O PT provavelmente vai usar como peça de propaganda na campanha eleitoral à Presidência números que mostram como as gestões de Lula (2003-2010) e de Dilma Rousseff (2011-2016) reduziram a pobreza e a desigualdade social no país. De fato, no período em que os petistas comandaram o Brasil, a proporção de pobres na população caiu. Mas novas pesquisas põem em dúvida os dados que indicam queda na diferença de renda entre as classes sociais. Esses estudos indicam que a desigualdade se manteve praticamente estável nos governos petistas, ao contrário do que mostram os dados oficiais.
E isso, muito além de ser um problema para o discurso eleitoral do PT, é um desafio para qualquer candidato que venha a ser eleito em outubro para presidir o Brasil: como quebrar as estruturas que impedem a redução do fosso que separa pobres e ricos no país?
O que dizem os dados oficiais: a desigualdade caiu
Os dados oficiais costumam mostrar que os pobres ganharam participação no bolo da renda nacional e que os mais ricos perderam espaço durante a era petista.
Ligado ao Ministério do Planejamento, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mede a desigualdade por meio do cálculo da parcela da riqueza nacional apropriada pelos 50% de brasileiros mais pobres, pelos 40% que têm rendimentos intermediários e pelos 10% mais ricos da população.
Segundo o Ipea, em 2001 os 50% mais pobres ficavam com 12,60% da renda nacional. Os 40% intermediários e os 10% mais ricos se apropriavam, respectivamente, de 39,96% e 47,44% da riqueza brasileira.
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O PT viria a assumir o país dois anos depois da coleta dessas informações. E, em 2015, último ano cheio da gestão petista no governo federal, os 50% mais pobres ficaram com 17,7% da renda nacional (um crescimento de 5,1 pontos porcentuais em relação a 2001). Os 40% intermediários ampliaram sua participação no bolo em 1,04 ponto porcentual, chegando a 41%. Já os 10% mais ricos perderam uma fatia de 6,24 pontos porcentuais na renda nacional, caindo de 47,44% para 41,2% no período.
Para fazer os cálculos, o Ipea utiliza informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada todos os anos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas novos estudos questionam justamente se o uso desses dados mostra com precisão a desigualdade brasileira. Isso porque entrevistadores do IBGE têm dificuldades para obter dados reais da renda da parcela mais rica da população, que tende a omitir rendimentos. E, quando o IBGE consegue alguma informação, têm de confiar na declaração do entrevistado.
Novos estudos acrescentam dados da Receita. E a desigualdade aumenta
Uma nova abordagem que tem crescido entre os estudiosos é acrescentar às análises tradicionais dados da Receita Federal, mais precisos para apurar a renda real da população. É o que fez, por exemplo, um estudo do irlandês Marc Morgan, discípulo do economista francês Thomas Piketty, um dos mais renomados pesquisadores da desigualdade em todo o mundo.
Publicado em setembro de 2017 pelo World Wealth and Income Database, o estudo de Morgan revela que a parte da renda brasileira apropriada pelos mais pobres é menor do que se imaginava e cresceu bem menos do que mostram os dados oficiais.
Segundo a pesquisa de Morgan, a parcela dos 50% mais pobres do país ficava com apenas 11,27% da riqueza brasileira em 2001 (um ano antes da eleição de Lula). O porcentual aumentou para 12,25% em 2015 (um crescimento de apenas um ponto porcentual, contra os 5,1 da pesquisa do Ipea).
Os 10% mais ricos, por sua vez, também aumentaram sua participação na renda nacional durante os governos do PT: de 54,34% para 55,33%. Quem perdeu espaço, portanto, foram os 40% de renda intermediária: eles tinham 34,39% da renda nacional em 2001 e ficaram com 32,42% em 2015.
Ou seja, segundo o estudo de Morgan, a distância entre os mais ricos e os mais pobres se manteve igual durante os governos de Lula e Dilma. Quem perdeu espaço foi a classe média, que se distanciou dos ricos e se aproximou dos pobres.
Isso leva à conclusão que foram os segmentos médios da população (e não os ricos) que “custearam” a pequena ascensão dos pobres verificada na última década e meia. A pesquisa também sugere que o PT não alterou de modo significativo as estruturas sociais e econômicas que fazem do Brasil uma das nações mais desiguais do planeta.
Ou, para usar uma figura de linguagem corriqueira no país, Lula não foram nem o pai dos pobres nem a mãe dos ricos. Ele e Dilma apenas deixaram tudo mais ou menos como sempre foi quando o assunto é desigualdade. Suas políticas sociais, como o Bolsa Família, apenas contribuíram para não piorar os indicares – algo que sempre pode ocorrer.
Aliás, há indicativos de que houve aumento da desigualdade de 2015 para cá. Não apenas por causa do governo Temer (mas talvez também em razão dele – estudos posteriores provavelmente vão analisar essa questão). Mas principalmente em função da crise econômica que Temer herdou da gestão de Dilma e que vem atingindo fortemente as camadas mais vulneráveis da população.
Se em 2015 os 10% mais ricos ficaram com 41,2% da riqueza nacional (dados do Ipea), em 2017 essa mesma parcela da população ampliou sua participação no bolo de rendimentos nacionais para 43,3% (dados da Pnad/IBGE). As pesquisas são diferentes, embora o Ipea use dados da Pnad. Ainda assim, os números indicam que os ricos aumentaram sua parcela na riqueza nacional em dois anos – ainda não é possível saber se a custa dos pobres ou da classe média (ou dos dois).
