Comunicar significa “tornar comum”. Talvez seja um dos verbos mais belos de nossa língua, conjugado em todos os tempos: no passado quase nunca perfeito; no presente de nossas ilusões; no futuro incerto. É pela comunicação – a partilha de informações, ideias, emoções – que nos tornamos humanos, que construímos uma comunidade.
Mas o ofício de comunicar hoje enfrenta grandes desafios. Afinal, as palavras em nosso tempo perderam valor. Assim como perderam valor muitos valores. Hoje, elas são ditas de qualquer modo. Maltratadas por qualquer um para qualquer fim. Talvez nossa maior luta seja resgatar a verdade das palavras. E assim, quem sabe, resgatar valores que se perderam.
Valores como a liberdade. Porque atualmente, na propaganda, liberdade é ter um carro veloz. Aliás, o verbo “ter” tomou lugar daquele que é o mais essencial em qualquer língua: “ser”. As pessoas não são mais o que são. O homem é o que tem. E, na louca corrida por ter mais e mais, não encontra a paz. Estar em paz… Estar em paz hoje é deitar-se no sofá e colocar os pés para cima. Mesmo que o mundo esteja caindo em desgraça.
E as palavras vilipendiadas não param por aí. A Justiça muitas vezes é injusta. A política virou a arte da mentira. Em tempos de fake news, muitos nem mesmo se importam com a verdade. Outros pregam que não existem mais verdades. Mas a negação da verdade é uma verdade?
E quantas outras palavras não são violentadas? Lealdade. Confiança. Amor. O que nós amamos hoje? Não seriam coisas em vez de pessoas? As coisas não dizem “não”. E esse é nosso maior medo: sermos rejeitados.
Ainda ontem éramos jovens e sonhávamos. Mas o tempo passou. E, dizem, tempo é dinheiro. Então, a pressa é tudo o que nos resta. Esquecemos que há muito tempo alguém disse: “Olhem as flores do campo. Elas não tecem, não fiam, não se apressam para ser nada além do que são; e ainda assim se vestem com beleza”.
Mas será que não existem vozes que se erguem contra a crueldade desse mundo? Será que nunca escutaremos ao menos um sussurro de esperança? Tão certo quanto o sol vai despontar no horizonte amanhã, essas vozes existem. Contudo, são abafadas por uma multidão que só tem um único mérito: falar mais alto. Falar para não ouvir.
Mas será que nós mesmos estamos dispostos a escutar? E quantas vezes não perdemos a oportunidade de dizer a verdade por medo? Quantas chances desperdiçamos de falar o quanto estimamos alguém? Sim, às vezes é o silêncio que fala mais alto.
E pior: quando falamos, costumamos dizer mentiras, difamações, preconceitos. Trocamos a palavra amiga por reclamações, agressões. Dizemos coisas impensadas só porque todos falam.
E, ao nos comunicarmos com nosso íntimo, por acaso não mentimos para nós mesmos? Não dizemos que “as coisas são assim, não vão mudar”? Não seria, por acaso, uma desculpa para desistirmos de nossa humanidade?
Embora o mundo seja assim, ainda temos sonhos. Há quem diga que todas as noites são de sonhos. E há aqueles que sonham acordados. Mas, se fechássemos os olhos agora por um único instante e ficássemos em silêncio, quem sabe poderíamos ouvir aquela voz interior. E ela nos contaria quais são nossos sonhos mais puros. E talvez pudéssemos trazê-los à vida por meio de palavras. E assim poderíamos torná-los comuns para, quem sabe, realizá-los. Juntos.
Eu às vezes sonho que, se não falássemos, nos comunicaríamos com o olhar. E como os olhos não podem esconder nada, talvez assim o mundo fosse um pouco melhor. E às vezes eu sonho que uma menina vestida de sol virá descortinar a manhã de um novo tempo. Um tempo da verdade.
Mas talvez muitos pensem que tudo isso é uma grande tolice. Talvez poucos tenham chegado a essas últimas linhas. Talvez amanhã não estejamos diferentes. Talvez digamos bobagens. Sintamos medo de falar o que pensamos e sentimos. Talvez não escutemos aqueles que nos procuram. Mas pelo menos poderemos lembrar que num dia de fevereiro sonhamos com algo melhor.
Leia mais: Textos do blog de Fernando Martins