o general Mourão.
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