Redução da pobreza nos governos do PT é inquestionável
Apesar da dúvida sobre os avanços que o país teve no combate à desigualdade, a diminuição da pobreza e da miséria que ocorreu nos governos do PT é inquestionável – por qualquer critério que venha a ser usado para definir qual é a renda que caracteriza uma pessoa pobre ou miserável (veja vários estudos sobre o assunto no infográfico ao fim deste texto).
O Banco Mundial é uma das instituições que mensura o número de pobres no Brasil. Segundo o banco, o país tinha 43,8% de sua população vivendo na pobreza em 2004 (segundo ano do PT no governo). Já em 2015, o porcentual de pobres havia caído pela metade, para 22,1% dos brasileiros. Outro dado do Banco Mundial é que o porcentual de miseráveis no país era de 11% em 2004 e caiu para 8,9% em 2014.
Por que a desigualdade não cai mesmo quando a pobreza diminui?
Diante desses dados, uma questão a ser respondida é: por que então a desigualdade não cai mesmo quando a pobreza diminui?
Os dados indicam que o Brasil reduziu o número de pobres porque eles passaram a ganhar mais (a taxa de pobreza é medida por um valor de renda que traça uma linha: quem está abaixo é pobre e quem está acima não é). Isso é explicado principalmente pelo crescimento econômico, mas também como algumas políticas públicas (Bolsa Família e valorização do salário mínimo, por exemplo).
Por outro lado, a taxa de desigualdade é um indicador que relaciona um grupo (os mais pobres) a outro (os mais ricos). Nesse caso, é possível que a renda dos dois aumente ao mesmo tempo e que a desigualdade não caia – o que parece ter ocorrido no Brasil durante os governos do PT.
Impostos estão entre as causas profundas da desigualdade
A pesquisa de Marc Morgan não explica as razões que fizeram com que a distribuição de renda tivesse se mantido estável no país apesar da redução da pobreza. Seria preciso aprofundar os estudos.
À época da divulgação do estudo, contudo, especialistas levantaram várias hipóteses sobre as causas desse fenômeno socioeconômico. Foram desafios que Lula e Dilma não conseguiram enfrentar de modo efetivo – e que terão de ser encarados pelo próximo presidente se a redução da desigualdade for uma de suas prioridades.
Um dos entraves para a queda da taxa de desigualdade é o sistema brasileiro de tributação, fortemente baseado no consumo e não na renda. Isso beneficia os mais ricos, que gastam uma parcela menor dos rendimentos com consumo. Por outro lado, os juros beneficiam quem tem sobra de dinheiro para investir no mercado financeiro – geralmente os mais ricos.
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Os investimentos financeiros pagam de 15% a 22,5% de Imposto de Renda, dependendo do prazo em que o dinheiro fica aplicado. Poucos produtos de consumo corriqueiro dos brasileiros têm patamar semelhante de incidência de tributos. Em geral, a tributação é mais alta que isso.
Segundo levantamento da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), 17% do preço dos alimentos da cesta básica são impostos. Mas a tributação já sobe quando o cidadão cozinha esses alimentos no fogão ou no micro-ondas – produtos cuja incidência de impostos no preço final é de 27% e 59%, respectivamente. Outros exemplos: na calça jeans, os impostos representam 39%. Num simples xampu, 44%. Nos remédios, 34%. Na conta de água, 38%. Na de luz, 48%. E na gasolina, 53%.
Além disso, o próprio Imposto de Renda no Brasil é socialmente injusto. Segundo especialistas, o IR tributa proporcionalmente mais quem ganha menos.
Dinheiro subsidiado para empresas, aposentadorias e funcionalismo tiram recursos do combate à pobreza
Estudo do Banco Mundial divulgado em novembro de 2017 dá outros indicadores das razões sobre a persistente desigualdade social no Brasil. E o Estado tem tido um papel fundamental para isso.
Segundo a pesquisa, o governo brasileiro gasta muito para incentivar o setor privado por meio de isenções tributárias, créditos subsidiados e gastos diretos com empresas privadas: 4,5% do PIB em 2015 – aliás, um crescimento expressivo durante a gestão do PT, pois em 2006 eram apenas 3%.
Essas despesas correspondem a duas vezes o custo de todos os programas públicos de assistência social e de manutenção do emprego. Ou seja, o governo dá muito mais dinheiro para empresários do que para tirar pessoas da pobreza ou garantir-lhe um trabalho remunerado.
FIQUE POR DENTRO: Veja a íntegra do Estudo do Banco Mundial
O Banco Mundial diz ainda que o modelo brasileiro de aposentadorias, que consome uma parcela cada vez maior do orçamento federal, também beneficia principalmente a classe média e os ricos – que têm maior acesso ao mercado formal de trabalho e que, portanto, conseguem contribuir para o sistema de previdência.
Outra conclusão do estudo é que os salários de parte significativa do funcionalismo público federal são excessivamente altos e contribuem para manter a desigualdade. Como o governo necessariamente tem de pagar a folha, sobra menos para investimentos sociais.